Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Tuesday, December 01, 2009

ASPETTA UM ATIMO


Sim, minha vida tem sido boa. Tenho saúde, amor, amigos, dinheiro. Viagens, paisagens, paragens, pastagens. Tenho colecionado boas recordações para levar para a Eternidade. Outro dia me lembrei do filme japonês “Depois da Vida”, do diretor Wandafuru Raifu, de 1998. Nele, as pessoas recém-falecidas eram levadas a um “hotel espiritual” e ficavam lá até encontrarem uma imagem, uma lembrança de suas vidas que seria levada para a eternidade. Na época, não gostei do filme. E acho que não gostei porque, mesmo tendo algumas poucas lembranças, estava todo enlameado de coisas e pessoas, tão afundado em areia movediça, que não era capaz nem de acessar a parte boa do meu “hard-disk”. Só sobrava a hard-life.

Hoje sei que gosto do filme. Porque me sinto tão desafogado da lama, porque hoje ela é capaz, no máximo, de sujar meus pés. E daí, acho que teria dificuldade de escolher uma única boa lembrança, não pela ausência delas, mas pelo excesso. Teria que espremer, afunilar, classificar em ordem de importância. Não. Não precisaria de nada disso. Eu sei que escolheria levar para a eternidade a imagem daquele momento que significou, num contexto amplo, o rito de passagem, a abertura das portas para uma existência feliz. Eu levaria a primeira troca de olhares que tive com o amor da minha vida.

Naquele dia, em maio de 2003, no Xingu (não a tribo, a boate), foi o momento em que eu vi, como se fosse um cometa ou uma estrela-cadente riscando o céu, que o trem da Felicidade estava passando, rápido, e que deveria pular nele. Tinha que subir no trem. E eu respirei fundo, superei meus medos, minha timidez e pulei. E é desse momento em diante que acredito haver um marco de Felicidade. Foi nessa troca de olhares e sorrisos que vi o mundo sorrindo pra mim.

Quando comecei a escrever hoje, dei o nome de “aspetta um atimo” (“espere um minuto”, em italiano), porque ouvi essa frase nesse final de semana. Ia satirizar coisas e pessoas, ia destilar um pouco daquele veneninho tão escorpiano. Mas quando olhei pro pedacinho de texto que havia escrito, desgostei, não vi sentido no que ia dizer, não vi nenhuma utilidade. Mas a frase, “aspetta um atimo”, italianamente forte, sonora, cortante, fez com que eu refletisse sobre os átimos que deixamos transcorrer, que se esvaem pelos nossos dedos e não damos conta. Pensei que não devemos desperdiçar um minuto sequer, sobretudo pensando em pessoas ou fazendo coisas que não nos servem de nada. Porque como disse “Raulzito”, na música “Trem das 7”, esse trem pode ser o último.

Agora, se eu pudesse levar a minha caixinha, com vários momentos da minha vida, para a Eternidade, daí seriam incontáveis. E já disse deles várias vezes e é também por isso que escolhi esse que mencionei: todas essas experiências, que guardamos conosco, podem ser sonoras, gustativas, olfativas, táteis. Mas é a visão, é a imagem que fica. Um cheiro pode ficar guardado na memória e ser evocado vez ou outra, principalmente quando sentimos o “tal” cheiro por aí; mas é a imagem que fica guardada na mente. É ela, com seus cheiros, com seus toques e barulhos. Mas é o ato, o movimento, a fotografia que vira arquivo em nosso computadorzinho existencial. Foi por isso, além da beleza peculiar, que escolhi guardar um olhar, sobretudo um olhar cheio de alegria, paixão e desejo. Um olhar sedento de vida.

1 Comments:

Blogger Maria said...

Que bom te saber assim...

4:07 PM PST  

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