RUÍNAS E POEIRAS BAIANAS

Não é novidade pra ninguém o quanto amo Salvador. Facebook, Twitter, blogs, livro, poesias, prosas, contando, enaltecendo, louvando, fazendo declarações de amor e fidelidade à Bahia e, sobretudo a Salvador. Esse amor é jovem nessa vida - tem quase oito anos - mas acredito que é carregado como as sementes pelo vento, ao longo de muitas e muitas vidas. Sou filho de coração, alma e espírito da Bahia. Até a Bahia dos espíritos, a Aruanda baiana me reconhece e me acalanta como seu filho: sou filho espiritual de um baiano muito porreta que me socorre nas horas de aflição.
Em tempos de informações em tempo real nas redes sociais cibernéticas, também não é novidade que passei meu feriado em Salvador e, como sempre, foi tudo "massa". Hotel lindo, muita água de côco, sol espetacular, praias, piscinas, descanso, relaxamento, rezas. Tudo, tudo o que eu pedi a Deus, consagrado pela felicidade de estar, pela primeira vez, em Salvador com meu grande amor. Sempre digo que a Bahia me deu sorte, porque logo após essa enxurrada de energia que eu encontrei um coração-morada para depositar todo meu amor.
Mas a Bahia não foi só risos e alegrias dessa vez. Passando por vários cantos da cidade, fiquei reparando em quanta sujeira, quanta pobreza e deterioração por todos os lados. Gente fumando crack, dormindo nas ruas, perambulando pelas madrugadas em busca de mais droga ou dinheiro para comprá-la. Os chamados zumbis ou sacis do crack de Salvador se encontram por toda parte. Fiz minha primeira visita ao Convento do Carmo. Um jantar excepcional, mas não gostei da sobremesa indigesta: passar pelos caminhos deteriorados, mal cuidados do Pelourinho. Caminhos seculares, casas centenárias, tudo caindo aos pedaços. Na praia, nos alertam para tomar cuidado com os pertences porque " o crack está comendo solto". Itapoã agora é cracolândia.
Hoje foi meu último dia na cidade que tanto amo. Ao sair do hotel, cortei minha mão na porta do banheiro. Sangrando, minha alma foi dando adeus à Bahia. Quis visitar o Bonfim, a Igreja de São Francisco, a Casinha de Yemanjá, tomar sorvete na Sorveteria da Ribeira. Me enveredei pelos caminhos que levavam ao Bonfim e fiquei impressionado com as construções derrubadas, sem conservação. Isso é que se pode chamar de tombamento. Vi várias igrejas lindas, corroídas; vi uma igreja oca, sustentada por vigas podres. Chegando ao Bonfim, os olhares ao horror adormecem e o coração arrefece. Dia da Oxum e das Crianças, sou tomado de amor e compaixão com a bênção do padre. Saindo da Igreja, tomo para junto do meu corpo as gotículas de água benta e vejo que minha mão volta a sangrar. Chagas? Estigmas? Não tenho essa santidade, nem essa pureza. Mas o sangue escorrendo fala pra mim que existe vida em tudo isso e que uma parte da minha alma viva mora em Salvador.
Na casinha de Yemanjá, no Rio Vermelho, ela se pōe a falar comigo em silêncio. Fala com a voz do coração, que é muda aos ouvidos do corpo e diz que tudo ficará bem, em minha vida e em Salvador. Do mesmo jeito que ocorre quando faxinamos nossas casas ou como quando fazemos terapia, é preciso deixar a sujeira sair para ser vista e então limpa. Desço até a praia, concentrado, disposto a finalizar as preces no grande reino da Rainha do Mar. Preguiçoso, desço à praia calçando sapatos, sem dar ouvidos aos sussurros da Mãe Sereia. Ela, que não é mãe de se vingar de seus filhos, inunda de água meus pés para dizer que na água se entra é descalço, porque é pelos pés e não pelas mãos os pela cabeça, que ela nos purifica.
Enfim, no meio de tantas ruínas, Salvador ainda tem um coração pulsante. Cheia de vida, de histórias, de misturas, lendas e crenças. É um espelho da vida, da alma: pode-se estar sujo, alquebrado, mas somos o que somos; somos nossa essência.
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