Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Tuesday, December 30, 2008

O BINÔMIO DO PAVÃO


“Pavão misterioso
/ Pássaro formoso
/ Tudo é mistério
/ Nesse teu voar
/ Ai se eu corresse assim
/ Tantos céus assim
/ Muita história
eu tinha prá contar...” (Pavão Misterioso, Ednardo)



Hoje fui ao zoológico do Bronx, em New York. Tinha vários bichos por lá, mas me chamou a atenção os vários pavões que desfilavam soltos pelo Zoo.Tenho pensado no nosso lado pavão. Todos temos. Pelo menos duas partes em nós é pavão. A primeira é a parte conhecida, que se abre em leque, que mostra cores. Como o macho na natureza selvagem precisa mostrar suas jóias, seu canto incomum, seu rabo mais colorido, seu papo cintilante, tentanto agradar a fêmea. É o apanágio dos pobre humanos tentanto agradar e ser aceito pela “nossa” fêmea, a sociedade.

Ontem estava em um restaurante ao qual vou sempre. Já conheço o garçom, ele me cumprimenta festivamente quando chego e já sabe o que gosto de comer e beber. Às vezes nem dá tempo de mudar de idéia, porque ele já chega com o tradicional café e as French toasts. Fazia uns meses que não aparecia por lá e notei-o diferente. Brinco na orelha, biceps malhados, roupas mais justas, um jeito mais maroto. Fiquei notando como ele havia mudado seu jeito de andar e de falar com as pessoas, discretamente mais “flamboyant”. Com certeza está naquele processo de “saída do armário” e esse é lado bom da “coisa”. O lado ruim é que essa saída vem acompanhada de uma entrada num “baú” de estereótipos, de comportamentos que são como um “passcode” para um novo mundo: anabolizantes, fashionismo, sexo sem proteção…

Dá para compreender essa “entrada” logo após uma “saída”. Nós, seres humanos, somos sós e incompletos por excelecência, sempre à busca de uma coisa que nos complete, nos inteire, nos faça “um”, grudandos a pedaços de coisas ou pessoas. É como a moça que não consegue sair de casa para morar sozinha: tem que se casar para deixar a família, ao menos no primeiro passo.

Ou seja, o garçom recém-saído do armário, abandona um mundo outrora conhecido, uma zona de conforto (mesmo que seja desconfortável). A primeira visao é do abismo, da solidão, da incompletude. É necessário o tal do “passcode” para sentir-se fazendo parte desse novo mundo, dessa nova realidade, mesmo que o preço a pagar seja muito,muito alto.
E esse é o pavão que todos temos. Lindas cores, um porta-estandarte de realeza, brilho, purpurina, músculos, roupas, jóias, relógios, sapatos e bolsa, cultura, erudição, grandes pênis, tintura nos cabelos, perfumes. O mostrar-se não é sem razão. É o código de acesso ao mundo que desejamos habitar.

Mas como diz a música do Pavão Misterioso, o pavão tem esse lado pena, esse leque de cores que mostra, que ostenta. Mas tem um outro lado “pavão” que também habita em nós. É a cauda em leque que se abre enorme para esconder nossos “tesouros”: medos, vergonhas, inseguranças, temores, traumas. Não são tesouros porque são bonitos, mas o são por serem valiosos em sua fragilidade. É como o dinheiro em papel ou ações ao portador da nossa alma: seguros no cofre, mas derretem com a chuva, esvaem-se ao vento, corroem-se com o oxigênio… Relíquias que denunciam a nossa frágil existência, escondidas por trás de um leque de cores, vaidades, coisas.

Por que sera que meu amigo garçom precisa ficar tão musculoso? É o binômio do pavão. De um lado está orgulhoso, sente-se e mostra-se poderoso e essa é a chave para entrar nesse novo mundo, como o jovem índio que é jogado na selva para a primeira caçada. Sente orgulho, sente-se forte. Justamente precisa sentir-se assim porque, do outro lado, ou embaixo do rabo do pavão está a “outra” verdade. Sente medo, sente-se só e fraco. Frágil.

Será que somos todos assim, esse tipo de pavão-bifurcado? Sim, creio que sim. Só não podemos admitir na maioria das vezes.

Wednesday, December 24, 2008

BARBIE & KEN

A CÓPULA DAS MINHOCAS


“I'm a Barbie girl, in a Barbie world
Life in plastic, it's fantastic!
You can brush my hair, undress me everywhere
Imagination, life is your creation”
(Barbie Girl, performed by Aqua)

Sábado, vinte de dezembro de 2008. Show da Madonna em São Paulo. Eu e alguns amigos estivemos lá, como milhares de pessoas de todo o Brasil. O Show foi fantástico e, além de tudo, tranquilo, sem grandes aglomerações. Saímos do estádio “eletrificados”, cheios de vontade de continuar a balada. Coringa na manga da camisa: um dos amigos tinha VIPs para uma balada.

