Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Saturday, August 22, 2009

DIA DE XANGÔ-AIRÁ (29 DE JUNHO)


“Quem é o Rei de Aruanda, quem é que vence demanda, quem é o dono da pedra é Xangô”

“Xangô yara oro... Ogum te coroou...Filho de pemba na Umbanda chora... É meu Pai Xangô que chegou agora”

Faz quase dois meses que escrevi esse texto. Fiquei tímido de blogá-lo. Mas tenho pensado que somos mais felizes quando somos inteiros e verdadeiros e, sendo meu blog uma forma de expressar e comportilhar minhas idéias, experiências e crenças, nada mais justo que falar também da minha fé. É como disse Fernando Pessoa (na pessoa de Ricardo Reis): "Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa"...

Hoje é um dia especial. Tinha me falhado a memória, quase passou batido, mas Xangô-Airá veio em minha mente avisar, pra que eu não esquecesse desse dia. Eu que sempre me achei órfão, eu que sempre me vi sem um pai de verdade, porque passei vinte e tantos anos da minha vida sendo rejeitado por um pai biológico, perdi tempo e energia querendo, ora ser amado e reconhecido por esse pai, ora odiando e maldizendo essas origens, querendo matar o que existia dele em mim.

Sim, perdi tempo. Olhando para esse pai terreno, imperfeito e cruel, olhei menos, acreditei menos, amei menos esse Pai, esse verdadeiro Pai que sempre trouxe vida, luz, verdade, ensinamento por toda a minha existência. Sim, deixei até por vezes de crer em sua existência, mas como se diz em um de seus pontos “Se um dia eu perder, a fé nesse Senhor, que role essa pedreira sobre mim”. E a pedreira rolou sobre mim. Desabou, fez barulho, cataclisma,explodiu.

Mas hoje, “nessa noite tão fria de junho, Xangô”, nesse 29 de junho tão frio e tão quente ao mesmo tempo, eu dobro meus joelhos perante sua presença. Não tenho espaço nem oportunidade pra acender velas ou fazer rituais de fogo, nem pude fazer seu amalá. Mas dentro do coração desse filho orgulhoso e amoroso, estão as velas, o alimento, o fogo, a vida pulsando, pedindo que eu possa ir até seus pés, porque o senhor sempre veio até mim.

Mãe Jamile, uma “grande e verdadeira amiga que escolhi no espaço”, como dizia um de seus mentores, foi a pessoa que me apresentou ao meu Pai. Foi num jogo de búzios, em sua casa. Ela disse, de uma forma bonita, inflamada, que eu era filho de Xangô e que esse era o melhor Pai que alguém poderia ter. Ela disse: “Dizem que Xangô não gosta da morte e que abandona seus filhos quando eles estão no fim da vida; mas eu não acredito. Xangô jamais abandona seus filhos”. E eu também acredito que Xangô nunca me abandonou. Fui eu quem fugi dele algumas vezes. E mesmo que ele me abandone quando estiver chegando minha morte, confiando meus últimos dias a um outro pai ou mãe, mesmo assim estarei orgulhoso de ter sido guiado por ele até ali. Morrerei orgulhoso e amoroso filho dele.

E assim tem sido minha história com esses pais, mães e mentores. Nunca ninguém me abandonou. Eles sempre estiveram por perto. Faltou de minha parte percebê-los e, em muitas vezes, aceitar sua presença. Hoje não preciso mais de provas ou sinais. Creio, venero, amo, adoro, confio, sinto, completo-me, não apenas como um ser vivo, mas como um ser espiritual, tentando melhorar dia após dia.

Te amo, Pai Xangô.

SOBRE HOMENS E BIGODES


Na próxima encarnação quero ser um francês de bigode. Sim ,de bigode. Aqueles bigodinhos pontudos, bem aparados, como do Inspetor Cruseau. Não interessa a cara, o corpo, os olhos, os dotes. Quero um bigodinho. Não porque eu ache bonito. Pelo contrário. Acho horrível. Tampouco atraente ou sexy. Acho apenas que um bigode confere seriedade, sisudez, austeridade à pessoa. Imagina se os palhaços usassem bigodes? Ninguém riria deles. Seriam palhaços desempregados.

