CUIDADO COM OS ZUMBIS CUBANOS!
A internet tem revolucionado o modo de vida
das pessoas. O Facebook então...nem se fala. Uma praça viva, pulsante,
colérica. Através dele, pessoas se conhecem, se desconhecem, se reconhecem.
Casam, namoram, paqueram, divorciam, trepam, viajam, comem. Bem vindo ao mundo
dos Jetsons, com seus intercomunicadores. Alô, marcianos, o Matrix chegou. O
interessante do Matrix é refletir no quanto somos manipulados.
“O povo é uma massa amorfa”. Quem disse
isso? Robespierre? Revolução Francesa? Não me lembro. Mas jamais esqueci dela,
saída da boca de um professor de História no colegial. E por “povo”, entenda-se
quase todos nós, não apenas os “pobres e ignorantes”, na acepção mais cretina
do termo. Diferentes massas amorfas se moldam conforme as conveniências.
Já tem algum tempo que a notícia sobre os
tais médicos “cubanos” circula pela mídia, mas atingiu o seu auge na última
semana. Daí vejo posts bombásticos sobre a ameaça, sobre a baixa qualidade dos
medicos, as ferrenhas críticas a esses médicos que “não conseguiram passar em
uma faculdade aqui”. O post mais hilário foi o vídeo sobre os estudantes
brasileiros supostamente mandados pelo MST para estudarem lá e voltarem
comunistas. Comentários apavorados sobre a “ameaça comunista”. Me poupem.
Ameaça comunista é tão século passado!
Os seis mil médicos “cubanos” invadirão o
nosso país, roubarão nossos empregos, trabalharão por baixos salários e
acabarão com a profissão médica. Fiquei pensando em várias coisas, por exemplo,
sobre como a profissão médica já está desvalorizada, como os médicos são
desrespeitados e muitas vezes desrespeitosos.
Na época de faculdade, vários amigos meus
trabalhavam em um plantão de clínica e ortopedia como se fossem médicos. Todos
os dias, num plantão num hospital na Zona Sul da cidade, milhares de
atendimentos realizados por estudantes do primeiro ano de medicina, com o
carimbo de um mesmo médico. Essa foi a época mais miserável da minha vida. Fui
trabalhar no telemarketing de uma companhia aérea, ganhando uma miséria e
trabalhando todas as noites porque não me sentia apto a fazer um plantão médico
“como se”, no primeiro ano de estudo.
Quando me formei, trabalhei em um
pronto-socorro de periferia. Lá, onde deveriam trabalhar quatro médicos,
ficavam apenas dois. É o famigerado “esquema” que muitos nobres colegas fazem
para “melhorar o salário”: trabalham a metade do que deveriam pelo mesmo valor.
Dividia plantão com uma médica de um outro estado. Ela atendia de hora em hora.
Na “sua” hora, ia para a sala de atendimento, que tinha uma maca esticada, um
“muro”contra aqueles pobres todos, assim ela dizia. Atendia seis a oito crianças de umas vez, brigava com as
mães, dizia impropérios e mandava todo mundo embora sem nenhuma conduta.
Dos colegas que lerem esse post, quem não
se lembra da irritante médica de nome bíblico que atendia num outro
pronto-socorro de psiquiatria de periferia, psiquiatra sem ser psiquiatra? Toda
a psiquiatria que sabia estava num livro bem básico que andava embaixo do seu
braço. Ela tinha uma solução: deixava todo mundo em observação para o próximo
plantonista se lascar. E ai embora, contente, com dinheiro do plantão e voltava
para sua cidade de origem.
Tanto se fala em cubanos, mas quantos são
os médicos de outras nacionalidades que trabalham em pronto-socorros dessas
mesmas periferias, onde ninguém, além de residentes recém-formados e os
carinhosamente chamados “cucas”ou “cucarachos” ousa trabalhar? Entre eles há de um tudo, como dizem os
baianos: gente boa, gente ruim, gente péssima.
Fico também pensando naquele colega de
faculdade que, diga-se de passagem, todos conhecem, que vendia fórmulas com
anfetaminas sem receitas. Passado algum tempo, descobri que ele vendia mais que
isso: vendia vagas em faculdades de medicina. Então eu fico me lembrando de
todos os casos que conheço de pessoas que compraram suas vagas em diversas
faculdades de medicina brasileiras. Pessoas que, como os brasileiros que foram
estudar em Cuba, não conseguiram entrar em faculdades brasileiras, mas possuíam
dinheiro para comprar suas vagas. Alguns deles até são bons médicos hoje em
dia. A única diferença entre eles e os “cubanos” é que possuíam dinheiro para
comprar suas vagas e arcar com os valores exorbitantes das faculdades
particulares. Pra mim, esse é o grande despeito.
