LONDRES: Ô CIDADEZINHA ESQUISITA!
Disse o profeta: “Quando a auto-estima estiver caída e você se sentir pobre, feio e depressivo, passe alguns dias em Londres e verá que tudo vai mudar; você verá tanta gente estranha e feia que, comparativamente, você se sentirá bonito e dentro da moda; porque tudo o que você quiser usar, em Londres está na moda. Você só não se sentirá menos pobre. Pelo contrario: seus bolsos se esvaziarão, porque Londres é fudidamente cara” (Niel 1:1:1)
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Londres é uma cidade fascinante. Gente pra todo lado, todo tipo de gente, todo tipo de roupa. Todo tipo de idioma. É o mais próximo que consigo imaginar de Babel. Muita coisa pra fazer, coisa velha, coisa antiga, coisa esquisita. E tudo muito contraditório.
Veja só: estive em Londres há alguns anos atrás e comprei um lindo casaco de couro num brechó em Notting Hill. Como era muito chique, julguei que valia à pena pagar sessenta libras (com a Libra valendo cinco reais…). Agora, no mesmo brechó, comprei um casaco de couro semelhante por três libras. Incompreensível.
Os hotéis são engraçados. Neles trabalham pessoas de todo o mundo e a única forma de comunicação entre elas é o inglês tórrido que elas conseguem falar. Mas nesse hotel onde estou agora, pelo menos na sala de café da manhã, as gutchas são orientais. E pasmem, elas são até que educadas. Não sei se são japonesas ou coreanas ou chinesas, mas apelidei-as carinhosamente de Ping e Pong.
O café da manhã desse hotel é bem gostoso. Tem frios, tem frutas, tem pão torrado. Ontem estava tomando café e, como tinha feito uma caminhada no Hyde Park, estava faminto. Mas, devido aos intermináveis regimes da minha vida, eu senti uma certa culpa ao perceber que estava indo pela quarta vez buscar mais pão. Foi então que olhei para o pão e percebi o truque, que servia muito bem a mim e ao hotel: os pães eram servidos em meias-fatias e cada vez que eu comia duas fatias, tinha a falsa impressão de comer um sanduíche inteiro e, culpado, comia menos. Como disse, bom para os dois. Mas ontem mandei a dupla-economia para aquele lugar e comi mais pães do que de costume.
Minha amiga fez uma observação interessante: olhou para a fatia de salsichão e percebeu que ela estava bem mais grossa.
- Vai ver que é porque estava no final do salsichão – disse eu.
- Não…todas estão grossas assim! – Ela retrucou
- Então deve ser porque a Ping e a Pong ficaram de saco cheio de cortar o salsichão!
Minha amiga riu. Mas, de fato, acredito nisso. Imagine como deve ser chato fazer a mesmíssima coisa todos os dias? Arrumar mesas várias vezes por dia, cortar salsichão, torrar pão e ainda ganhar pouco? Que tristeza. Pelo menos minha vida não tem tédio.
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Uma noite dessas fui numa boate. Era um espaço decadente transformado em hype. Vi um show interessante, de uma banda chamada Miss King and the Kougars. Mas, como sou um assíduo frequentador de banheiros, devido à minha bexiga intermitente, pude me divertir um pouco com o “porteiro” do banheiro. Era um senhorzinho negro, baixinho e com um terno de listras. Na primeira rodada mictória, ele ofereceu o sabonete líquido para lavar as mãos e, como não sabia se aquilo era cortesia ou serviço prestado, recusei a “gentileza”.
- Dirty hands, dirty pussy – ele disse.
Nas outras incursões mictórias, tratei de lavar as mãos para não ter que ouvir as picardias do velhinho. Mas só dei gorjeta na primeira. Haja libras! Além disso, algo me intrigou desde a primeira ida ao banheiro: como fedia suor aquele lugar! E após algumas viagens percebi que era o velhinho quem fedia! Mais uma contradição londrina: um centurião de banheiro que te obriga a usar sabonete e fede a urubus!
