Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Monday, June 03, 2013

PROSA POÉTICA


Achei que não escreveria mais poesia. Mais por incapacidade que por escolha. Achei que havia se esgotado o tempo, o ciclo, o ritmo. Talvez porque ligasse poesia à dor e aos redemoinhos das minhas palavras pensadas angustiadas e necessidades intermináveis de desabafos num mundo particular sozinhamente habitado. Mas do mesmo jeito que a vida é feita de sóis e de luas; do mesmo modo que tempestades e dias ensolarados, e nuvens ou arcos-íris ocupam o mesmo céu em tempos distintos ou não; eis que ressurge e urge e ruge esse tempo das dores da alma que só sangram poetizando e só poetizando se estancam. É quando vem o vazio inominado ou a angústia indizível que me possuem, que se aproveitam da minha mente, do meu corpo, das minhas mãos; é quando a caneta escorrega pela mesa como musa em lençóis de cetim vermelho ou minhas mãos bem escorregam até ela a deflorá-la. Tempo atemporal em que minha mão e caneta ou suas teclas, substitutas contemporâneas se tornam uma única coisa: torneira. Torneira de dores, pensamentos, ilusões, enchentes de coisas pensadas, sofridas e doídas. Tormenta de tormentos tornados palavras; tornado de decepções e digressões advindas da vasta e impecável memória que clama ser esquecida. Se eu esqueço das comidas, dos compromissos, das coisas, das contas, dos papéis, dos nomes e dos aparelhos, como sou incapaz de me libertar das dores passadas e da monstruosa angústia? Taí. Impossível. E é somente atravessando essa ponte de letras que construo alívio para essa inquietante e lancinante dor de alma. Foi assim que sobrevivi à fome, às guerras, às pestes-gentes. Foi assim que esvaziei armários da alma, jogando caixas de dores e desafetos palavras afora. Foi assim que suportei anos a fio a dor de estar preso numa vida-armário. Mas também foi assim que arrebentei as portas presidiárias e saí para vida. Foi escrevendo. Foi compondo. Poetizando a dor pude enxergá-la e exorcizá-la. Foi-se e volta-se. A vida, em seus repetitivos e enfadonhos ciclos nos surpreende com surpresas pouco surpreendentes que vez ou outra nos arrebatam. E então renasce o ímpeto poético como saem os super-heróis de seus esconderijos e disfarces. A poesia que jorra, a poesia que deságua, revela, desvela. Enxurrada de palavras impensadas, dispensadas, repisadas. Vivas. O choro letrado de uma alma oprimida pelas torrentes confusões da vida dos normais. Eu ainda não sou desse mundo. Quando serei? Isso ela não me deu. Nem sei se quero. Não, de fato não quero ser um zumbi normalóide e vazio de sentido. Prefiro essa alma inconstante, que sofre e que sorri; que sangra e estanca, por vezes não estanca; que vaza, que escorre. Dor, amor, desespero, angústia, alegria, gozo. Tudo. Vaza. Não seca. 

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