MULHERES PERDIDAS NO JARDIM DE LESBOS
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“Mais alva do que o leite
Mais suave que a água
Mais harmoniosa que a lira
Mais garbosa que o cavalo
Mais delicada que as rosas
Mais macia que o próprio manto
Mais preciosa que o ouro”
(Sappho, poeta grega)
Sappho era a poeta grega que habitava a ilha de Lesbos. Ela cultuava abertamente, em suas poesias, a beleza e o desejo por – como diria Renato Russo – meninos e meninas. É daí que surge, como apanágio da homossexualidade feminina, o termo “lésbica”, como referência à tal ilha. Há quem diga que os termos “sapa”, “sapatão”, não deriva da masculinização da mulher homossexual, por usar botas ou sapatos de homem, mas, na verdade, como uma aproximação do nome da poeta.
Sinonímias à parte, tenho pensando muito em Lesbos e Sappho, porque tenho visto muitas mulheres, como chamei no titulo dessa discussão, “perdidas no jardim de Lesbos”. Histórica e cientificamente, parece que as mulheres carecem menos de definições sobre ser ou não ser homossexual quando comparadas ao sujeito homem; isso porque, dizem os números, elas transitam com muito mais facilidade e liberdade entre os “dois mundos”. Entretanto, não são essas – as que transitam entre “coves and masts” – o foco dessa discussão.
Acredito que existem muitas mulheres perdidas numa etapa muito anterior ao movimento pendular da orientação feminina. Perdidas estão nesse jardim, uma espécie de labirinto mítico que impõe uma impossibilidade de visualização, antes mesmo da indecisão. Verdes colunas e mosaicos de plantas se impõem pelo caminho, impedindo que a mulher perceba aonde está, o que quer, o que realmente deseja, enroscando-se em padrões de comportamento socialmente aceitos e apropriados, como arbustos e espinhos de uma densa plantação ornamental.
Dessa forma, o jardim é uma “ante-sala” da ilha de Lesbos, como os aeroportos das cidades que visitamos. Chegamos em Paris, estamos em Paris, mas, enquanto não passamos pela imigração no aeroporto Charles de Gaulle, estamos num “limbo” Brasil-França. O jardim de Lesbos é a imigração da homossexualidade feminina. A diferença é que o turista acredita estar na França quando ainda não passou pela imigração e já se porta como “turista” e a mulher no labirinto não percebe ter chegado à ilha de Lesbos, presa aos homens e à heterossexualidade como arbustos e espinhos do denso jardim.
É claro que existem muitos homens presos em algum jardim, de alguma ilha, cujo nome desconheço. Mas acho que o homem e a homossexualidade masculina já são muito mais faladas, pesquisadas, comentadas e especuladas. Isso porque, na minha opinião, a necessidade do homem mostrar que “dá no couro”, que transa, que namora, entre outras demonstrações da masculinidade, é muito mais supervisionada socialmente, enquanto que o homoerotismo feminino, não apenas passa desapercebido, como muitas vezes é incentivado e reverenciado pelos homens.
Qual é o principal sonho erótico de um homem? Ver sua mulher transar com outra ou transar com duas mulheres ao mesmo tempo... O homoerotismo feminino é aceito e incentivado, desde que esteja a serviço da satisfação sexual heterossexual masculina. Quando uma mulher assume publicamente sua homossexualidade, não raras vezes é vista como alguém que passou por um grande decepção amorosa ou que “não foi bem comida”, como dizem muitos homens. Agora, quando um homem assume sua homossexualidade, tal fato é visto como erro na criação, sem-vergonhice ou descaramento.
E por que decidi escrever sobre essas mulheres, perdidas nesse jardim tão obscuro? Simplesmente porque tive um sonho. Via a cena acontecendo, como se meus olhos fossem uma câmera, um “reality show” do jardim de Lesbos. Via uma mulher linda, exuberante, perambulando assustada pelo jardim e que, a cada minuto, se enroscava em arbustos e espinhos que, ao tentar se desvencilhar deles, via rostos masculinos. Soltava-se, dava uns passos e via tenras maças vermelhas em galhos e, ao morde-las, alucinava seios e vaginas, cuspindo e vomitando. Corria, cansada e se deparava com um rio. Nele, via sua imagem refletida e, não exatamente apaixonada, como no mito de Narciso, sentia uma confiança, uma serenidade, permitindo-se beber dessa água. A água a entorpecia, caía, sonolenta no gramado e acordava amparava nos braços de uma musa, que sabia ser a própria Sappho. Beijavam-se e a mulher saía correndo por Lesbos, não como fugitiva, tampouco presa ao jardim, mas numa corrida para a liberdade.
Sou um amante da liberdade e assim o era Sappho. Acho que as pessoas podem e merecem ser livres, e foi pensando nas pessoas que tanto padecem nessas prisões circusntanciais, luto, sonho, almejo que, a cada dia, haja mais gente, homens e mulheres, libertos dos padrões obscuros e mortuários da nossa sociedade.