O HOMEM DOS SONHOS

Ele era parecido com o cara da música: “Moreno, alto, bonito, sensual… inteligente e à disposição prum relacionamento íntimo e discreto…”. Ele era tudo isso e muito mais: era rico. “Como um sujeito desse está disponível no mercado?” – Bianca se perguntava – “E como um sujeito desses, disponível no mercado, me convida pra jantar e eu ainda titubeio? “ – e essa pergunta veio seguida de assertiva resposta.
E de um maravilhoso jantar veio um beijo, e do beijo veio o sexo, o namoro… A única coisa que ela achava esquisita era o fato dele nunca querer dormir com ela. Dois adultos, independentes, nunca terminavam a noite juntos. Mesmo que ela estivesse na casa dele, ele fazia questão de levá-la em casa.
Seria ele tão hipocritamente quadrado? Sim, hipócrita, porque beijou, comeu, se lambuzou e não dorme na mesma cama? Será que ele é casado? Sim, pode dizer à esposa que está trabalhando, que se atrasou no trabalho e, no final, sempre volta pra casa.
Começou uma jornada de investigação da vida do moço. Seguiu-o por vários dias e…. nada. Nem sinal de uma vida paralela. E como estava muito bom todo o resto, decidiu aceitar. Tinha medo de causar uma discussão e perder o partidão.
Numa daquelas noites frias, geladas, chuvosas, que propõem aconchego mútuo, o bonitão adormeceu, portando a donzela em seus braços. Passadas algumas horas ela acordou, sobressaltada, estranhando a sua presença: havia esquecido de que ele havia esquecido. Voltou a dormir feliz, porque ele estava lá, ao seu lado. Passado algum tempo, era ele que se sobressaltava, mas sem estar acordado: pulou da cama de uma só vez, atirando-a bruscamente para o outro lado da cama.
-Ladrão! Pega ladrão! Socorro! Polícia! – Gritava alucinadamente.
-AHHHHHHHHHHHHHHH! – Gritava Bianca, dando sua contribuição ao coral de horror da madrugada.
E com o grito, ela, que apavorada, pensava que sua casa estava sendo invadida por assaltantes, tirou Felipe do transe, ou fosse lá o que fosse aquela parafernalha. Acordou esbaforido, ofegante, como se tivesse mesmo perseguindo bandidos pela casa.
Explicou a ela que tudo não passava de sonambulismo, um mal que acometia toda a sua família. Esclareceu que era por isso que não se sentia à vontade para dormir com ela, para não passar por esse vexame.
Apesar do susto, Bianca suspirou aliviada. Não havia nenhum grande segredo, era apenas sonambulismo. Sentiu-se culpada por desconfiar dele.
Trocaram juras de amor e, uma semana após, estavam morando juntos. Bianca estava muito satisfeita com Felipe. Muito amor, muito carinho, muito beijinho e muitos, mas muitos presentinhos. Tudo naquele relacionamento era bom demais pra ser verdade. Mas Bianca achava que realmente tinha chegado a sua hora.
E foi numa noite dessas, que quase acreditou que a sua hora havia realmente chegado. A hora da sua morte. Dormiam agarradinhos quando, de repente, Bianca acordou sendo sufocada com as enormes mãos de Felipe.
- Eu vou te matar! Assassino! Desgraçado! – Gritava Felipe com o pescoço de Bianca em suas mãos….
Ela quase não tinha forças, mas uniu todo o restinho delas pra dar um soco no peito de Felipe, tirando-o do transe. Culpado, choroso, envergonhado, pedia perdão mil vezes a Bianca pela cena. Não é que ela não tenha sentido medo, mas o amor de Felipe e o jeito como ele ficava penalizado após o ocorrido fazia com que ela o amasse ainda mais.
Os meses foram passando e as porradas se repetiam. Muitos enforcamentos, muitas sufocações com o travesseiro, alguns socos no olho e quedas livres pra fora da cama. Bianca pesquisou, levou Felipe a vários médicos para encontrar cura ou alívio para essa mal. Sem chance. Decidiu apelar para as simpatias e para as bezeduras. Nada mudou.
A família de Felipe morava no interior. E após muita insistência de Bianca, Felipe aceitou levá-la para conhecê-los. Aproveitou a oportunidade do casamento de um primo, assim conheceria todos de uma vez. Gente muito simpática, festiva, receptivos. Todos muito legais, se não fossem todos sonâmbulos. A noite foi uma tortura para Bianca: a madrugada inteira com gente se debatendo e gritando pela casa, parecia até aqueles filmes de terros dos anos oitenta, como “A morte do Demônio” e a “A volta dos mortos-vivos”. Suspirou aliviada ao amanhecer; até porque Felipe levantou-se apenas uma vez e não tentou enforcá-la durante a noite. Ficou mais aliviada ainda ao lembrar que eles moravam bem longe e que essas visitas não seriam frequentes.
Bianca já estava acostumada aos momentos agitados de Felipe. Por questões de segurança, decidiram que dormiriam em quartos separados e que Bianca trancaria a porta do quarto para que ele não a machucasse. Certa noite, nem a porta resistiu. Felipe cismou que o tal ladrão estava dentro do quarto e arrebentou a porta a pontapés. Mas como Bianca já estava prevenida, guardou um balde de água cheio de pedras de gelo para esses momentos de emergência: mal Felipe adrentou o quarto, tratou de lançar o balde com água em sua cabeça, fazendo-o despertar imediatamente.
O tempo passava e Bianca foi ficando cansada dessa vida. Mas não queria deixar Felipe, porque os dias com ele eram ótimos. As noites que eram tristes. Mesmo sem apanhar, quase não dormia, porque ficava à espera das crises de Felipe. Numa noite em que ele já estava dormindo há bastante tempo, tomou coragem e voltou para a cama com ele. Mas quando colocou o joelho na cama, Felipe deu um salto e deu outro soco no olho dela. Gritando descontroladamente, começou a sufocá-la com uma mão, enquanto dizia:
-Desgraçado! Agora peguei você! Vou arrebentar o seu nariz na porrada!
-NÃÃÃÃÃÃÃÃÕOOOOO! Meu nariz nãããooooo!!!! – E Bianca lançou Felipe contra o chão com tanta força, que ele bateu a cabeça e desmaiou. Mas de onde ela tirou toda essa potência? De certo do medo de perder a cirurgia plástica que havia feito recentemente no nariz e que havia custado uma fortuna!
Foi então que decidiu “debandar”. Ambos se amavam, mas não havia amor que sobrevivesse a tanta porrada. Felipe já estava acostumado e soube se conformar com mais um “final infeliz”. E Bianca saiu por aí, procurando por um novo príncipe.