Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Monday, August 22, 2016

AGOSTO, MÊS DE DESGOSTO?


Desde pequeno, ouvia falar sobre as intempéries do mês de agosto, com suas máximas “agosto mês de desgosto” e “mês de cachorro louco”. Como toda crendice, demorei para entender as origens dessas ressalvas, até que meu encontro com o Candomblé pôde, por força dos acontecimentos, dar conta de explicar, na pele, o significado desse mês tão “diferente”. Dos anos passados da minha vida, não saberei recordar se, de fato, tive ou não tive agostos turbulentos; mas há alguns anos venho notando verdade na agrura no famigerado agosto. 


Agosto é o mês em que se reverencia a divindades que chamamos de dono da terra, ou dono do chão, ou Obaluaê, também chamado de Omolu, Xapanã, Zapatá, entre os nagôs ou Nsumbo, Kavungo, na nação Angola, entre outros tantos nomes. Divindade guardiã da saúde e da doença, zeladora dos cemitérios, velho, alquebrado, doente, temido pelo extremo poder de dar e tirar do homem o seu bem mais precioso: a saúde. 

É no mês de agosto que o reverenciamos porque foi sincretizado com São Lázaro e São Roque, os santos católicos padroeiros dos doentes, dos leprosos e pestilentos. Isso porque, nos mitos que recontam suas origens, Obaluaê é o filho que nasce feio, cheio de pústulas e feridas da varíola, fazendo com que sua mãe Nanã o rejeite. Em alguns mitos, ele é encontrado e cuidado por Yemanjá, divindade das águas salgadas, como mãe adotiva, que cura suas feridas com o sal de suas águas e em outros por Yansan, divindade dos ventos, que o veste com as palhas para esconder seu corpo doente e oferece a ele a esteira para que se deite. 

Em minha opinião, um dos mitos mais bonitos dessa divindade é quando Iansan sopra sobre suas palhas, gerando uma enorme ventania sobre seu corpo, transformando suas feridas em pipocas, que estouram pelo ar, e ele se transforma num belo príncipe. Assim, a pipoca, chamada de deburú, doburú ou gugurú, é o alimento sagrado que o representa. A transformação do milho duro em pipoca com o calor do fogo é um simbolo de mudança, de evolução. 

Mesmo entre os adeptos do Candomblé, Obaluaê é muitas vezes um santo temido, mas pouco adorado - diria até rejeitado - por não portar o luxo de outras divindades, como Xangô e Oxum. É uma divindade simples, que se veste de palhas, tem a cara e o corpo escondidos. Já ouvi alguns “filhos” dessa divindade se dizerem decepcionados com essas características. 

Dizemos então que agosto é o mês que Obaluaê reina na terra, soberano. Não é exatamente um mês de desgosto, mas um mês de “expurgar as pragas”, exteriorizar as feridas, limpar o que está sujo, dentro e fora de nós. É um mês em que se deve respeitar o silêncio, o recolhimento, porque tudo o que for dito é visto e ouvido, e será cobrado. 

Se eu falasse dessa divindade ao meu último analista, ele me pediria, sabiamente, o que peço a vocês: fiquem com a imagem. Reflita sobre a imagem desse velho que guarda o poder e segredos sob suas palhas. Receba essa imagem no seu coração, a principal morada da alma. Eu o aceito, com sua simplicidade, sua sabedoria infinita, seus olhos que tudo vêem, seus ouvidos que tudo ouvem, e cuja boca permanece em silêncio, como mostra a sua dança ritual, o Opanijé. Eu recebo seu alimento, o banquete que os orixás lhe fazem em reverência ao seu poder e que o senhor da terra oferece a nós, pequeninos mortais. 


Atotô, meu velho. 

https://www.youtube.com/watch?v=vBZwbkRQlFk