Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Friday, July 30, 2010

A MENINA E O BAIACÚ


Tenho muitas histórias memoráveis sobre essa minha amiga. O fato é que, recentemente, lembrei dessa história ao falar com ela, relembrando um tempo bom, gostoso, mágico.

Certa vez viajamos juntos. Fomos a uma praia no sul no país. Chovia muito durante os dias que ficamos lá, mas nos divertimos muito assim. Certa noite fomos a uma festa. A festa prometia. Boca-livre, banda animando, jantar, bebidas e doces. E no embalo desse sábado à noite, decidimos ver o nascer do Sol na praia.

Ao sair da festa, levamos duas garrafas de vinho a tiracolo. Ao sairmos do local, notamos que os seguranças não permitiam que os convidados levassem bebidas da festa. Nem água, nem guaraná. Vinho, muito menos. Foi então que uma outra amiga teve a brilhante idéia de “embalar” as garrafas em seu xale. E assim fomos, nós três, saindo pela porta da frente com os “gêmeos”.

Fomos pra praia e o nascer do Sol não era tão bonito. Mas ficamos lá, na areia, falando da vida, falando bobagens. Eu sentia muito frio, mas minha amiga estava radiante. Era como se aquela energia tênue do Sol que anunciava sua chegada invadisse seus poros, seu coração e sua mente. Eu tremia de frio e pedia pra irmos embora, mas ela caminhava pela praia, pulava as ondas, como fazem as ondinas, sereias e janaínas a festejar a beleza e os encantos do mar.

Essa cena nunca saiu da minha cabeça. Quando sinto saudades dela, lembro daquele sorriso-criança, daquela alegria. Sentia uma inveja boa daquele alegrar-se com aquele momento tão simples.

Após esperarmos tanto pelo Sol, ele não apareceu. Veio apenas a chuva e uma névoa o escondia bem diante dos nossos olhos. Fomos embora e, alguns kilômetros depois, encontramos uma lagoa. Era o presente de Deus por termos esperado tanto. A lagoa estava ali, iluminada pelos raios do Sol, refletindo feixes multicoloridos bem diante dos nossos olhos, criados pela dança do Astro-Rei com os pingos da chuva. Dentro da lagoa um velho pescador jogava sua rede.

Como a vida me ensinou que não podemos desprezar os presentes que Deus nos envia, descemos do carro pra ficar um pouco mais. Chegamos perto do pescador e em sua rede havia caranguejos, camarões, peixes diversos e…um baiacú. Minha amiga se encantou com ele. Como ele inchava, fcando robusto, bochechudo, brilhante com os raios do Sol e, após algum tempo, ficava tão fino como qualquer peixe.

E então ficamos lá por um tempo incontável. Ela observava e se admirava, como uma criança a descobrir o mundo. Não vou dizer que amei aquele momento enquanto ele acontecia. Estava exausto, não via graça naquela brincadeira, tampouco naquele baiacú. Quando conseguimos ir embora, voltamos pra casa e dormimos muito. Ao acordarmos, rimo-nos tanto daquela cena, que ela ficou marcada em minha memória.

Ainda hoje, quando penso em minha amiga, quando falo dela pras outras pessoas, relembro e conto essa história, porque ela deixa viva a imagem de alguém com um coração puro e uma alma de criança, que sabe valorizar as pequenas belezas da vida e da natureza, mesmo em um baiacú. E, ao pensar nisso, não sei se o maior presente de Deus foi mesmo o nascer do Sol ou se foi a oportunidade de ver uma mulher sorrir como criança, bem diante de mim.

E as pessoas que lêem isso agora podem perguntar: qual é o sentido de falar sobre isso aqui? Qual é o tabu? E eu respondo. É pra falar das coisas que nos reprimimos, pela “educação” que recebemos, pelas convenções sociais, pelo preconceito. O tempo vai passando e esquecemos de ser crianças, esquecemos de brincar com as crianças que moram em nosso peito.

Deixamos de comer frango com a mão e passamos a “pedir filé grelhado” nos restaurantes. E é claro, somos obrigados a deixar de chupar os suculentos ossinhos de frango. Deixamos de comer pipoca doce, aquela das portas de teatros e metrôs, porque não pega bem ficar com aquele corante vermelho na língua e nos dedos por horas. Jogamos fora nossos brinquedos, mesmo aqueles que nos trazem recordações belas da infância. E quando fazemos isso a criança morre mais um pouco.

Falo de tudo isso pra lembrar do tabu que existe em continuarmos sendo crianças. Não o tempo todo, mas quando queremos, quando precisamos. Existem momentos na vida em que a criança em nós precisa chorar ou sorrir pra lembrarmos o quanto estamos vivos.

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