HOJE EU LEMBREI DE VOCÊ...

O dia está acabando... Saio pela noite quente, andando pela rua, algumas quadras até o supermercado...Meu telefone toca, atendo e falo enquanto caminho com a mesma tranquilidade que teria no sofá da minha casa. Penso como é bom poder andar sem medo pelas ruas, mesmo de noite, pois habito um microcosmo, uma Sheinkin Street, como em “The Bubble”, no coração de São Paulo. A vida de verdade não é assim.
Despenquei do auge da minha tranquilidade, para desabar na sombra do medo que a violência provoca: a ultrajante violência vivida por mim, há reles 4 dias. Não, não vou me alongar relatando o ocorrido, mas posso dizer que fui alvo de uma carga imensa e intensa de violência, como se tivessem despejado sobre a minha cabeça um caminhão de ódio e esgotos.
Ainda bem que estava voltando já do supermercado quando esses fantasmas mentais resolveram me perseguir. Se tivessem chegado antes, teria ficado em casa. O medo da violência paralisa. Chego em casa, abro a porta dos fundos, ouço um “clic” qualquer, mas naquele momento penso que poderia ser o assassino com o revólver engatilhado. “Estou enlouquecendo?” A violência enlouquece.
Seguro em casa, de volta à bolha, posso pensar, elocubrar sobre a origem do medo. Hoje em dia, ao sentir minha vida ameaçada, seja por doença, acidente ou por mãos humanas, sinto medo de perder a vida, sinto medo de morrer. Naqueles segundos, minutos e horas que se passaram e agora, que se reavivam os “fantasmas pós-traumáticos”, eu tenho o domínio da consciência plena: eu tenho medo da morte.
Mas não quero falar dos “porquês” dos meus medos, além do entendimento fundamental de que “quase” todo ser humano deseja continuar vivo.
Quero falar do medo. Não exatamente o medo da morte concreta, mas o medo da “aniquilação” que a violência suscita. Desde a minha tenra idade, vivi num meio violento. Aliás, vários meios. Isso porque fui saindo de uns, caindo em outros, sempre fugindo, correndo, para que continuasse vivo; não apenas vivo carnalmente; queria manter alguma integridade psíquica. Mesmo tendo nascido dela, e no meio dela, e convivendo com ela, sempre quis que não existisse. Sempre perguntei qual seria a razão de tanta violência, dor e sofrimento, nunca acreditei que a vida se resumisse a tapas e xingos.
De que planeta eu vim? Não me tornei violento, não me agrada nenhum tipo de violência e tenho medo dela. Isso é porque a violência de outrora me transformou num “neurótico de guerra” e minha tolerância ao fenômeno é muito próxima de zero. Um revólver, uma briga, um tiro, uma arma empunhada, um grito, um tapa. Todos têm o mesmo efeito: congelamento automático.
O bom disso tudo é poder transformar a orfandade em acalanto. Como quando meu avô chegava e fazia carinho, e dizia, em voz baixa, palavras que não se referiam ao mundo cruel, mas se traduziam, pelo manto de veludo nas quais vinham embrulhadas, numa mensagem de paz e tranquilidade. E tenho tido oportunidades de redenção do medo: pais, visíveis ou não que se aproximam, abraçam, explicam, acalmam, transformando o medo em coisa do passado. Vou sentir sempre esse medo. Mas fico mais seguro em saber que, cada vez que ele aparecer, terei sempre um pai a dirimi-lo.
Já que hoje foi Dia dos Pais, aproveito para celebrar com todos os pais que sabem ser pais, transmitindo amor, carinho, e confiança a seus filhos. E principalmente, não causando medo.
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