Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Monday, December 26, 2011

PRA ONDE IRÃO MEUS VOTOS DE NATAL?

Definitivamente eu não gosto do Natal. Trânsito, tristeza, estresse, gastos, enfeites , aeroportos lotados, loucura nos supermercados e lojas. Uma massa de pessoas escravizadas por um consumo desenfreado pra encher o bucho, lotar árvores e preencher com presentes o vazio da existência. E ainda poluir mais um pouco as ruas com caixas e papéis. Não bastasse tudo isso, ainda tem a Avenida Paulista. Essa, que se tornou um símbolo da cidade, sendo palco de manifestações, passeatas, paradas, greves e protestos, vira um símbolo do exagero típico da época, sem contar o engarrafamento de carros e pessoas que vão visitar os enfeites.

Ah, sim! Tem o Jesus Cristo! Mas quem se lembra dele? Acredito que poucos. É lógico que tem gente que dedica um espaço especial àquele que deveria ser o dono da festa, mas não acho que seja a maioria. O Papai Noel se sobrepôs ao Cristo.

Eu gostei de Natal um dia. Acho que de um único, quando eu tinha cinco anos. Antes, não me lembro de nenhum e depois, sacanagens e sacanagens da vida. Anos e anos acompanhando meus pais brigarem na véspera de Natal. Aliás, foi no Natal de 1985 que ganhei uma surra de presente do meu pai por tentar defender minha mãe de ser espancada. Anos depois, foi ela quem me deu o presente: disse que sempre viveu muito bem com o marido; era eu que não entendia o meu pai. Ela deve ter lido em alguma dessas revistas cultíssimas sobre o Complexo de Édipo. Infelizmente não tive oportunidade de arrancar os olhos dele. Os outros Natais também foram incríveis. Melhor dizendo, inacreditáveis. Passei quase todos eles assistindo minha mãe e meu pai doarem os presentes que eu dava e sendo obrigado a agradecer os presentes que eu não desejava.

Em 2002 , fiz uma despedida dos natais recheados de pobreza de espírito. Tinha decidido ficar em casa, sozinho, ateu que eu estava, mas resolvi aceitar convite de uma amiga para ficar eu sua casa. Eu, ela, seu cachorro Bob. Ela passou horas fazendo uma sobremesa para seu amor platônico levar na casa da noiva; eu passei essas mesmas horas dormindo mal acomodado num sofá das Casas Bahia, sendo lambido pelo Bob. Uma garrafa de vinho vagabundo e uma lasanha do Sargento depois, resolvi voltar para casa e desfrutar do restinho da solidão boa que me sobrava.

Em 2003, passei na casa de uma amiga e,apesar da leveza daquele momento,percebi que o Natal não tem nada a ver comigo. Sou órfão, desquitado do Natal. Troco alguns presentes, desejo educadas boas festas a alguns, mas bom mesmo seria se o Natal não existisse. Detesto amigos-secretos. Não vejo alegria, nem suspense, nada de bom em ganhar presentes em nome de um Natal que não escolhi. Eu adoro ganhar presentes. Mas presentes que signifiquem a espontaneidade e a manifestação de carinho de pessoas que nos querem bem. Não a obrigação de presentear alguém que muitas vezes não gostamos ou não temos intimidade. E aquele tal amigo-secreto americano ou surpresa? Daquele que você pode trocar e roubar os presentes? A luta pra escapar de um mal presente ou conservar o razoável.

Desde então meus Natais têm sido o que mais desejei. Noites simples, singelas e belas ao lado do meu amor. Sim, o hábito me faz trocar presentes e nem vou esconder que compro alguns poucos presentes para pessoas muito queridas. Mas é muito mais pela satisfação em presenteá-las em qualquer tempo do que pelo Natal em si.

E nem estou criticando ninguém. Até admiro quem gosta de arrumar suas árvores e esquentar a moringa com os perus e chesters. Apesar de tudo o que passei nesa visa e principalmente pelos natais deploráveis, Eu nem me considero um cara amargo. Mas ainda não consegui transformá-lo numa festa alegre. Simplesmente não faz sentido.

Mas, nessa dualidade da minha existência, meu lado que crê em Deus e que acredita que o Natal poderia e deveria ser um momento de transformação, do nascimento da sabedoria e de abertura para a consciência, eu gostaria de deixar a todos o meu voto de esperança em dias melhores. Que a fabriquinha de seres humanos possa produzir gente mais alerta, com valores mais nobres, com desejos mais puros e que, a cada ano, sejamos mais "meninos", crianças, felizes e sonhadores...

