A CUCA QUE HÁ EM NÓS

Todos nós temos um Cuca interna. É diferente daquelas pessoas que são Cucas fulltime.Estou falando desses momentos em que a Cuca, aquela bruxa-crocodila que vive no meio da selva da nossa mente, resolve passear pela nossa consciência, invade nossa razão e enche de sangue nossos olhos. E quando ela sai, f * tudo.... Fala verdades, inverdades, grita, berra, xinga, esbraveja...
Outro dia contei a vocês uma história da Narizinho que vira Cuca. E desde então a Cuca tem rodado meu pensamento. Não, não estou nessa “fase-cuca”... Estou apenas querendo refletir sobre a importância de deixa-la sair vez ou outra.
Guardamos a Cuca na jaula a maior parte do tempo porque temos medo do estrago que ela faz quando está à solta.. Até no Sitio do Pica-pau Amarelo era assim.. Ela ficava quase todo o tempo na floresta e aparecia algumas vezes com alguma maldade, mas muitas vezes suas maldições e maledicências apareciam quando seu espaço era invadido ou quando alguém a procurava para fazer pactos ou tramóias.
Fiquei pensando se essa não era uma forma do brilhante Monteiro Lobato representar a maldade que existe no mundo, em nós mesmos e, mais profundamente, o lado obscuro das coisas da vida.
Diversos contos infantis e até revistas em quadrinhos falam sobre isso. Talvez seja uma tentativa de mostrar aos pequenos que a Cuca existe e até pode sair de vez em quando. Infelizmente, como vivemos numa sociedade hipócrita, onde o que deve prevalecer é submissão e auto-controle, onde nossos espelhos morais são o sorriso do Padre Marcelo, do Papa Bento sei-lá-o-que e do Dalai Lama, somos treinados a sufocar a Cuca, prende-la a vácuo no fundo da nossa alma e, de preferência, esquecer que ela existe.

A Cuca não morre jamais. Mas é fato que muitas vezes nos esquecemos dela. E é por isso que nos assustamos quando ela aparece. Achamos feia, gosmenta, asquerosa. Esquecemos que ela é um pedaço de nós que vem à tona pra trazer a verdade e a libertação.
Outro dia, uma Cuca dessas falou uma porção de verdades para um monte de pessoas reunidas. Depois perguntou pra mim se eu achava isso bonito. Disse a ela que sim. E ela disse que eu estava errado, que isso era muito feio. Acho que tivemos um “misunderstanding” (A gente se orgulha de muitas palavras na nossa língua, mas podemos encontrar pérolas em todas as outras... Essa palavra é uma delas... Gosto de
overreacting também...). Digo isso porque é possível que ela estivesse falando da feiúra das atitudes que ela denunciava, mas eu digo que achei bonito porque era um momento “Cuca”, onde a verdade vinha à tona e, como tal, tem uma beleza particular. A violência, a crueldade ou a dor guardam em si aspectos terríveis e repulsivos, mas quantas pessoas se comovem com a beleza fotográfica de uma morte violenta num filme?
Acho que devemos tentar reverter o processo e amar as Cucas que existem em nós. É possível que, amando-as, deixem de ser Cucas, temidas, execradas, escondidas. Simplesmente porque não existirá nada mais a esconder.