A LANÇADORA DE LIQUIDIFICADORES

Comecei a escrever muito cedo, por volta dos meus dez anos. Lembro de minha primeira poesia, escrita na quarta série, que falava sobre as eleições diretas. Começava assim: “Diretas já! Chega de blá-blá-blá”. Não me lembro do resto e tampouco a mantive guardada. É uma pena. Passado algum tempo, comecei a escrever poesias abstratas, assimétricas, todas simbolizando as angústias, as aflições, o descontentamento. Até hoje, quando releio, me entristeço profundamente, não apenas por lembrar dos momentos difíceis, mas porque a densidade delas contamina.
Por algum tempo na minha adolescência, escrevi pequenos contos. Escrevia para minha prima, para minhas amigas, histórias de amor que falavam dos seus “paquerinhas”, sempre com final feliz. Era uma coqueluche. Realizava os sonhos de minhas amigas através das minhas histórias. Mas houve uma vez que a história não terminou tão bem assim. Uma de minhas amigas pediu que escrevesse uma história para ela. Não sei dizer se foi uma “espécie” de premonição sobre os dias de infelicidade que estavam por vir ou se estava tomado da necessidade de extravasar a minha própria dor. O fato é que escrevi uma história na qual ela, tendo obtido esplendoroso sucesso em sua carreira de modelo, terminava sozinha em Paris, após a morte do seu amado, recebendo o telefonema de seu filho mais velho, felicitando-a pelo aniversário.
Eu estava lendo a história na mesa do lanche de sua casa, acompanhada de várias pessoas, inclusive ela. Á medida que foram ouvindo a história, todos ficaram muito angustiados e minha amiga, no auge da sua aflição, aos prantos, atirou o copo do liquidificador na minha cabeça, banhando-me de Toddy. Não bastasse, ela se atirou para cima de mim, tentando me enforcar, sendo segurada por todos a sua volta. Tive que fugir para o banheiro e ficar trancado até que ela se acalmasse. Ela rasgou a história em mil pedaços e depois demos muitas risadas sobre a reação dela.
Lembrei-me dessa história hoje porque estava lendo um livro que me fez chorar. Então parei para pensar em como simples palavras, combinadas de uma forma especial, num momento propício, têm o poder de desencadear emoções, sentimentos, reflexões. As palavras têm poder. A escrita tem poder.
E qual é o tabu da palavra? Acho que é o tabu do medo. Os orientais dizem que devemos tomar cuidado com o que dizemos porque quando as palavras saem da boca, elas adquirem poderes mágicos, ectoplasma, forma, cor, ou sei lá o quê, fazendo com que os espíritos as capturem para realiza-las. Como não podemos saber se os espíritos são anjos ou demônios, não fazemos idéia do que pode acontecer. Será que não sabemos mesmo ou simplesmente não estamos preparados para essa transformação?
Só sei que minha amiga me deu um presente. Aprendi, desde muito cedo, a não falar tudo o que penso. E durante a vida, venho aprendendo e desaprendendo essa máxima.
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