Monday, December 05, 2011

DIÁRIOS FUTEBOLÍSTICOS







Nasci Palmeirense. Coisa típica: família italiana, gente falando alto, macarronada de domingo e “parmera”, como diziam alguns dos meus tios. Dizem que meu tio chegou a começar a jogar no Palmeiras quando era jovem e que era amigo de uns jogadores famosos de cujos nomes não me lembro.

E, acreditando gostar de jogar futebol, vesti Kichutes, tive bolas de futebol e ensaiei alguns chutes nas aulas de educação física da escola. Extrema perda de tempo. Nunca acertava bola nenhuma, o único gol que eu fiz na vida foi “contra” e numa outra vez a bola chutada caiu no meio dos meus braços cruzados, enquanto olhava o céu, cansado, imaginando qual seria o grande desígnio de Deus que me fazia estar ali, naquele momento. O time adversário adorou: pênalti com um bem sucedido gol.

Logo percebi que meu negócio não era futebol. Eu tentei gostar de futebol e ser palmeirense porque era uma forma de estar mais perto do meu avô. Meus colegas de escola perceberam isso muito antes de mim. E passei a ficar para o “resto”, o “refugo” da divisão dos times. Eu, um asmático e outro mais gordo que eu. Éramos sempre os últimos, éramos aposta de quem “perderia” mais ao dividir os restos “infutebolizáveis”. Tinha outra coisa maligna. O medo de tirar a camiseta pra não mostrar os peitos de gordo, evitando ser caçoado. Só restava torcer para ficar do lado do time dos “com camisa”.

Não demorou muito tempo para eu entender tudo e descobrir a saída mais fácil: toda semana eu fazia minha mãe solicitar uma dispensa da educação física, “por motivos de força maior” ou por “indisposição”, entre outras alegações. Às vezes o professor reclamava, mas em geral, ele e os caras da minha classe davam graças a Deus. Eu também agradecia muito a Deus quando chovia e não havia quadra disponível. Era dia de prova ou de jogar “Stop” na sala.

Como o futebol é considerado um “jogo de homem”, ele pode ser utilizado como um método de tortura a homossexuais. Conheço alguns que gostam de futebol, mas a grande maioria tem pavor, principalmente de jogar. Alguns até assistem aos jogos da copa. Será dever cívico, o desejo de gostar ou o gosto reprimido? Talvez se o futebol não fosse tão intrinsecamente ligado ao bullying e à homofobia, muitos gays iriam gostar desse esporte. Deve ser por isso que eles mantém esses padrões de “qualidade”.

Um pretenso gérmen do meu gosto pelo futebol foi aniquilado já na tenra infância: após uma “conferência psicológica” de minha mãe com uma vizinha psicóloga que segundo (muito segundo mesmo) minha mãe, alegou que eu tinha um comportamento muito feminino, fui obrigado a jogar futebol num campo barrento num sábado à tarde com meu pai. Eu me senti o extraterrestre daquele filme “Inimigo meu”: um cara estranho, num lugar estranho, com um sujeito estranho, chutando uma esfera quase que totalmente estranha ao meu cotidiano. Tudo tão estranho para ambos, que nunca mais aconteceu.

Até a adolescência, eu ainda conseguia fingir que gostava de futebol no período da Copa do Mundo. Mas há muitos anos já não dou a mínima e, dependendo do clima, sinto um enorme prazer em torcer pelo time adversário, como o foi o caso da Copa de 2006, na final do Brasil com a França. Adorei gritar “Allez, France; allez les bleues” na janela do prédio e tocar “La Marseillaise”, só pra irritar os brasileiros. Mas a maior parte do tempo das Copas, prefiro um bom par de ear plugs e um comprimidinho roxo de Frontal de 1mg.

Mais recentemente, o futebol invadiu um pouco a minha vida: tenho sobrinhos que gostam de jogar bola e me pedem pra jogar com eles. Isso eu consigo fazer com certa maestria. Sou eu, um completo incompetente nas artes da bola fazendo e defendendo gols num interminável jogo com um bebê. Mas isso também não foi o suficiente para me futebolizar. Acho realmente que sou afutebolístico.

