Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Thursday, January 26, 2012

ALMA CARDÍACA

Hoje postei uma paisagem na minha página no Facebook. É uma foto linda, feita por um amigo. Uma floresta. Um bosque. Virou impressão em adesivo que vai ser grudado na janela no meu consultório para tapar o Sol. Tapar, não. Filtrar, diminuir, amenizar. Na enxurrada de postagens sobre a foto, aparece uma amiga querendo “atravessar a janela, correndo pela paisagem”. Pediu para ser curada, cuidada. Curar de quê, cuidar de quê, meu Deus? Sou médico psiquiatra, sou terapeuta, sou macumbeiro. Mas acertei em cheio:

Se bem que meu problema é cardíaco –ela disse.

Alma cardíaca? – perguntei.

Você acertou o X da questão, doutor! Alma cardíaca.

E me vejo aprisionado pela tal Alma Cardíaca. Talvez porque minha alma também anda muito cardíaca ultimamente. Tenho chorado ao ver TV. Chorei hoje no final do episódio de Law&Order SVU, quando o detetive Tutuola encontra o bebê que estava nas mãos dos bandidos; fiquei emocionado ao ver a foto no meu sobrinho na praia, destrinchando areia, curioso. Estou emotivo, instável, “almado”. Isso não me incomoda. Faz tempo que entendi que isso faz parte da minha insistente existência. Tenho uma alma cronicamente cardíaca.

Mas eu fiquei pensando foi nas almas “agudamente” cardíacas. Aquela dor, aquela angústia, a opressão no peito. Aquela sensação de que se vai partir ao meio, em pedaços, em cacos, pela decepção, pelo fim, pela dor. E a dor de amor dói mesmo. E mata. E trinca. Na Medicina tem nome. É a Síndrome do Coração Partido. Síndrome de Takotsubo. Eu explico: ocorre 95% das vezes em mulheres, podendo levar à morte, mas geralmente são alterações no eletrocardiograma e nas enzinas do coração compatíveis com um infarto, após estresse emocional. Pé da bunda, traição, dor de corno, fossa. Tudo pode dar Takotsubo. “Takotsubo akabadu”.

A Alma Cardíaca serve para lembrar que temos alma. E que a vida, o coração, as emoções, passam por ela. A dor, essa dor que é da alma e que ultrapassa os portões da imaterialidade, pode fazer nosso coração parar. Pode deixar marcas, cicatrizes, trincas, fendas, rachaduras. O nosso corpo não está separado dela; a divisão é didática. O corpo é porta-voz da alma. Temos que cuidar dele e dela.

Mas a Alma Cardíaca não se destina somente a sofrer. Doer, descompassar, saltitar, apertar não suas únicas funções. É no core da alma que a paixão se abriga, que a emoção nos arrebata. É no peito, no fundo, no raso, no intermezzo que circulam os fluidos quentes da alma, antes mesmo de chegar ao cérebro. É lá que mora a nossa alma.

Então, pra minha amiga que pede a cura para a sua alma cardíaca, só tenho a dizer, sem nenhum lamento, que isso não tem cura não. Só tem quem pode ter; não tem jeito e não se pode escolher pelo não. É igual gostar de saltos bem altos e cílios bem postiços. Dá trabalho, dá desânimo às vezes. Mas dá charme, dá leveza, dá a possibilidade de estar a uma altura ímpar.

Wednesday, January 25, 2012

CONHECIMENTOS BÁSICOS


Tem coisas que não dá pra fazer. Não dá pra mudar de página ou de programa ou de application correndo o dedo na tela do computador. Não dá pra esperar muito tempo porque o jantar está esfriando. Não dá fazer Tiramisu sem mascarpone. Vira pudim, vira pavê. Não Tiramisu. Não dá pra comprar o mundo com cartões de crédito. Nem ficar conversando no avião enquanto as pessoas dormem. O mundo é uma esfera agitada de coisas que circulam umas em tornos das outras como as pulseiras escravas que se entrelaçam nos pelinhos descoloridos dos braços finos das moças chiques. Chique não é ter dinheiro; chique é ter chiqueza. Mega Sena. Mega Million. Mega-lula. Megalomanias. Nessa mania de querer possuir o que ainda não chegou, ficamos meio vazios e meio cheios de merda. O mundo é assim: sapatos de Alices, Cinderelas e Brancas-de-neve caminhando em neves sujas. Quebra-queixo com garfinho de plástico. E o mundo só vira mundano quando jogamos foras os garfinhos e ficamos descalços. Tem gente que toma gelado a vida inteira e não fica doente. Tem gente que morre por caviar, uns que morrem por uma pedra de crack e outros que não morrem de jeito nenhum, nem com ostras não frescas. Pra que esse luxo todo, se gostoso mesmo é comer frango com a mão e depois chupar o caldo dentro do ossinho? Gente que pergunta. Gente que responde. E gente que não serve pra nada. Também não dá pra saber tudo, embora seja possível entender de bastante coisa. Mas tem algumas coisas que eu não vou entender nunca. Na minha atual lista de preferências, a primeira delas é viver em paz. Saio fazendo as pazes por aí e ando de mãos dadas. E pra quem não deseja as pazes, restam apenas as pás. E que fiquem em paz. Queria tomar a injeção de inteligência do Planeta dos Macacos misturada com a de amnésia de Brilho eterno de uma mente sem lembranças. Será que elas se anulariam ou se equilibrariam? Queria não perder mais coisas, contas, horas e esquecer coisas, pessoas, momentos. Não todos nem todas. Dá pra ser seletivo nisso? Dá pra correr o dedo na dela e escolher a opção “merge” e depois “split”? Tem coisas que não dá pra fazer. Não dá pra apertar Apple+V no PC. Nem dá pra matar a saudade em telas de computador.