Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Friday, September 24, 2010

CONTO DE FADAS


Isabella sempre sonhara com o príncipe encantado. Não com aquele tipo de príncipe que demora uma eternidade para chegar. Isabella já dormia com ele. Há vários anos. O fato é que ele morava muito longe do seu castelo e, para estar com ele, para sempre, como sempre sonhara, teria que tomar uma difícil decisão: ir morar no reino dele.

E chegou o dia do casamento. Festa no Palácio. Corte imperial. Lindos vestidos e jóias de valores inestimáveis. Gente de todos os cantos de ambos os reinos vieram desejar felicidades aos nubentes. Acabada a festa, nasce o dia-de-partir-corações: era chegada a hora da partida. A carruagem já esperava, com todos os seus baús, seus presentes. Chorou de alegria e de tristeza pelo caminho. Disfarçava colocando as mãos na frente do rosto e recolhia as lágrimas com a ponta dos dedos; e vez ou outra lançava para fora da caleche as gotas d´alma.

Raras como quando chegam juntos Sol e Chuva a formar arcos-íris, essas lágrimas de alegria-tristeza eram preciosidades mágicas que se transformavam em diamantes ao tocar o chão da estrada.

E Isabella chegou triste e alegre. Sorria e chorava ao mesmo tempo, em turnos e às vezes o tempo todo. Disfarçava quando chegava o príncipe, que estava cheio de alegria por ter com ela se casado, levando-a para sua morada. Mas como as plantas sem água, Isabella ficara seca. Não chorava mais, mas perdera a capacidade de sorrir. Em seu rosto restava apenas um semblante opaco, como das defuntas que morriam de dor de parto.

Árida, esturricada, tórrida. Isabella começou a cansar-se de si mesmo. Chegou a pensar em fugir. Aviltou a possibilidade de tomar veneno. Já não via mais o príncipe como príncipe. Sentia-se fraca. E como se não bastasse, tropeçara nas dobras da gigante cortina e deixara quebrar as lentes do pincenê. Agora que não sabia mais o que fazer. Triste, apática e cega.
Mas a cegueira lhe trouxera um atordoalhamento esquisito. Uma inquietação, uma comichão que fizera com que ela decidisse mudar as coisas.

E foi então que resolvera proporcionar uma noite de amor ao príncipe. Chamara as camareiras, pedira que enfeitassem a câmara nupcial de sedas trazidas das Índias. Aspergiu aromas pelo ambiente e acendeu velas chinesas com cheiro de chá e maçãs. Colocara a túnica mais sensual e vestiu o colar de ouro e olhos-de-tigre que ganhara do esposo. Só havia um problema. Não enxergava a um palmo do seu nariz. Como guiaria o príncipe nesse deleite romântico? E uma das camareiras sugerira que colocasse umas lupas para que pudesse ver. A princípio, estranhara a idéia, mas, pela necessidade de enxergar o que se passava, aceitara a sugestão.

Quando colocara a lupa, ficou maravilhada com o ambiente. Tudo, tudo do jeito que imaginara. Ficara emocionada. Mas de repente, começara a perceber que as camareiras se entreolhavam e escondiam risos. Não ousavam responder o que se passava. Foi quando se aproximara do espelho e se deparara com a cena mais chocante de sua vida. Aquela lupa horrorosa destruía toda a beleza em si mesma e a seu redor. Mandara cortar a cabeça da camareira que dera a idéia e a cabeça de suas que se riram dela.

Mas ficara desesperada. Saiu chorando, pelos jardins do palácio e pela estrada. Andava sem rumo, querendo desaparecer, desvencilhar-se de tanta infelicidade. Ao longo do caminho, percebera que não sabia mais onde estava. Desesperada, gritara por socorro, mas ninguém respondia. A estrada estava vazia.

Sentara numa pedra, o vento esvoaçante chacoalhava seus cabelos e molha a lupa, embaçando-a. Nisso aparece um elfo. Bonito, com sua tez pálida e orelhas pontiagudas.

- Por que continua aqui sentada? Vai perder sua grande noite...
- Quem é você? Como sabe de tudo isso?
- Sou alguém ou algo que você tem desprezado. Sou a sua intuição. O que você fez comigo? Porque me enclausurou na prisão do esquecimento?

E o Elfo desaparecera, deixando Isabella sozinha novamente. Mas, ao olhar ao seu redor, percebera pequenos pontos de luz ao longo do caminho. E nisso veio a voz do Elfo. Esses são pontos de luz que emanam de você mesma. São diamantes formados pelas suas lágrimas de alegria-tristeza. São a maior riqueza da alma de uma princesa. Os pontos de luz emanados por eles iluminam todo o caminho da sua vida da origem ao destino, para que você se lembre sempre de onde veio e para onde vai. Recolha todos os que achar pelo caminho e carregue-os com você. Essa é sua maior riqueza: seu caminho e sua sabedoria.

Isabella sentira-se plena de alegria. Limpara a lupa e saíra recolhendo todos os diamantes que encontrara pelo caminho. Chegara ao palácio e estava exausta. Deitara-se na cama e adormeceu. Nem acordara com a chegada do príncipe. Ele levara um susto ao ver a câmara nupcial daquele jeito. Chorara de emoção e ficara ali, sentado, observando o sono de sua amada esposa. E quando ela acordara, vira tudo embaçado, mas soubera reconhecer o cheiro e o toque de seu amado. E então percebera que não precisava enxergar naquele momento. Bastava sentir e se entregar ao amor.

E eles não viveram felizes para sempre, mas tiveram, para sempre, incontáveis momentos de felicidade.

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