E se eu detesto futebol tanto assim, por que estou falando dele? A culpa é do Corinthians. No último domingo, a final da copa sei lá do quê, contra o Palmeiras. Num tremendo ato falho passivo-agressivo, fui almoçar na casa de corintianos vestindo uma blusa verde. Tudo bem; era da seleção de futebol da Irlanda, mas era verde. O almoço foi tranquilo. Dureza foi aguentar a “sobremesa”: passar pelas ruas e avenidas da cidade, em dia de final, trajando a tal camisa. Parada indigesta. Mas como Deus é brasileiro e deve ser corintiano, ou são-paulino, ou flamenguista ou qualquer outro time cujas camisas sejam pretas, encontrei uma camiseta da academia no banco traseiro do meu carro. E lá fui eu, aliviado, confiante, pelas ruas da cidade, com meu escudo corintiano.

Cheguei a minha casa, são e salvo. Para meu desgosto, meus amigos já estavam lá, vendo o maldito jogo. E o Corinthians ganhou. Fiquei feliz. Porque se tivesse perdido, a violência na cidade seria maior. Eu compreendo a paixão de muitos pelo futebol. Deve ser parecida com a minha pela Juliette Binoche, pela culinária, por Paris. Eu só não compreendo a violência, o desrespeito, o vandalismo e o medo que se espalha pela cidade antes, durante e principalmente depois do jogo.

E hoje, no Facebook, enquanto um montão de amigos corintianos bradava sua vitória, mandando os “bambis” (acho que é o apelido que dão aos são-paulinos) chuparem e a “porcada” (esses devem ser os palmeirenses) sentar, vi algumas tímidas declarações sobre o saco cheio de ouvir falar em futebol, sobre o incômodo em não “pertencer” à distinta classe de admiradores do esporte, entre outras reclamações. Deu pra ver que, mesmo que sejamos minoria, existimos. E não existimos apenas como gays que têm medo da bola; existimos como pessoas, gays ou não, homens e mulheres, com gostos diferentes e respeitando o alheio, o diferente, o ímpar.

No finalzinho do jogo, vi gente chorando de emoção, arrancando os cabelos, abraçando calorosamente seus amigos na arquibancada. Não invejo seus gostos; eu invejo a possibilidade que eles têm de exibi-los livremente; de caminhar pelas ruas, bradando os nomes de seus times, suas preferências, vaidosos, orgulhosos, por todas as cidades e países. Liberdade essa que não fica confinada a ambientes circunscritos e protegidos com seguranças; em ruas de alguns poucos bairros sofisticados da cidade; uma única vez por ano numa grande avenida – seja Carnaval ou Parada - onde somos alegorias, entretenimento, até mesmo para os corintianos.

Thursday, December 01, 2011

ME DEIXA SER BURRO! (Inspirado na frase de Aline Dorel, personagem de Grace Gianoukas do Terça Insana)










Deus! Como estou cansado de ser sagaz, de compreender as coisas, de antever, de perceber, de voltar com o fubá antes do milho. Sim, pode ser útil em algumas horas, mas dá uma canseira a maior parte do tempo. É ótimo quando estou trabalhando em meu consultório, pois isso tem ajudado a vida de muita gente; mas no dia a dia, no cotidiano, tem me dado uma preguiça danada. Faz minha pressão subir, me faz perder mais cabelos.

Também não quero saber de política. Não me interessa se a Globo derrubou o Lula, se o Kassab roubou, se a Dilma também. Porque ainda não conheci nenhum político eleito de nenhum partido que não estivesse envolvido em algum tipo de falcatrua. Parece que o ponto de corte é a subida para o poder. Subiu, roubou. Ou pelo menos ficamos sabendo disso somente quando sobem. Collor, Lula, Maluf, Dilma, Serra, Kassab, Marta e tantos outros. Alguém é capaz de dizer pra mim quem é mais ladrão? Ninguém. A única diferença entre eles é que roubam para quadrilhas diferentes. E às vezes nem isso.

E o Estado laico, a Marcha Anti-Homofobia, a usina de Belo Monte, os boicotes, os abaixo-assinados. Uma enxurrada de coisas que temos que ler, pensar, opinar, assinar, participar. E as criticas, as divergências, as polêmicas? Que cansaço.

Criei meu perfil no Facebook a pedido de uma amiga, para me tornar seu vizinho em Farmville. Viciei naquela bagaça. Até ficar com tendinite de tanto colher frutos, ordenhar vacas e pentear animais. E então começaram a vir os presentinhos inadequados, as solicitações para novos jogos. Cansei. Vendi tudo e transformei a fazenda num lindo jardim. Cansei também e desativei a fazenda. E agora bloqueio todos os jogos que aparecem na minha frente.