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Apesar de diferentes línguas e estilos, algumas coisas nunca mudam em Londres. Por exemplo, o hábito de usar ternos de listras e tentar combinar as listras dos ternos com as listras das camisas. Outra: camisas rosa-bebê com gravatas azuis ou gravatas azuis com camisas rosa-bebê.
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E as esquisitices não param por aí. Andando pelo Hyde Park, descobri que existem lixeiras de ferro apropriadas para colocar os cocôs dos cachorros. Chamam-se “Dog Wastes”. São lindas, pintadas de verde escuro e com símbolos do império. Só de imaginar que não existem lixeiras no metrô e que as pessoas deixam o lixo nos bancos dos vagões!!! Tudo bem que o IRA não colocaria bombas no Hyde Park, porque, de fato, não mataria ninguém.
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Por fora bela viola, por dentro pão bolorento... Bem, se para você, leitor, isso não faz de Londres uma cidade esquisita, veja isto: ontem estava com vontade de comer comida italiana. Tentei reservas no Fifteen, o restaurante do Jamie Oliver. Nada. Acabei indo num restaurante perto do hotel, desses que a gente encontra como os médicos no livrinho do convênio. Chamava-se Bartorelli. O restaurante era velho, feio e de mau gosto, comandado por uma família estranha. O garçom que era filho dos donos falava com um sotaque “italianado”, que mais parecia um brasileiro. Achei estranho quando ele falou “Gracia”, ao invés de “Grazzie” ou “Gracias”. Pensei que pudesse ser um dialeto ou até catalão. Que nada.
Depois veio o dono, velhinho, com um sotaque "italianado" que tropeçava em palavras em português. Além disso, ele tocava nos meus talheres enquanto conversava sobre o caso “Maddy”, a menininha desaparecida em Portugal.
A comida estava horrível. Um macarrão com ares de requentado, parecido com o do “Pasta e Vino” em São Paulo, que me serviu uma lasanha congelada outro dia. No final do jantar, eu e meus amigos desmascaramos a família trapo. Começamos a falar bem alto que aquela comida era horrível, que não valia aqueles “pounds” todos e logo o velhinho chegou e perguntou de onde éramos. O garçom-filho se achegou e, olhando com cara de criminoso, como se desvendasse um segredo, disse:
- É...eu sou português
- E o senhor é de onde? Perguntei em português ao velhinho.
- Eu sou italiano, mas minha esposa é portuguesa.
Tudo mentira. Porque ele não tinha nenhum sotaque italiano quando parava de forçar o sotaque. E sua mulher não tinha cara de portuguesa, mas sim de prostituta argentina, vestida com roupa de dançar tango e uma flor rosa de plástico no cabelo.
Saímos infelizes e famintos, terminando a noite na pizzaria ao lado. Bartorelli, never more.
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Alguém já havia falado de uma Londres também estranha, enquanto procurava discos voadores no céu. Mas acho que esse cara tava meio grogue quando disse isso, tocando violão em Candem Town!
Acho que a estranheza de Londres é bem outra. É uma estranheza de contrastes do velho com o novo, do punk com o hindu, dos carros com direção à esquerda e dos ônibus de dois andares. É a estranheza da profusão de línguas, dos homens de saia e dos guardas que ficam imóveis montados nos cavalos.
Aliás, outro dia fui ver os tais guardinhas. O aspecto inicial é bonito, mas passados alguns minutos percebi que os guardinhas tem que ficar imóveis mesmo, montados em cavalos que ficam – como todos os cavalos – cagando o tempo todo. Ou seja: além do calor e do tédio, é preciso suportar o cheiro de bosta! Realmente é muito amor à pátria! Fiquei pensando que, num país onde existe até lixeira para cocô de cachorro, por que não desenvolver um “porta-esterco” na guarita do Playmobil? Vou dar essa sugestão à Lilibeth (AH! Desculpem... Rainha Elizabeth!)
Adentrei os portões do tal palácio. Dei de cara com outro playmobil. Esse era magrelo, esguio e pálido. Estava sozinho, num corredor que ligava o nada a lugar algum. E quando cheguei mais perto, percebi que ele dormia, com o corpo tentando se equilibrar em si mesmo, enquanto carregava um fuzil. Que perigo! Imagina se ele derruba e o fuzil dispara?
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