Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Tuesday, November 03, 2009

ENVENENADORAS DE VIDAS


Estou aqui em Buenos Aires. É a segunda vez que passo por aqui. Gosto da cidade, gosto dos ares europeus, das construções que lembram Paris, das patisseries com sabores de Paris. É como estar em uma Paris mais rápida e muito mais barata. E, ao contrário de muitos brasileiros, me gustan los argentinos. Gosto do jeito que eles têm de falar, gosto dos cabelos compridos, gosto do polo-style com o qual se vestem.

Apesar de gostar muito de viver em São Paulo, Buenos Aires é, sem dúvida, muito mais bonita e elegante que a terra da garoa. Ai! E como comem melhor esses argentinos! Parrilla, empanadas, alfajores, azeitonas, bons vinhos. Os argentinos também são cheios de histórias. Histórias de colonização, guerras, culturas, influências étnicas. Mas também histórias pitorescas (ou pintorescas, como eles dizem).

Meu amigo argentino me contou uma das histórias policiais mais famosas da Argentina. Uma senhora que dava às suas amigas doces envenenados com cianureto para depois roubá-las. Yiya Murano (fala-se “chicha”), ou “a envenadora de Monsserrat”, como era conhecida. Que se sabe, morreram duas; mas, considerando que foi pega pela primeira vez nos anos oitenta e já tinha seus “sessentinha”, é de se supor que ela deve ter matado muita gente por aí.

Cumpriu dez anos de prisão e ainda é viva, tendo se tornado celebridade nacional e motivo de piadas em mesas de bêbados. Até encontrei um vídeo no YOUTUBE, com uma aparição de Yiya Murano no Programa de Mirtha Legrand, a não menos perua-hebe dos argentinos. No programa, Yiya leva um prato de doces de presente à Mirtha, que fica na dúvida cruel se come ou não come os docinhos (Creio não ter sido Yiya que levou os doces ao programa, porque duvido que a apresentadora os comeria ...)
(http://www.youtube.com/watch?v=wKMczwqVFKE)

Fiquei olhando para aquela vovozinha e tive a mesma sensação que muitos tiveram quando ela foi descoberta e que tanto dividiu a opinião pública: como seria aquela “avozinha” tão simpática capaz de crueldade tamanha? Não seria uma falsa acusação? Todo mundo pensa nas avozinhas que conhecemos: singelas, bondosas, fala mansa, olhos profundos. Não houve tempo para que eu desfrutasse da amável companhia de minha avó, mas creio que ela seria doce como Yiya, se ainda vivesse. Mesmo minha bisavó, conseguia ser assim, dócil, nos raros momentos de calmaria que lhe sobravam das disputas com o alemão virando sua cabeça (sim, o Alzheimer...).

Foi então que me lembrei da “máxima” proferida por uma instrutora quando passei pelo estágio de psicogeriatria durante a residência. Ela dizia que íamos ficar penalizados com muitos velhinhos abandonados e mal cuidados durante a internação, velhinhos que as famílias não queriam ver “nem pintados de ouro”. Ela dizia que, apesar de evocar um sentimento de compaixão, devíamos levar em conta que essas pessoas possuíam uma história, um passado e que muitas vezes, a solidão, o abandono, eram a colheita desse passado.

Então pensei nas várias “Yiyas” que conheço. Carinhas de anjo, feições amáveis, mas cheias de maldade e artimanhas em suas mentes. Coincidentemente, após ouvir a história de Yiya, assisti a um pedaço do desenho animado Shrek, onde a suposta Fada Madrinha não passa de uma bruxa má.

Volto eu a pensar nos tempos da residência médica. Lembro de um grande professor meu, que explicava, ao discutirmos o caso clínico de uma paciente do hospital, cuja mãe era tida como possuidora de poderes mágicos e conhecida como “feiticeira” em seu país de origem, que a bruxa, a feiticeira, na Psicologia Analítica, era como a inversão do arquétipo da Grã-Sacerdotisa, que simbolizava a capacidade de ser uma boa mãe.

E é curioso como essas “mães perversas” são representadas em nosso imaginário, como a Madrasta da Branca-de-Neve, a Bruxa do Mar do Popeye, a Bruxa de João e Maria... Yiya Murano: você é a lenda urbana argentina das mães perversas e pestilentas.

Podemos rodar o mundo. Todos os países, cidades, nações, culturas. Sempre haverá mães-bruxas. Sempre haverá Yiyas espalhadas por aí. Graças a Deus, a humanidade não está perdida. Ainda acho que existem mães-nao-yiyas espalhadas por aí, a edificar a mente e cultivar a vida, e a dar vida a seus filhos.

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