Usar um bigodinho desses seria como incorporar um alter-ego de maturidade e responsabilidade. Um “obsessor” de sisudez. Veja quantos homens são levados a sério por causa dos seus bigodes. Nem vou me atrever a cita-los, porque ficaria humilhante para os “desbigodados”.

E por que tem que ser francês? Não basta o bigode? Não, não basta. O francês é pra dar charme ao bigode. Porque, por pior que seja a coisa, por mais repugnante que pareça, como é o caso do bigode, o francês sempre consegue dar charme. Veja por exemplo o caso das baguetes. O que há de charmoso numa baguete? Mas os franceses compram as baguetes nas boulangeries, enfiam-nas embaixo do sovaco fedido e isso dá charme à baguete. Alguns deles saem das boulangeries e logo arrancam um naco dela pra comer pelo caminho, enquanto fumam seus cigarros. Um charme. Veja outra coisa tornada charmosa pelos franceses: o piquenique. Sempre achei cafona, ridículo e desagradável. Mas os franceses fazem piqueniques à beira do rio Sena, comendo baguettes com frommage e tomando vin rouge, enquanto fumam seus cigarros. Um luxo. Outro dia fiz um piquenique nos jardins de Versailles. Bota luxo nisso.

Mas, voltando ao bigode, estou procurando os valores que um bigode sustenta. Minha analista acha que estou ficando louco. Chegou até a sugerir-me um psiquiatra. Oras, um psiquiatra pra um psiquiatra! Ora essa! O que um psiquiatra vai fazer com outro psiquiatra? Só pode ser loucura... Ela não entendeu nada.

Meu pai usava um bigode. Não sei se usa ainda. Mas como ele não era francês, nem seu bigode, nem toda a existência dele possuía nenhum charme. Além de tudo, era um bigode feio, robusto, portentoso e sustentava a face ridícula da sua impiedosidade.

Quero os valores de um bigode francês! E por que não um inglês? Porque os ingleses têm classe, não charme. E o charme é o combustível para uma vida apaixonada e apaixonante. Os ingleses são tediosos em sua classe.

Enquanto não chega, nem o bigode, nem seus estandartes, continuo levando a vida com a cara limpa. E vou lhes dizer: como é duro isso! Pagar contas, consertar carros, mandar secretárias embora, pagar faxineiras, declarar imposto de renda, dar plantão em hospital público, fazer visitas de cortesia, escrever livros, fazer relatórios, preencher papéis inúteis. A cada dia sinto que meu oxigênio se esvai como se esvaem as cargas das baterias compradas no Paraguai. E nisso, um bigode faria total diferença. Ao menos para esconder o meu incessante descontentamento.

Sunday, August 09, 2009

IT’S COOL BEING A BEAR!


“Just wanna be your Teddy Bear / Put a chain around my neck and lead me everywhere / Just wanna be your Teddy Bear” (Elvis Presley, “Teddy Bear”)

A moda, sempre a moda. Passam filósofos, antropólogos, sociólogos, economistas, psicanalistas e tantos outros cientistas do comportamento humano, explicando o porquê disso ou daquilo, mas, no final das contas, é a moda e somente ela, que dita o certo ou errado do mundo. Ao menos externamente.

Já faz algum tempo, li uma reportagem numa revista americana – GQ Magazine – intitulada “Is the bush back?”, que falava sobre a mudança da preferência das mulheres e também dos homens sobre os pêlos pubianos femininos. Dizia na reportagem que as mulheres estavam cansadas da agressiva “Brazilian Wax” (a famosa depilação brasileira nos EUA, que não deixa um fiozinho pra contar a história...) e que as mulheres estavam aderindo à moda da “perereca barbada”, como nos tempos de Woodstock... A reportagem dizia inclusive que até muitos homens estariam preferindo esse “novo look”, que conferia à mulher um ar mais natural, selvagem (claro, sem exageros...)

