ALMA CARDÍACA

Hoje postei uma paisagem na minha página no Facebook. É uma foto linda, feita por um amigo. Uma floresta. Um bosque. Virou impressão em adesivo que vai ser grudado na janela no meu consultório para tapar o Sol. Tapar, não. Filtrar, diminuir, amenizar. Na enxurrada de postagens sobre a foto, aparece uma amiga querendo “atravessar a janela, correndo pela paisagem”. Pediu para ser curada, cuidada. Curar de quê, cuidar de quê, meu Deus? Sou médico psiquiatra, sou terapeuta, sou macumbeiro. Mas acertei em cheio:
Se bem que meu problema é cardíaco –ela disse.
Alma cardíaca? – perguntei.
Você acertou o X da questão, doutor! Alma cardíaca.
E me vejo aprisionado pela tal Alma Cardíaca. Talvez porque minha alma também anda muito cardíaca ultimamente. Tenho chorado ao ver TV. Chorei hoje no final do episódio de Law&Order SVU, quando o detetive Tutuola encontra o bebê que estava nas mãos dos bandidos; fiquei emocionado ao ver a foto no meu sobrinho na praia, destrinchando areia, curioso. Estou emotivo, instável, “almado”. Isso não me incomoda. Faz tempo que entendi que isso faz parte da minha insistente existência. Tenho uma alma cronicamente cardíaca.
Mas eu fiquei pensando foi nas almas “agudamente” cardíacas. Aquela dor, aquela angústia, a opressão no peito. Aquela sensação de que se vai partir ao meio, em pedaços, em cacos, pela decepção, pelo fim, pela dor. E a dor de amor dói mesmo. E mata. E trinca. Na Medicina tem nome. É a Síndrome do Coração Partido. Síndrome de Takotsubo. Eu explico: ocorre 95% das vezes em mulheres, podendo levar à morte, mas geralmente são alterações no eletrocardiograma e nas enzinas do coração compatíveis com um infarto, após estresse emocional. Pé da bunda, traição, dor de corno, fossa. Tudo pode dar Takotsubo. “Takotsubo akabadu”.
A Alma Cardíaca serve para lembrar que temos alma. E que a vida, o coração, as emoções, passam por ela. A dor, essa dor que é da alma e que ultrapassa os portões da imaterialidade, pode fazer nosso coração parar. Pode deixar marcas, cicatrizes, trincas, fendas, rachaduras. O nosso corpo não está separado dela; a divisão é didática. O corpo é porta-voz da alma. Temos que cuidar dele e dela.
Mas a Alma Cardíaca não se destina somente a sofrer. Doer, descompassar, saltitar, apertar não suas únicas funções. É no core da alma que a paixão se abriga, que a emoção nos arrebata. É no peito, no fundo, no raso, no intermezzo que circulam os fluidos quentes da alma, antes mesmo de chegar ao cérebro. É lá que mora a nossa alma.
Então, pra minha amiga que pede a cura para a sua alma cardíaca, só tenho a dizer, sem nenhum lamento, que isso não tem cura não. Só tem quem pode ter; não tem jeito e não se pode escolher pelo não. É igual gostar de saltos bem altos e cílios bem postiços. Dá trabalho, dá desânimo às vezes. Mas dá charme, dá leveza, dá a possibilidade de estar a uma altura ímpar.