Balada essa que, de antemão, sabia não ser das minhas prediletas. Música eletrônica desconfortavelmente pesada, aglomeração e gente fora da órbita: um dos “points” dos Ecstasys, dos GHBs e todo os outros tipos de enlouquecedores conhecidos. Ao chegarmos, a coisa não estava tão desesperadora. O desespero foi chegando aos poucos, com gente, gente e mais gente entrando, o calor aumentando, o barulho ensurdecendo e as mega-luzes irritando meu astigmatismo. Sorte estarmos na ala VIP,dançando num camarote vazio, longe do calor e da muvuca.

Enquanto dançava, viajava. É engraçado estar sóbrio no meio de gente maluca. Observava todo o salão, o comportamento das pessoas, uns dançando nos “palquinhos”, os go-go boys e girls esbanjando egocentrismo. Foi então que passei a observar um grupo específico: as barbies (tenho um amigo que as chama de “musculokas”). Bem na primeira parte do salão, grudadas na mesa do DJ, elas vão se aglomerando. Não, não são apenas musculosas sem camisa. Elas representam um movimento cultural e social organizado.Elas têm um Dress Code: músculos, correntes, tattoos, corpo liso, cabeças raspadas, jeans, óculos escuros, garrafinhas d’água no bolso e, é lógico, muito “E”…..

Embora em lugar público, só entra no “bololô” das barbies quem é convidada… o preço é ter peito estufado, bíceps avantajado e tirar a camisa. À medida que elas vão se amontoando e o Ecstasy vai “batendo”, todas vão tirando suas camisas e se tornam mais e mais “afetuosas”… Todas se beijam, se abraçam, se alisam… E a imagem-mosaico de quem está vendo de cima, como eu, do alto do meu camarote, é de gomos brancos se entrelaçando até um ponto em que não há rostos, não há formas humanas… Pensei em várias coisas que comporiam esse mosaico: bolinhas de nhoque, nuvens brancas no céu…não, não e não! A figura mais representativa desse fenômeno em minha mente foram… minhocas!


Sim, minhocas! Branquelas, lisinhas (ainda que depiladas), compostas de gomos e entrelaçando-se como ficam os bichinhos nos buracos da terra… Apertando-se, esfregando-se, amontoando-se para caber mais e mais… Um grande copula de minhocas, embora uma copula estéril, graças ao EEEEEEEEEEEEE! É lógico que pode não ser tão estéril, desde que os laboratórios farmacêuticos inventaram o Viagra® para quem prefere a “atividade” e, para as restantes, sobra o que as minhocas fazem de melhor: a “passividade” dos seus buracos! Ou, como diz o ditado “Quem tem boca vai à rola!”. É claro que é preciso ter espelhos por perto, já que não importa tanto o prazer, mas a performance muscular!

Se Narciso está vivo em algum lugar, ele está se roendo de inveja! Se a mitologia não tivesse falado dele, algum psicanalista contemporâneo ficaria rico cunhando o termo “barbiesismo” e Narciso seria nada perto do império das barbies...

Como gordinho e peludo que sou, posso ouvir dizerem que estou com inveja, porque não fiz parte do “club”. Sim, digam isso,digam. E eu responderei: é lógico que gostaria de uns quilinhos a menos, que algumas roupas servissem com mais facilidade. Mas não quero trocar o meu “recheio” por aparências sem conteúdo. Quero minha mente livre, quero poder comer chocolate, sorvete, macarrão e risoto e quero meu fígado livre da cirrose e do câncer causados pelos anabolizantes...

E me pergunto? Elas são felizes? Será que esse mundo vazio, oco, embasado na aparência leva a algum lugar alem das pistas de dança, das “passarelas” das praias em seus “points”? Não sei responder... Uma das minhocas que estava no “bololô” devia ter uns 60 anos... estava lá,meio musculosa, meio flácida, tatuada, com a camiseta pendurada na calça... a diferença é que ela não era alisada por ninguém... mas sorria, alisando a si mesma.... Deve ser a felicidade possível...

Tuesday, December 09, 2008

OBJETO DE AMOR (Adélia Prado)

"De tal ordem é e tão precioso
o que devo dizer-lhes
que não posso guardá-lo
sem a sensação de um roubo:
cu é lindo!
Fazei o que puderdes com esta dádiva.
Quanto a mim dou graças
pelo que agora sei
e, mais que perdôo, eu amo."