Outro dia, soube de uma mulher cuja perereca estava “naturalmente pelos anos depilada” e, incapaz de lidar com a frustração de ter uma púbis careca e grisalha, fez um “interlace” de pêlos pubianos... Ficou toda feliz por portar uma “cabeleira” nova. Infelizmente seu marido ainda estava mergulhado no “passado” e preferia as “raspadinhas”... Mas como boa perua que era, soube se manter no salto e orgulhosamente raspar-se ao invés de ser raspada pelo tempo...

Mas o que as pererecas cabeludas têm a ver com os Bears? Pra quem não sabe, “BEAR”, significa “URSO” em inglês e, na “língua gay”, diz respeito aos homens fortes e peludos, quiçá gordos, que fazem oposição às “Barbies”, aqueles moços (de qualquer idade) musculosos, bombados e quase totalmente desprovidos – natural ou mais frequentemente artificialmente – de pêlos.

Dá pra perceber que, tanto para as mulheres quanto para os homens-sexuais, digo, os homossexuais, a moda “clean”, higienista e minimalista que aflorou lá pelos anos 80, botou abaixo os pêlos de baixo e, mais ainda, botou abaixo todos os pelos para os homossexuais (até porque, com tanto anabolizante , ficava difícil continuar peludo...). Firmes e fortes, os Bears continuaram sua luta, honrando seus pêlos, barbas, bigodes e bolas peludas. Talvez não tenham sido esmagados pela ditadura das barbies, somente por uma questão de porte físico avantajado....

O fato é que, desde os anos 80 até os dias de hoje, vimos um crescimento sem precedentes das clínicas de depilação masculina ao redor do mundo. Sem contar a depilação a laser, os depiladores caseiros, as maquininhas de rapar.... Ou seja: nesse período, é preciso ser “pelado”, ou melhor, depilado, para “poder” ser gay.

Mas, nos últimos anos, temos assistido a uma mudança global. Devemos culpar a consciência ecológica? Temos visto uma preocupação com a reciclagem do lixo, com a obtenção de formas não-agressivas de energia, desenvolvimento sustentável, produtos de beleza “ecológicos”, comida orgânica, roupas de fibras naturais, detergentes biodegradáveis... Tudo, tudo, tem se voltado para uma saúdavel preocupação com o meio-ambiente e com a preservação da vida na Terra.

Não sei se é esse o motivo, mas tudo isso me faz crer que estamos “voltando ao passado” e ao, reencontrarmos nossas origens, nos deparamos com nossos amigos “primatas”: ursos orgulhosamente peludos.

Embora ainda não tivesse feito essa ligação “ecológica” da perereca com os ursos, já faz algum tempo que tenho observado manifestações “pilosas” entre as depenadas barbies: barbas, bigodes, cabelos mais compridos, peitos um pouco mais peludos.... E num dia desses, cheguei ao cume da minha observação de campo: fui a um bar que estava cheio de barbies e nunca em minha vida me senti tão “in” e “cool”: todo mundo barbado e cabeludo!!!!

Barba por fazer, cabelos mais compridos, peito peludo à mostra nas batidas camisetas “Armani Exchange”... tudo demonstrando a nova ditadura em vigor: a ursolândia...

Uma vez que a metrossexualidade tomou conta do planeta e os “Straight guys” aderiram às receitas dos “Queer Eyes”, passando a se depilar, fazendo as unhas e cortando os pelos do nariz, paira a dúvida: o que farão os pobres heterossexuais agora? Ficarão eles renegados à extinta tribo das barbies, depilados e carecas ou recobrarão a identidade peluda de sua perdida tradicional masculinidade?

