Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Tuesday, November 03, 2009

É PRECISO QUEBRAR ALGUMAS VIDRAÇAS


Na última sexta-feira, estava trabalhando no hospital. Entrei na sala privativa, corri em direção ao armário de medicamentos. Aquele armário de ferro, com paredes de vidro, usado em hospitais. A chave não estava lá. Perguntei à secretaria onde estava a chave porque precisava pegar lá alguns medicamentos. Ela disse que a chave estava sumida há dois dias e recomendou que eu fosse em outro lugar buscar a medicação. Expliquei que não tinha cabimento eu sair de lá caçando remédios pelos outros ambulatórios e creio que esse problema deveria ter sido resolvido antes.

E então veio a “solução imediata”: resolvi quebrar o vidro do armário. Ela disse que eu não deveria fazer isso, que era o cúmulo. Eu disse que o cúmulo era ter o remédio trancado, sem poder dá-lo à paciente.

Voltei ao armário, saquei uma garrafa térmica velha e enfiei vidro adentro. Saquei o medicamento que precisava, entreguei à paciente e voltei lá pra juntar os cacos. Não estava com raiva, não estava vivendo um “dia de cão”. Uma médica que estava por perto assistiu toda a cena, perplexa, como se tivesse presenciado um assalto ou uma pancadaria.

A faxineira do local colocou luvas de borracha e começou a catar os cacos com a mão. Pedi que ela parasse, porque, se ela se machucasse, eu seria culpado. Ajoelhei, catei os cacos todos, limpei o armário. Guardei os vidros em lugar seguro. Enquanto catava, me veio à mente que talvez pudesse ter chamado o chaveiro. Mas depois meu pensamento se reformulou, pensando que, não eu, mas alguém deveria ter chamado o chaveiro há dois dias.

Santidades pessoais à parte, ninguém, exceto os pacientes de um serviço público, iriam sofrer de fato com a falta da chave. Muito mais fácil deixar um “désolé” para o “pobre coitado” que vai ficar sem remédio do que se encarregar e resolver o problema da chave.

E essa história toda me fez pensar sobre como precisamos, vez ou outra, quebrar vidraças, arrombar portas, pular muros para conseguir resolver um problema. Ninguém quer fazer isso. Só os impulsivos e descontrolados, que muitas vezes fazem, mas não sabem o que buscam. Eu sabia o que queria ao quebrar a vidraça. E acho que, quando temos certeza do que queremos, coisa que nem sempre é tão simples, devemos “arrebentar” as porteiras que estão barrando nosso caminhar.

Eu fiz uma boa ação. Não só pela minha paciente, mas por outros pacientes e outros médicos que precisarão usar aquele armário. É claro que muitas vidraças que temos que quebrar não são tão “fáceis”. Vidros cortam, cacos perfuram dedos e se escondem nas frestas do chão, nas linhas da mão.

Hoje pedi à secretária que chamasse o vidraceiro para consertar o armário. Ela disse que não iria chamar, que se eu quisesse, que fizesse isso eu mesmo. Disse a ela que chamasse o vidraceiro, que era um conhecido meu e que era eu quem ia pagar pelo vidro, nem ela, nem a instituição. Quebrar vidraças tem dessas coisas. Temos que nos responsabilizar pelos cacos, pelos estragos que provocamos. Mas fica a marca, o aviso, de que somos capazes de quebrá-las.

4 Comments:

Anonymous Leo said...

Não é a toa que você me é tão querido...

2:55 PM PST  
Anonymous Anonymous said...

Leo de onde?

6:15 PM PST  
Blogger Lenilson Xavier said...

Leo, ex-secretário da "casa ".

7:53 PM PST  
Anonymous Soraya said...

Parabéns! Adorei a sua atitude e dei muitas risadas da cara da secretina me contando a história.

bjs,

Soraya

7:05 PM PST  

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