AS DUAS FACES DE HEBE
Sou um
amante confesso do Facebook. Nele me comunico, me divirto, me atualizo,
descubro coisas. É realmente uma praça viva na rede, um lugar onde as pessoas
podem expressar seus gostos, seus pensamentos, suas opiniões. E nessa vivacidade,
surgem também as coisas que não gostamos; opiniões que por vezes não
compartilhamos. O Facebook deve pressupor uma ética de convívio e boa vizinhança,
e devemos, como na vida, respeitar opiniões, delinear as curvas do
politicamente correto e fazer vez ou outra uma visitinha às portas da
demagogia, regra básica do bom relacionamento.
Uma amiga
traduziu-o literalmente como o “Livro de Caras”, remetendo imediatamente à
imagem da Revista Caras. Mas com certeza é muito mais que isso, porque a revista
Caras é um instrumento forçado de aparição e circulação social onde artistas,
socialites ou pretensos, pré ou pós-famosos desejam veementemente uma aparição que poderá representar uma
ascensão nos meios sociais. Como disse uma conhecida que é colunista de Caras,
“todo mundo lê caras, mas nem todo mundo assume”. Eu leio. É a minha leitura quinzenal “obrigatória” enquanto sofro na cadeira da podóloga.
Eu gosto de atualizar as idades dos artistas e observar as emergências: “Fernando X. (54) com sua manceba Janaína
(18) desposando-a em seu desjejum preparado pelo chefe Emanuel (45) no Castelo
de Caras em Carapicuíba”. Lá eu
fico sabendo quem casou, quem morreu e quem foi “ovacionado” após uma
apresentação teatral. Caras também é cultura: aprendi que ser ovacionado não significa levar uma surra de
ovos, como paulada seria uma surra de pau.
Voltando ao
Facebook. Acho que é muito mais que Caras: é a representação virtual (talvez
agora muito mais real) da vida real.
Ele substituiu de modo eficaz quase todos os comunicadores (MSN, etc),
os emails pessoais, os bate-papos, os sites de encontros e relacionamentos.
Nele você pode, quase sempre, além de ver o sujeito, olhar seu perfil,
pesquisar sua rede de amigos, seus gostos, suas preferências e tendências
políticas. Para a Mariazinha-sedenta-de-marido, dá até para sacar se o cara é
gay antes de se encontrar com ele. Isso se ela quiser mesmo ver.
Enfim, fiz
todo um mis-en-scène, uma apresentação sobre vantagens e desvantagens do
Facebook, um patchwork com a revista Caras para poder falar da Hebe. Hebe
morreu; que Deus a tenha. Hebe –
acabei de descobrir no Google – é
a deusa grega filha de Zeus e Hera e representa a eterna juventude. O Urban
Dictionary, diz que ela é quem “segura o cálice”, que deve ser o cálice da vida
eterna. Parece que o nome dela foi escolhido a dedo. Não querendo falar bem,
mas já falando, eu tenho que concordar que essa era um dos atributos dela: era
uma pessoa cheia de vida. Sempre sorridente, saltando como uma menininha e toda
esticada para ocultar os seus oitenta e tantos anos. Ontem, uma amiga, ao saber
que ela tinha morrido, disse: “Nossa, ela era tão jovem ainda, né?”. Puta que
pariu. Ela era jovial, tal como a
deusa. Mas jovem? Hebe tomada pelo arquétipo.
Agora que
já falei bem, deixem-me falar mal. Com todo respeito ao luto e ao gosto das
pessoas brasileiras, que deve ser respeitado, eu não gostava da Hebe. Fiquei pensando agora na música
“Borbulhas de Amor”, cantada pelo Fagner: “Quem dera ser um peixe, para em seu
límpido aquário mergulhar”. Queria
ser um bicho qualquer que tivesse a capacidade de mergulhar no límpido aquário
de diamantes do cofre da Hebe, como naqueles filmes de piratas nos quais o
mocinho encontra a sala do tesouro. Eu invejo os diamantes da Hebe e aquela
mansão enorme que ela tem, ou tinha. Invejo inclusive o fato dela ter derrubado
uma casa inteira ao lado da sua, só para aumentar o seu jardim. Mas é só.
Mas eu
nunca achei a Hebe uma grande apresentadora. Nem atriz. Nem cantora. Sempre a
achei chata, superficial e ridícula, incapaz de formular uma frase inteligente,
sempre substituída por elogios frouxos, o conhecido sorriso e seu verbete
“Gracinha”. Talvez ela seja a maior mesmo, o que denuncia seus anos na TV, sua
fama, sua fortuna, seus diamantes. Mas para mim ela é tão boa como são (e como
serão ovacionados) o Jô Soares, o Faustão, o Silvio Santos, o Gugu, a Xuxa e a Derci Gonçalves.
Todos um bando de chatos constituintes de uma época em que não sabíamos ou não
podíamos criticar. Eles cresceram no limbo da ignorância da TV Brasileira,
controlada por uma elite conservadora que se especializou em divertir seu povo
com coisas vazias. É lógico que ela é popular, como são populares seus
equivalentes nos canais de TV em todo o mundo. Gente vazia falando de coisas vazias.
E é por
essa razão que fico um pouco descontente, leia-se frustrado, leia-se puto,
leia-se irritado com as “ovacionices” em torno da figura de Hebe. Assim ficarei
quando forem embora todos esses outros que acabei de citar. Eu tive muita
cócega de replicar as postagens sobre ela, mas resolvi respeitar as postagens
dos perfis alheios e respeitar o luto dos que choram pela Hebe. Também fiquei
tentado a postar no meu próprio perfil uma Hebe caricaturada pelos meus ardis
escorpianos, mas isso poderia também parecer desrespeito e não é minha intenção
desrespeitá-la e nem a seus fãs. E nem acho que seus fãs sejam vazios como ela
própria. Eu já gostei de Menudo, dos Trapalhões, do Bozo e do Bambalalão. Mas
isso foi até os 10 anos.
Também não quero
“re-desvelar” nesse momento a outra face de Hebe. Aquela faceta perdida no
tempo, escondida por trás da grande apresentadora, que deu origem a outras “divas”,
como Derci Gonçalves ou Luciana
Gimenez. Mas isso é apenas um lembrete.