Eu não consegui entrar numa faculdade
pública. Fiz uma faculdade particular que infelizmente não consegui pagar. Para
quem nunca me ouviu contar essa história, foi um desconhecido que nunca desejou
se identificar que pagou toda a minha dívida da faculdade para que eu pudesse
continuar estudando. Por pouco eu teria largado a faculdade e feito outra
coisa, porque nem dinheiro para estudar em Cuba eu teria.
Também me lembro daqueles médicos que não
conseguiram passar numa prova de residência médica e saíram por aí,
trabalhando, atendendo gente, sem o preparo adequado. Será que é tão diferente,
será melhor ou pior que os “cubanos”?
Antes dos “cubanos”, os zumbis
contemporâneos eram os craqueiros. Mas parece que agora, com a distribuição do
“bolsa-exclusão”, tudo ficará resolvido. Todos os zumbis do crack ganharão seus
sarcófagos benditos em clínicas de recuperação do modelo “roça e bíblia”. Os
“cubanos” são os novos zumbis. Estamos ficando com medo deles. Eles vão chegar,
roubar nossos pacientes, comer nossas criancinhas, matar as pessoas com venenos
cubanos elaborados por Fidel Castro. Dizem que tem sangue do Fidel no veneno
desses vampiros comunistas. Eles vão dar seringas envenenadas com o sangue do
Fidel, vacinas que zumbizarão as nossas crianças. Elas se tornarão
automaticamente comunistas.
Estou ficando com medo. De um lado, os
evangélicos, querendo trancafiar os gays. Agora a ameaça comunista. O que farão
os reacionários quando descobrirem que tenho um machado (de Xangô) tatuado no
pé? É óbvio que vão me julgar um espião comunista.
Agora eu pergunto para os colegas médicos,
que fazem seus cursos de culinárias, suas harmonizações de vinhos, seus treinos
de golfe (Deus, tem coisa mais cafona e nouveau riche do que querer aprender
golfe?), que se deleitam com seus passeios pela Europa e pelo Caribe, suas
compras em Miami, seus “Cirques” e suas Tucsons: quem deseja ir trabalhar na
perifa? Quem quer estar aonde o povo está? Não digo que ninguém queira, afinal
há alguns “comunas” entre nós que curtem atender povão na perifa.
Tive uma excelente professora de pediatria
na faculdade, que era “carinhosamente” chamada de “comuna” pelos alunos donos
de carros importados. Há uns dois anos, pedi a ela o endereço do consultório
dela para que ela atendesse o meu sobrinho. E ela disse, orgulhosa, que só
atendia no SUS e que atenderia o meu sobrinho com o maior prazer no ambulatório
da perifa. Bando de comunas.
É claro que as condições do trabalho médico
deveriam melhorar; é claro que os bairros afastados deveriam ter condições
mínimas de saúde. Mas não venham me dizer que vocês trocariam seus consultórios
com suas poltronas caríssimas e seus condicionadores de ar por um plantão em
Paralheiros. Me poupem. É a necessidade de consumir coisas caras e pagar as
prestações dos apartamentos com varandas-gourmets que nos leva a Paralheiros,
ao Jardim Ângela, a Paraísopolis, ao Campo Limpo; não o amor ao próximo.
Há uma discussão ocorrendo no sentido de
estabelecer uma certa obrigatoriedade aos médicos residentes de trabalharem um
tempo mínimo nas perifas. Parece que o sujeito que tiver essa coragem ganhará
ponto nas provas de residência. Pergunta quem quer? Ninguém quer ser obrigado a
trabalhar na perifa. Os alunos farão greve; resistirão bravamente para não serem
obrigados a isso.
E os convênios então? O novo SUS da Nova
Classe C. Qualquer “proleta” de qualquer perifa tem convênio médico hoje. Todo
mundo quer ter o direito negado pelo sistema público de fazer check-ups. Chique
no último é fazer check-up. Coisa de novela das oito. Coitados. Foram
enganados: nada de check-up; exames que nunca são autorizados; consultas que
demoram meses para serem marcadas, atendimentos cada vez mais rápidos e
imprecisos. Dá prá imaginar um atendimento psiquiátrico em dez minutos? Nem
precisa imaginar. Basta se dirigir a uma clínica de convênios mais perto de
você.
E os manicômios, com pessoas sendo mal
tratadas, presas como bichos? Quem resolverá essa palhaçada, essa desumanidade?
Quem sairá de seus nobres consultórios que servem Nespresso (what else?) para realocar birutas abandonados? Ainda
bem que os cubanos estão chegando para exterminarem com esses malucos também.
Porque vai que os malucos ficam soltos, andando pelas ruas dos Jardins?
Essa é uma obra de ficção. Qualquer
semelhança com o vergonhoso estado da saúde brasileira é mera coincidência.