Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Tuesday, June 18, 2013

HABEMOS CURARE PAR ANULLUS FROUXUS



É, parece que o gigante acordou, mas está meio “songomongo”, como quem acorda após anos de um coma que era aparentemente irreversível. Desatento, desajeitado, pernas tortas e bambas. E enquanto o gigante anda por aí, meio Frankenstein, amedrontando uns, desafiando outros, causando orgulho em outros tantos, muitos fazem chacota dele.

Enquanto o gigante se movimenta pelas ruas, pelo menos dois assuntos polêmicos “passaram” por debaixo de suas pernas: foi aprovado o Ato Médico, que enfraquece em muito a idéia de um debate multidisciplinar na saúde e a tal “cura gay”, proposta pelo tal inFelicianus. Tudo bem, já marcaram revolução na Praça Roosevelt para sexta de tarde contra a cura gay. Mas o fato é que ninguém conseguiu tirar esse cara da tal CDH e que isso vai fomentar diversas medidas e mudanças no modo de pessoas tratarem essa questão.

O Gigante acordou, e além de meio tonto, se deparou com um monte de afazeres que abandonou por séculos, praticamente uma vida inteira. Como aqueles drogados que se deparam com o farrapo de vida quando enfim conseguem ficar abstinentes: melhor voltar a dormir.

Estou com medo. Não dos manifestantes, não da suposta violência das ruas que as emissoras de TV insistem em divulgar. Estou com medo que os “pais” cruéis desse Gigante se levantem e voltem a trancá-lo. Há anos tenho visto crescerem as hordas evangélicas, edificando seus templos, destruindo e atacando outras religiões, trancafiando pessoas em clínicas de recuperação. Hoje eles estão no poder e praticamente mandam no nosso país. A tomada evangélica é a próxima Inquisição, o próximo Holocausto. E fique claro que, ao falar de “evangélicos”, refiro-me a essas gangues de neopentecostais que procriam como baratas.

Eu não quero morrer em campos de concentração gays, como fizeram nazistas e cubanos. Também não quero ser submetido a torturas físicas e psicológicas para ser forçado a desistir da vida e da minha existência singular, fingindo não ser mais gay e vivendo uma vida infeliz ao lado de uma esposinha que esse Jesus-gângster guardou para mim. Só há dois caminhos: fugir ou fingir. Talvez eu fuja, talvez eu finja. Talvez eu finja porque não queira ficar longe de pessoas que amo, meus amigos heterossexuais, minha irmã, meus sobrinhos. E se eu fingir, monto um consultório de preservação da vida disfarçado de uma clínica de recuperação de viados. Como o judeus em Portugal que tinham que pendurar as linguiças para mostrarem que comiam carne de porco e acabaram inventado a alheira; como os negros escravizados que cultuaram seus deuses escondidos em santos católicos; talvez eu fique e finja. Mas que fique claro: estarei fingindo. 

Monday, June 03, 2013

PROSA POÉTICA


Achei que não escreveria mais poesia. Mais por incapacidade que por escolha. Achei que havia se esgotado o tempo, o ciclo, o ritmo. Talvez porque ligasse poesia à dor e aos redemoinhos das minhas palavras pensadas angustiadas e necessidades intermináveis de desabafos num mundo particular sozinhamente habitado. Mas do mesmo jeito que a vida é feita de sóis e de luas; do mesmo modo que tempestades e dias ensolarados, e nuvens ou arcos-íris ocupam o mesmo céu em tempos distintos ou não; eis que ressurge e urge e ruge esse tempo das dores da alma que só sangram poetizando e só poetizando se estancam. É quando vem o vazio inominado ou a angústia indizível que me possuem, que se aproveitam da minha mente, do meu corpo, das minhas mãos; é quando a caneta escorrega pela mesa como musa em lençóis de cetim vermelho ou minhas mãos bem escorregam até ela a deflorá-la. Tempo atemporal em que minha mão e caneta ou suas teclas, substitutas contemporâneas se tornam uma única coisa: torneira. Torneira de dores, pensamentos, ilusões, enchentes de coisas pensadas, sofridas e doídas. Tormenta de tormentos tornados palavras; tornado de decepções e digressões advindas da vasta e impecável memória que clama ser esquecida. Se eu esqueço das comidas, dos compromissos, das coisas, das contas, dos papéis, dos nomes e dos aparelhos, como sou incapaz de me libertar das dores passadas e da monstruosa angústia? Taí. Impossível. E é somente atravessando essa ponte de letras que construo alívio para essa inquietante e lancinante dor de alma. Foi assim que sobrevivi à fome, às guerras, às pestes-gentes. Foi assim que esvaziei armários da alma, jogando caixas de dores e desafetos palavras afora. Foi assim que suportei anos a fio a dor de estar preso numa vida-armário. Mas também foi assim que arrebentei as portas presidiárias e saí para vida. Foi escrevendo. Foi compondo. Poetizando a dor pude enxergá-la e exorcizá-la. Foi-se e volta-se. A vida, em seus repetitivos e enfadonhos ciclos nos surpreende com surpresas pouco surpreendentes que vez ou outra nos arrebatam. E então renasce o ímpeto poético como saem os super-heróis de seus esconderijos e disfarces. A poesia que jorra, a poesia que deságua, revela, desvela. Enxurrada de palavras impensadas, dispensadas, repisadas. Vivas. O choro letrado de uma alma oprimida pelas torrentes confusões da vida dos normais. Eu ainda não sou desse mundo. Quando serei? Isso ela não me deu. Nem sei se quero. Não, de fato não quero ser um zumbi normalóide e vazio de sentido. Prefiro essa alma inconstante, que sofre e que sorri; que sangra e estanca, por vezes não estanca; que vaza, que escorre. Dor, amor, desespero, angústia, alegria, gozo. Tudo. Vaza. Não seca.