LOCANDA DE LA MIMOSA (aka Louca da Buceta)

Feriado no Rio de Janeiro. Tempo ótimo, companhias fantásticas. Minha amiga ouviu falar de um restaurante famosíssimo dentro de uma pousada em Itaipava, próximo a Petrópolis. E lá fomos nós, montados no Dart Vader (a Land Rover do marido dela) conhecer a tal Locanda. Confesso que não gostei do nome. Em italiano quer dizer “pousada”, mas fico sempre cismado com coisas bonitas com nomes esquisitos. É como ter um presidente chamado Lula.
E lá chegamos no restaurante. Paisagem fantástica, casa de Brasil-Colônia em frente a uma pedra gigantesca. Cercada de jardins e palmeiras imperiais, dava a impressão daqueles lugares muito suntuosos que fazem pensar num preço tão alto que dá medo de entrar. Já eram duas horas da tarde e o restaurante estava vazio. Estranho. Mais estranho foi ficar cheio depois das quatro horas da tarde. Será que era horário do jantar? Dizem que as pessoas jantam cedo no interior, seja qual for.
Sentamos numa mesa redonda, ampla, de chiques guardanapos e sous-plats maneiros. O maior número de garçons por metro quadrado que já noticiei. Senti-me meio Louis XV, sendo servido por quatrocentos súditos. A carta de vinho era uma apostila de pós-graduação. Nomes, origens, descritivas, bandeiras, gráficos, notas. Uma inteira faculdade de somelier. E como se viajasse do céu ao inferno em dois minutos, assim pululavam na carta vinhos que variavam de sessenta a dez mil reais. Um dia ainda tomo um desses. Principalmente se for de graça. E lá fui escolher o mais barato, um tal de “Dignus”. Nome cafona, preço compatível com a cafonice intrínseca do nome e gosto.... Surpreendente. Um dos melhores espumantes que já tomei desde que me entendo por bebedor de espumantes.
Os copos eram Spieglau. A marca chique-barata da Riedel, os copos mais chiques do mundo.
E por falar em bebida, a água tinha uma coisa estranha: era torneiral ou “bical”, mas tinha uma etiqueta enorme amarrada na jarra, que descrevia seu conteúdo mineral, a baixa concentração de impurezas... Acho que brasileiro se ofende de tomar água da torneira em restaurante caro.
E “voilá” as entradas. Deliciosas. Pães, azeites, patês, manteigas. E tinha uma torradinha bronzeada, com a cor da Garota de Ipanema, que cheirava a mel e temperos. Perguntamos a um garçom da imensa corte do que a tal torrada era feita. E o mulato gordinho, portentoso, sorridente, respondeu em carioquês arcaico: “Saaum isspeciariaiiiissss”. Me senti lendo um livro de “Cooking for Dummies”. Era como se ele me falassse que arroz-feijão era feito de.... hum... adivinha....arroz-feijão! Mas estava ótima mesmo!
Falando em feijão, lembrei-me do cardápio. Um arraso. Simples, coeso, com poucas opções e preços simplificados. Duro era entender o que se passava naquilo tudo. A primeira linha trazia o nome do prato em negrito, em italiano, ininteligível. Logo abaixo, em singelos itálicos, a tradução, nada inteligível. Veja um exemplo fictício, no cardápio de entradas:
“Polentatto alla fubazzollo imperiale i fejones bretochenzos coloratos i pancetta”
Leia-se:
“Polentinha de fubá mimoso imperial com frejões bretoches e panzeta”
Minha amiga ficou muito interessada pelo prato. Disse que ia comer isso e a sobremesa, embora, como ela mesma disse, havia lido que as sobremesas não eram o forte do lugar.
“Que tipo de feijão é esse?” - Perguntou ao garçom.
“Ah! É um tipo especial de feijão, com grãos maiores, encorpados, parecem uma massa”
Deu até água na boca.
“Então eu quero esse!”
“ Mas isso é só uma entradinha” – Fazendo um sinal que,em outro contexto, pareceria palavrão, como se mandasse alguém tomar no....
Fizemos os pedidos e a entradinha chegou para ela, solitária, sem os nossos pratos. Muito propício para saborearmos a piada italiana de muito mau gosto. Num prato fundo, um montão de angu de fubá com feijão marrom do tipo mais comum que há e algumas duas “lascas” de bacon defumado.