Como tudo que é moda, passa, volta, passa, volta, quando tempo durará a ditadura peluda? Viveremos trinta anos sem depilações e barbeares diários e eficientes ou será apenas uma “nuvem passageira”? Não há como responder, já que a moda é tão efêmera quanto misteriosa... Mas enquanto não acaba, vamos curtir esse Fred Flintstone time!

HOJE EU LEMBREI DE VOCÊ...


O dia está acabando... Saio pela noite quente, andando pela rua, algumas quadras até o supermercado...Meu telefone toca, atendo e falo enquanto caminho com a mesma tranquilidade que teria no sofá da minha casa. Penso como é bom poder andar sem medo pelas ruas, mesmo de noite, pois habito um microcosmo, uma Sheinkin Street, como em “The Bubble”, no coração de São Paulo. A vida de verdade não é assim.

Despenquei do auge da minha tranquilidade, para desabar na sombra do medo que a violência provoca: a ultrajante violência vivida por mim, há reles 4 dias. Não, não vou me alongar relatando o ocorrido, mas posso dizer que fui alvo de uma carga imensa e intensa de violência, como se tivessem despejado sobre a minha cabeça um caminhão de ódio e esgotos.

Ainda bem que estava voltando já do supermercado quando esses fantasmas mentais resolveram me perseguir. Se tivessem chegado antes, teria ficado em casa. O medo da violência paralisa. Chego em casa, abro a porta dos fundos, ouço um “clic” qualquer, mas naquele momento penso que poderia ser o assassino com o revólver engatilhado. “Estou enlouquecendo?” A violência enlouquece.

Seguro em casa, de volta à bolha, posso pensar, elocubrar sobre a origem do medo. Hoje em dia, ao sentir minha vida ameaçada, seja por doença, acidente ou por mãos humanas, sinto medo de perder a vida, sinto medo de morrer. Naqueles segundos, minutos e horas que se passaram e agora, que se reavivam os “fantasmas pós-traumáticos”, eu tenho o domínio da consciência plena: eu tenho medo da morte.

Mas não quero falar dos “porquês” dos meus medos, além do entendimento fundamental de que “quase” todo ser humano deseja continuar vivo.

Quero falar do medo. Não exatamente o medo da morte concreta, mas o medo da “aniquilação” que a violência suscita. Desde a minha tenra idade, vivi num meio violento. Aliás, vários meios. Isso porque fui saindo de uns, caindo em outros, sempre fugindo, correndo, para que continuasse vivo; não apenas vivo carnalmente; queria manter alguma integridade psíquica. Mesmo tendo nascido dela, e no meio dela, e convivendo com ela, sempre quis que não existisse. Sempre perguntei qual seria a razão de tanta violência, dor e sofrimento, nunca acreditei que a vida se resumisse a tapas e xingos.

De que planeta eu vim? Não me tornei violento, não me agrada nenhum tipo de violência e tenho medo dela. Isso é porque a violência de outrora me transformou num “neurótico de guerra” e minha tolerância ao fenômeno é muito próxima de zero. Um revólver, uma briga, um tiro, uma arma empunhada, um grito, um tapa. Todos têm o mesmo efeito: congelamento automático.

O bom disso tudo é poder transformar a orfandade em acalanto. Como quando meu avô chegava e fazia carinho, e dizia, em voz baixa, palavras que não se referiam ao mundo cruel, mas se traduziam, pelo manto de veludo nas quais vinham embrulhadas, numa mensagem de paz e tranquilidade. E tenho tido oportunidades de redenção do medo: pais, visíveis ou não que se aproximam, abraçam, explicam, acalmam, transformando o medo em coisa do passado. Vou sentir sempre esse medo. Mas fico mais seguro em saber que, cada vez que ele aparecer, terei sempre um pai a dirimi-lo.

Já que hoje foi Dia dos Pais, aproveito para celebrar com todos os pais que sabem ser pais, transmitindo amor, carinho, e confiança a seus filhos. E principalmente, não causando medo.