PAI, PAI, POR QUE ME ABANDONASTE?

Cristo fez um montão de coisas: fez a luz, curou leprosos, deu de beber aos bêbados, transformando água em vinho. E tudo o que ele fazia, louvava e atribuía ao seu-nosso Pai, o bofão, todo-poderoso, Deus. Levou chicotadas, foi sarreado pelos romanos e sabe-se lá o que mais que a borracha dos homens ousou apagar...
Mas no auge do seu sofrimento, pregado na cruz, coroa de espinhos, flecha no peito, ele ousou cometer aquele que foi considerado o seu único pecado (assim disse a freira na minha aula de religião na quarta-série): “Pai, Pai, por que me abandonaste”.
Dizem que depois eles acertaram as contas no céu. Que o todo-poderoso explicou a Jesus que ele sabia desde o princípio, e que o princípio era o verbo e blá,blá, blá.... E Cristo perdoou mais uma vez, como quando somos obrigados a engolir as asneiras de um chefe.
Mas o “mote” do nosso papo é esse abandono. Por que é que os pais (e digo os fathers, não os parents...) abandonam seus filhos? E não bastasse o abandono, por que a violência, o desprezo, o castigo, a dor?
Quis escrever sobre isso porque assisti um filme chamado “Um segredo entre nós” (Fireflies in the garden), inspirado na biografia do escritor Robert Lee Frost, onde um pai violento, cruel, “danificador”, ferra com a vida da mulher e filhos, mata a mulher num acidente de carro e “tudo termina bem no final”... Como pode terminar bem no final? Como é possível perdoar alguém que destruiu sua vida, sua mente, sua esperança?
Vasculhando os porões da sabedoria cibernética (aka Google), descobri essa frase de um jurista brasileiro, Luiz Eduardo Fachin: “A paternidade não é apenas um dado; a paternidade se faz”. E comecei a raciocinar sobre ela. E concordo com ela. Ontem assisti um outro filme, chamado “The Groomsmen”( com o título idiota em português “Noivo em fuga”) e o irmão do noivo revela, no meio da confusão dos preparativos para o casamento, que é estéril. Seu irmão, o noivo, diz a ele que “fazer um filho é fácil, difícil é ser um bom pai”. E percebo que há uma ligação entre a frase do filme e a do jurista. De fato, paternidade, num sentido mais amplo, não é apenas dar o seu espermatozóide a um óvulo, não é apenas produzir seres em série com a sua cara, não é dar um nome, um sobrenome. Tudo isso, embora tenha uma certa importância, é o começo de tudo. A coisa mais importante é o que se constrói a partir daí. Um mar de possibilidades.
E considerando que seja essa a verdadeira paternidade, esse prisma, esse espectro, nada tenho a fazer senão lamentar a orfandade dos filhos do mundo. Existem mais órfãos do que de fatos vemos, pensamos, cremos. Mas deixemos confortáveis os órfãos que não se vêem como tal. Deixemos crer que são filhos, que têm pais, que são paternizados. Contemos mentiras a eles em prol de um mundo mais mentiroso.
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