“WE’LL ALWAYS HAVE PARIS”

“J’ai deux amours, mon pays et Paris, par eux toujours, mon coeur est ravi”
(J’ai deux amours, Joséphine Baker)
Estipulei que seria setembro. Lindo mês, outono em Paris, temperatura agradável, baixa temporada, mas um amigo fez o favor de adiantar minha viagem, ao viajar à Europa a trabalho por todo o mês de maio. Teve a “audácia” de dizer que queria conhecer Paris comigo e sugeriu que eu fosse no final do seu curso. Dois dias depois a passagem já estava comprada.
Nesse recheio entre a decisão e a data de partida, Manhattan já me esperava. Encontrar o primeiro e único amor na segunda cidade mais amada. Mas Manhattan perdeu suas luzes perante o céu de Paris que já rodeava minha cabeça. O bom de New York é que podemos estar em Paris lá: Bistrôs, comidas chiques, grifes e perfumes franceses. É possível estar em Paris estando em Manhattan.
Aliás, como disse a rainha Madonna, durante a Confessions Tour, ao cantar “I love New York” em diferentes cidades, “New York é um estado da alma”... Eu acho que Paris é um “estado da alma”. É possível estar, sentir, viver, cheirar, beijar Paris em qualquer lugar que se esteja. E desde que comprei a passagem, Paris invadiu a minha alma. Mudam as roupas, mudam as comidas. Cheguei a reformular a proposta de um jantar mexicano em casa para fazer quiches com salada e vinho tinto...francês!
Fiquei lembrando da Juliette Binoche, do Petit Nicolas, dos filmes que já vi, das pessoas e dos lugares que conheci quando estive em Paris. Um “reapaixonamento”. Vasculho novas coisas a descobrir, programo visitas a lugares novos, me vejo cozinhando na pequenina cozinha do apartamento que aluguei no Marais.... Sou apaixonado, escravo-prisioneiro dessa paixão por Paris.
Gosto de São Paulo. Nasci e me criei aqui mas, definitivamente não é uma cidade bonita. A beleza de São Paulo está no estreito quadrilátero por onde passo os meus dias e algumas outras raras exceções pela cidade. Mas esse meu “coma parisiense” se fundiu a um estranho clima da cidade proporcionado pela lua cheia. Na noite paulistana, algo que eu nunca havia visto ou percebido ocorreu: um céu azul-marinho bem parisiense e uma lua linda, luminosa, clara, enorme, pendurada na parede do céu como uma obra de arte. E era como se os raios desse luar mágico, como no filme “Feitiço da Lua”, aspergisse ondas de amor e luxúria pelos quatro cantos da cidade. Via vários casais – homem com mulher, homem com homem, mulher com mulher – se atracando encostados em postes, bancos de praças, muros de escolas. Ontem fui a um bistrô francês com uns amigos, o La Tartine. Sem dúvida é um dos lugares que mais gosto de ir em São Paulo, pelo tanto que me lembra Paris, principalmente quando o acordeonista toca, de modo chorado, “Sous le ciel de Paris”:
"Sous le ciel de Paris / S'envole une chanson / Elle est née d'aujourd'hui / Dans le coeur d'un garcon / Sous le ciel de Paris
Marchent des amoureux / Leur bonheur se construit / Sur un air fait pour eux”
(“Sob o céu de Paris voa uma canção / Ela nasceu hoje do coração de um joven / Sob o céu de Paris caminham os amantes e sua felicidade se construiu sobre uma atmosfera feira pra eles”
A música não tocou,mas valeu assim mesmo. É bom poder atracar a alma em alguns portos amigos enquanto ela voa a caminho de Paris. Saímos de lá e fomos a um bar que costumava frequentar, o Gourmet. E como diz a letra da música “Severina Noite”, “cada ser tem sonhos à sua maneira”, é lógico que o Gourmet me lembra Paris. Velho, apertadinho, escuro, com vários posters de filmes, música boa. Gente comum, sem patricinhas, mauricinhos, barbies e fashionistas. Gente de verdade.
Fiquei reparando as pessoas. Não as roupas que vestiam, nem os músculos que portavam. Reparava na interação libidinosa que ocorria nessa parisiense noite de lua cheia em São Paulo. Fiquei acompanhando as trocas de olhares, os sorrisos afetuosos, a mordiscadinha de lábios traduzindo desejo. Vi gente percorrendo essa trilha e saindo acompanhada. Vi gente percorrendo essa trilha várias vezes e continuando sozinha. Acho que a lua de Paris não sorri para todos. É preciso que a alma esteja em Paris.
Não vejo mais brasileiros no bar. Era como se estivesse no subsolo de um barzinho simpático no Marais. Não existem mais paulistas, baianos, mineiros, recifenses. Vejo as bichinhas francesas com suas pólos Lacoste, suas calças justas e suas cashemiras vermelhas amarradas no pescoço. Vejo imigrantes árabes com seus traços fortes e atitudes virilizadas. Vejo turistas americanos com cara de soldados passeando pelos bares e ruas de Paris. Falta só uma coisa. Não, não falta nada. Agora é proibido fumar em Paris. Sim, cigarro faz mal pra saúde. Mas aquela névoa que pairava nos ambientes dava um charme unicamente parisiense.
Na minha viagem a Paris em Sampa, perdi a noção da realidade. Não sei se aconteceu ou não, mas ouvi um grupo de pessoas falando francês. Viajei no tempo? Na maionese? Saindo do bar, a lua continuava lá. Sim, ainda estava em Paris. E vi o “francesinho” de cachemira vermelha na porta, fumado um cigarro, de um jeito bem francês. Conversava com o árabe e, de repente, saíram de mãos dadas, subindo a rua da Consolação. Definitivamente eu estava em Paris.
Se de um lado se pode viver de ilusão, é claro que não se pode viver pra sempre. Mas não quero deixar de estar em Paris, ver a cidade suja, o trânsito caótico, as casas antigas demolidas, os parques e jardins abandonados. Não quero ter que ir trabalhar, não quero ir ao banco e nem ao lavarápido. Quero ser feliz em Paris. Preciso alimentar meu francesismo, minha parisfilia, minha francofilia. Que bom que faltam apenas três dias para o estado da alma se juntar com o estado do corpo.