NEGOCIAÇÕES DA VIDA

Tenho andado exigente ultimamente. O tempo foi passando e aquele garotinho simpático que aceitava encher as bexigas do aniversário dos primos - enquanto esses mesmos primos andavam de bicicleta - deixou de existir. Sim, ele morreu. Mas não foi uma morte súbita, um rapto, uma abdução. Foi muito mais um secar, um desidratar contínuo que culmina com a morte.
Uma vez ouvi um senhor dizer como fazia para matar uma árvore: fazia um furo com furadeira no seu tronco e todos os dias jogava um copo com veneno, que se misturava à seiva; e a árvore ia secando. Acho que foi assim que deixei morrer o menino da inocência.
O fato é que, com a inocência, perdeu-se muito da paciência, e o buraco que elas deixaram foi preenchido, ao menos em parte com uma certa dose de intolerância. Andei impaciente nos últimos tempos: suportando menos os defeitos alheios, acalentando menos os egos frágeis dos meus convíveres.
O pior de tudo é que isso não adiantou nada. Claro que não gostaria de voltar a ser escravo da vontade alheia. A liberdade realmente não tem preço, mas tem limites. E cada limite esbarra, quase que necessariamente, na cerquinha do outro e, quando batemos, surge a necessidade de negociação.
Daí é que vem a bizarrice. Temos que negociar o tempo todo pelas coisas mais absurdas. Costumo frequentar um bar muito simpático na região dos Jardins, o Bar da Dida. Começou modesto, uma portinha minúscula. Com o tempo foi ganhando espaço nas calçadas e atraindo cada vez mais frequentadores. O fato é que toda vez que vou ao bar com meus amigos, somos levados a negociar a porção de salgados, porque o garçom se recusa a servir uma bandeja composta somente de croquetes e oferece a porção sortida. Ele diz: “Olha, eu acho que eu posso trazer cinco croquetes, duas esfihas, uma empada de frango e uma empada de cogumelos”. Uma vez respondi: “Mas só quero croquetes. Não gosto de empadas”. Ele respondeu: “Não acredito! A empada é nosso melhor salgado!”. E não pára por aí: eles têm um cardápio que oferece dez tipo diferentes de tostex. Mas é óbvio que nunca têm todos e, pior, nunca tem aquele que eu quero comer.
Outro dia fiquei sabendo de uma história. Quem me contou foi Roberto, o cara que corta o meu cabelo, que, no afã de puxar assunto, sempre contribui com “Amazing Stories”. Ele me disse que durante um certo tempo teve um romance com um cara casado. Ocorre que o tal cara não aceitava, no começo, que fosse penetrado (por um “real dick”) e pediu que Roberto colocasse algum objeto ao invés do pênis. Roberto explicou a ele que não sabia o que enfiaria porque não tinha nada em sua casa que pudesse usar para isso. E o cara respondeu indignado: Ué, mas você não é gay? Não tem um pinto de borracha?”. Roberto bufou e explicou nerovosamente que não era por ser gay que ter pintos de borracha em casa seria regra. “E como fazemos então?”, perguntou o cara. Foi então que Roberto usou a cabeça e lembrou do aviãozinho em cima da sua cômoda. Fazia tempo que estava para jogar fora, achava meio inútil aquele objeto. Mas agora descobrira sua verdadeira utilidade. Destacou as asas, vestiu a nave com camisinha e mandou ver. E fez sucesso. Tanto fez que algumas semanas após, trocou a nave pelo pênis. É…certas negociações demandam muita criatividade….
Tenho uma amiga que foi traída pelo marido. Desde que se casaram, dividiam as despesas, cresciam juntos. Ficou sabendo que ele sustentava a amante com altíssimo luxo. Como uma mulher independente, mandou o traste embora e continuou levando a vida. Sofreu sim, mas chorou quietinha, sem perder a compostura. Amargou uma fossa compriiiiida, mas sem descer do salto. Passados alguns meses, o traste reaparece. Foi abandonado pela amante e percebeu (ora!) o quanto a amava. Foi então que ela foi à desforra. Disse a ele que o aceitaria de volta, mas com uma condição. Já que ele tinha sido desleal ao sustentar a amante, se ele quizesse voltar para casa teria que pagar uma “multa”! E não pára por aí! Teria que pagar também cada vez que eles fossem transar. Pasmem: ele aceitou e, no final, a punição virou fetiche. Brincam de sequestro, assalto, strip-pôker…
Não basta termos que negociar com os outros, muitas vezes temos que negociar com nós mesmos. Nossas indecisões, nossas decisões erradas, deslizes que temos que corrigir ou, como falei no começo, nossas atitudes intolerantes que precisam ser repensadas…. A moça virgem que não se sente preparada para transar, mas negocia algumas ousadias com o namorado; a moça evangélica que deseja se apresentar virgem perante Deus no dia do seu casamento, mas não inclui o sexo anal no “kit virgindade”; o homem casado que tem um caso com um outro homem, mas não acha que seja homossexual e bissexual tampouco!
Tenho uma amiga que se casou virgem. Não foi exatamente por opção. Foi por pavor mesmo. Tinha pavor de ser penetrada. O único namorado que tentou, uns anos antes, quase morreu de tanto apanhar. Seu marido conseguiu, porque era muito paciente. Não transaram antes do casamento, com a desculpa que queria casar virgem. E a noite de núpcias foi igual: dizia que não estava preparada. E ele esperou. Chegaram em casa, mais uma tentativa: nada. Daí resolveu procurar ajuda médica. O médico disse que tinha vaginismo, um condição muito comum, segundo ele. Não precisou tomar remédios. Ele explicou a ela que deveria começar sozinha, se masturbando, e depois começar a introduzir objetos na vagina numa escala crescente de tamanho. E ainda sugeriu uma cenoura. Começou com baby-carrots e foi evoluindo, evoluindo…e não fazem a idéia do cenourão que…e ficou tão satisfeita que até esqueceu do marido…. Enfim: ela teve que fazer uma conciliação consigo mesma, com sua vagina e, depois com o seu marido.
Acho que o grande tabu é a dificuldade em assumirmos o quanto fazemos conciliações, porque isso fere, ao menos em tese, os nossos princípios. Acho que deveríamos ser mais honestos e assumirmos o quanto conciliamos, o quanto ponderamos e, enfim, o quanto jogamos. A vida é realmente um jogo e, como todo jogo, envolve, blefes, estratégias, ganhos e perdas.