“É igualzinho ao prato de angu que eu fazia na casa da avó, com a diferença que o da avó era muito melhor!” – Disse minha amiga, mineirosamente.
Assim seguiu o almoço. Piada atrás de piada, regada a várias taxas da champagne barata e maravilhosa. Tenho quase certeza que o proprietário, um tal de Danio Braga, era ilusionista. Chegou a sobremesa. Engodo mesmo era a comida. Porque a sobremesa era maravilhosa. Pedi um café e a “dolorosa”. No café, mais uma surpresa: uma prateleirinha com copinhos de brigadeiro de colher e pistache caramelado, além de uns bolinhos de semolina e castanhas.
Mais parecia um reality show. Chega o mulato gozador, dizendo que eles estavam “sem sistema”, mas que poderíamos fazer um depósito bancário. Eu cuspi o café, porque não cabia café e gargalhada na minha mesma única boca. Nossa mente carioca pensou em fazer o depósito depois. Minha mente malufética-lulética pensou que um calote era merecido. Mas a mente paulista, ciência exata, com reminiscências cristãs improváveis quiseram reunir os muitos trocados e pagar a conta. Mas o mélange carioca-escorpião tratou de ferroar o gordinho sarrista:
“O mínimo que vocês podiam fazer para agradar é dar um prato da “Boa Lembrança” para minha amiga.”
Aliviado por não ter levado um calote, ele tratou de dar foram dois pratos. E pediu que fôssemos discretos para que seu chefe não ficasse bravo. Mas como sempre digo, segredo só é segredo enquanto apenas um sabe. E o prato encerrou com chave de ouro a nossa estadia: um galo “sarrando” (no carioquês mais digno) um porco folgado e, logo abaixo, os ovinhos, todos “locandos della mimosa”, sim, porque não haveria nome mais digno para essa casa de mágicas do que “locanda” e “mimosa” é um nome carinhoso para bucetas em várias culturas ao redor do globo terrestre.
E eu entendi toda s simbologia contida naquele prato. Segundo o site Symbolon: “O símbolo do galo tem origem no mito de Alectrion, o sentinela que avisa a chegada do sol. É considerado um símbolo do tempo, além de possuir um princípio solar, masculino, que aparenta altivez. Segundo a psicologia os sonhos em que o ego onírico aparece representado na imagem do galo, certamente deverão estar se referindo aos aspectos de soberba da personalidade do ego vigil. Também é um reconhecido símbolo da propaganda, pois o Galo é que canta quando a galinha bota o ovo.” E, segundo o mesmo site, “o porco pode representar a baixa sensualidade.”.
Resumindo, é o dono do restaurante “sarrando”, os clientes, desconsolados com a comida estranha, os altos preços e o demorado serviço. E os ovos? Dinheiro, poder, riqueza, fartura. Para os bolsos do Galo. Realmente uma experiência mitológica. E esqueci de falar: numa certa altura do almoço, chega o Galo, vaidoso, orgulhoso, perguntando e quase respondendo sobre quanto achamos maravilhosa a sua comida. E ele se antecipou: “Nem precisa responder”. É claro, porque se “ In vino, veritas”, por outro lado facilmente me afogo em mentiras e fingimentos em meio às bolhinhas coceguentas de champagne.
5 Comments:
hohohoho... Muito bom! Além da história, o texto em si estea muito legal.
Agora, Locanda da Mimosa é nome de puteiro em Campos do Jordão, hein? No tempo em que tinha aquelas putas pálidas e tuberculosas, defloradas na serra.
Ri até as lágrimas caírem!!!!! Ficou ótimo! E a missão em SP é achar a Dignus pra alegrar a vida a preços baixos e maravilhosas borbulhinhas!!!
Rapaz, isso e' digno do Guia Quatro Rodas. Dizem que e' o melhor restaurante do Brasil mas a tua historia e' melhor ainda... Dignus? Indignus de nota!
É Rafael, passa longe de mlehor restaurante do Brasil! Eu tenho uma lista enorme na frente dele! De A de Antiquarius até Z, de Z-Deli, uma infinidade......
Rafael, de onde vc surgiu? É blogueiro tb? Manda um email pra mim no marceloniel@hotmail.com
Abs!
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