Daí vieram as citações ignorantes. Gente replicando, compartilhando, alastrando frases “new age” atribuídas a grandes personalidades: Drummond, Clarice Lispector, Gandhi, Buda, Chaplin, João Cabral de Melo Neto, Nietzsche. Até a poesia ridícula da Maitê Proença virou frase de Clarice. Por um tempo, fiquei perseguindo um conhecido que vivia postando essas frases pífias. Pior de tudo: era a página “UOL Pensador” que fazia ele pensar que era erudito. Na ignorante fantasia contemporânea de pretensa sabedoria, até “Marcha Soldado” vira frase de grande estadista. Cansei de combater a mediocridade; estava apagando incêndios com xicrinhas de porcelana. A avassaladora marcha da ignorância massacra toda e qualquer intenção culta.

E agora tem a censura. Vivemos à sombra de uma ditadura cretina imposta pelas próprias pessoas. Das opiniões. Dos sentidos. Dos rumos. O “politicamente correto” virou uma grande sombra sobre as cabeças de todas as pessoas e hoje é proibido fazer piada sobre a maioria das coisas. Um dia me ensinaram que a piada, o chiste, o sarcasmo podem ser mecanismos de defesa para lidar com a tensão, com a adversidade, com a dor. Em meio a uma humanidade cada vez mais triste, mais sem rumo e mais sem perspectivas, o que se poderá fazer se não for mais permitido brincar?

As crianças não brincam mais; ficam confinadas em seus apartamentos minúsculos e seus videogames. A Ritalina deixou há tempos de ser medicação para Hiperatividade; hoje é remédio para falta de educação e energia acumulada; se a criança não pode mais brincar e nem ser livre, ela se tornará um adolescente infeliz e uma das poucas alternativas que lhe resta é “brincar” de atirar em seus pulmões as pedras que não atirou no rio. E os adultos, que brincam muitos menos, gastam seus tostões comprando calmantes e antidepressivos que os deixem mais aptos a uma vida tão sem graça.

Outro dia, ouvi o Ministro da Saúde dizendo que um número de brasileiros equivalentes à população do Canadá “entrou” para a classe média, aumentou seu poder de compra se entupindo de crediários e cheques especiais; paga seus planos de saúde que funcionam ainda menos do que o SUS, compra carros que entopem as avenidas e ficam boiando com as enchentes nas mal projetadas ruas e avenidas das grandes cidades. É como liberar a catraca do metrô na hora do “rush”: a tal da classe média é uma sufocante massa de gente amontoada, endividada e infeliz.

Mas o que o Ministro não disse é que uma montoeira de gente talvez maior do que a população do Canadá migrou pra linha da mais absoluta miséria e degradação: os zumbis do crack se proliferam por todos os cantos desse país. E como conter essa proliferação: vamos enfiar todos em clínicas, comunidades terapêuticas, asilos, abrigos. Vamos limpar as ruas dessa gente, rápido, rápido, rápido. Antes que cheguem a Copa e as Olimpíadas. País bom é pais limpo.

Daí o pessoal se incomoda com as piadas que fizeram sobre o tratamento de câncer do Lula. Confundiram tudo. (Quase) ninguém estava zoando com a sua doença, muito embora houvesse um montão de gente que o preferia bem mortinho. O que uma massa de pessoas desejava era que ele experimentasse um tratamento nesse sistema público que ele e sua comparsa alegam ser tão maravilhoso e funcional. Uma metáfora. Uma sátira. Nada mais. Um montão de gente se pôs a defendê-lo e a defender o SUS. É lógico que existem centros públicos de excelência para tratamento de câncer e de outras tantas doenças. Mas é muito mais lógico e verdadeiro lembrar que a grande maioria das pessoas, principalmente aquelas que moram distantes dos grandes centros, morrem à míngua, de fome, de câncer e de sede.

Outro dia eu estava pensando: quando eu era pequeno, ouvia falar da seca no Nordeste. Hoje ninguém fala mais da seca. Acabou? Irrigaram o Nordeste inteiro? Virou tudo laranjal? A seca continua lá. E tem gente que continua indo trabalhar na Somália e outros cantos da África acudir aquela gente toda. Médicos do Mundo, Medicina sem Fronteiras, Cruz Vermelha e tantas outras. E o Nordeste continua seco. E as crianças continuam morrendo de fome, seca e desidratação.

Todo esse desabafo pra dizer que eu quero que o meu Facebook seja um lugar de diversão, uma praia, uma praça, uma casa no campo. Onde eu possa encontrar meus amigos, trocar idéias, dar risadas e até chorar vez ou outra.