ZHADE

Tenho uma amiga bem maluca. Mas a maior de suas maluquices é o fato de ser tão sovina que chega a beirar a insanidade.
Certa vez ela convidou a mim e outros amigos para jantar em sua casa. Passou a semana inteira falando dos preparativos do tal jantar, que tinha que fazer as compras para o tal jantar, e por aí foi. Chegado o grande dia, fomos à casa dela, prontos para “atacar”. Comi pouco durante o dia, pensando que encontraria um banquete. Decepção pura. O jantar parecia mais uma degustação para clientes de buffets do que um jantar propriamente dito, com a diferença de que os buffets servem muito mais comida e ainda podemos repetir os canapés que gostamos mais.
A comida era tão pouca que, não só dava para contar o número de “pratos” com os dedos de uma única mão, como a quantidade servida cabia nessa dentro dessa mesma mão. Saímos com tanta fome da casa dela que paramos na primeira pizzaria para matar a fome. Não deixamos de ser amigos, mas aprendi que qualquer evento gastronômico em sua casa deveria ter uma refeição antecipada.
Uma vez tentei levar comida para a casa dela. Comprei dez pãezinhos, frios variados, refrigerantes, cerveja. O resultado foi similar ao do jantar que ela havia organizado. Serviu apenas um pãozinho cortado em microscópicas fatias com gotas de azeite e seis rolinhos de queijo com presunto. O resto ficou guardado em sua geladeira....
Não seu nome não era Zhade. Esse é o nome da cachorrinha que ela decidiu comprar para enfrentar a solidão. Viajou quatrocentos quilômetros para encontrar um canil que vendesse mais barato um filhote de Fox Paulistinha e é claro que viajamos no meu carro sem direito a reembolso de combustível... Mas achei que valeria à pena proporcionar essa alegria à minha amiga.
Chegamos em casa com a cachorrinha. Era tão pequenina que cabia na mão. Queria dar um nome enigmático, pomposo e que ao mesmo tempo tivesse relação com suas origens árabes. Quis chama-la de “Sherazhade”, mas expliquei a ela que um nome tão comprido seria difícil para uma cachorrinha responder prontamente. Deciciu manter o nome mesmo assim, mas com o codnome de “Zhade”.
Zhade crescia e com seu crescimento, cresciam as neuras de minha amiga com a cachorra. Ah! Esqueci de contar! Além de sovina, era obsessiva por limpeza e ordem.... Rapidamente comprou um livro de adestramento de animais, para ensinar a pequenina os bons modos da vida num pequeno apartamento no centro da cidade. Passeava com ela três vezes por dia para fazer suas necessidades e minha amiga acostumou Zhade a andar na coleira enquanto ela pedalava sua bicicleta.
Aparentemente tudo ia bem, mas conforme foi passando o tempo, percebi que algo estranho acontecia. Zhade era um tipo ansioso, agitada e inquieta como uma Fox Paulistinha tinha que ser, mas passou a comer todo tipo de bugigangas e cacarecos que encontrava pela rua.
Houve uma vez em que apareceu com um gorro de lã sujo e fedido que catou da cabeça de um mendigo. Apanhou, foi castigada. Nada adiantou. Continuava catando lixo, papéis da rua e latas de refrigerante. Mas a coisa foi piorando. Nos passeios rotineiros, Zhade passou a atacar vorazmente as fezes de outros cachorros pela rua. Chegou a abocanhar em pleno ar o cocô de um cocker amigo de passeios na praça. Nem preciso dizer que nunca mais aceitei seus carinhosos beijinhos caninos.
Mas um dia, o problema atingiu seu auge. Zhade se meteu no mato e saiu com a boca toda suja de comida estragada e abocanhando um osso de frango enorme. Sabe aqueles ossos em forma de diapasão que brigamos quando crianças para partir em busca da sorte? Esse mesmo. Minha amiga deu um grito de desespero e correu atrás de Zhade e a pobre, no susto, engoliu rapidamente o osso.
Minha amiga me ligou desesperada. Não sabia o que fazer, tinha medo que ela morresse. Disse a ela que procurasse imediatamente o veterinário, pois só ele poderia dar um jeito. Ela fez as contas: consulta de emergência, ultrassonografia, radiografia, medicação e talvez até cirurgia!!! Ah, não! Não estava afim de gastar tanto dinheiro por causa de um misero ossinho de frango! Foi quando teve uma idéia (brilhante, em sua opinião).
Como sabia que Zhade não era muito amiga de andar de carro e que habitualmente passava mal quando isso acontecia, pegou Zhade e a levou para passear de carro. Deixou a cachorrinha no chão do carro e ficou dando várias voltas pelo bairro, em alta velocidade, dando freadas bruscas de tempos em tempos. Não deu outra: Zhade começou a vomitar e, no meio do vômito, lá estava o enorme osso de frango, intacto. Ah! Esqueci de contar que, antes do passeio, minha amiga teve o trabalho e forrar todo o chão do carro com saquinhos de supermercado, para não ter que gastar dinheiro com lava-rápido.
Ligou para mim, toda orgulhosa de seu feito. No total, foram duas horas de tortura. Perguntei a ela que garantia ela teria de que o osso não havia machucado Zhade. Ela disse que após o vômito, calçou luvas, vasculhou todo o conteúdo e não achou sangue. Além disso, recolheu o osso, lavou no tanque e procurou vestígios de rompimentos ou partes pontiagudas. Não tinha certeza de que isso seria suficiente, mas o fato é que Zhade sobreviveu.
Tem gente que diz que os cachorros são reencarnações de pessoas que gostamos muito em outras vidas. Se isso é verdade, minha amiga não deve ter percebido ou, se percebeu, com certeza deve ter sido uma sogra sua... e daquelas, para passar por tantas atribulações.
1 Comments:
Desculpa, mas essa sua amiga é um pé!
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