Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Thursday, October 14, 2010

SEM AMOR TAMBÉM SE VIVE?



Sem amor se vive sim, mas fica difícil suportar. Não dá pra acreditar em choro sem lágrima, não dá pra gostar de manjar sem calda, nem acarajé sem dendê. Já imaginou acarajé “light”, cozido na água? Acarajé poché. Já imaginou quindim sem ovo? Nem missa sem padre, nem reza sem terço. Nem descanso sem rede. Nem sombra sem coqueiro. Banho sem água, roupa nova sem água de cheiro. É tudo um bando de coisas tão simples, mas que viram nada quando falta uma virgulinha dessa simplicidade. Porque o Amor também não é uma coisa só: o Amor é uma receita, de pelo menos duas coisas. Até cozido precisa no mínimo de água e farinha. Pra escovar os dentes é preciso de escova e água ou pasta e escova, ou água e pasta ou pasta e dedo. Pra escrever é preciso lápis e papel ou qualquer outra coisa onde se escreva. Pra dormir tem que ter corpo e chão, corpo e colchão, corpo e travesseiro. Vê? Nada nessa vida começa se não for de dois. O número um só foi sozinho até o dois chegar. E com amor, é a mesma coisa. Tem que ter no mínimo dois. Tem gente que acredita em amor próprio como sendo uma coisa de um. Eu não. Pra mim, amor próprio é eu amando eu mesmo, então já são dois. Então fico imaginando como seria a vida sem essas coisas todas; é a mesmíssima coisa que vida sem amor. Muito simples e muito complicado. Dizem que um chinês perguntou qual seria o som de bater palmas com apenas uma das mãos. Não tem som, não tem palma, não tem nada. É a tal da virgulinha que falta e faz toda a diferença.

Outra coisa se torna a vida quando o amor chega: tem cor, tem cheiro, tem brilho, tem sorriso, tem esperança. Tem orgulho, tem peito estufado, tem bunda empinada. Tem um movimento natural das coisas que são naturais na vida da gente. Tem nuvens escuras vez ou outra; tem contratempos, tem dissabores. Mas saber que tem farinha pro angu, água de cheiro pra botar sobre a roupa nova, vaso pra colocar as flores, calda para o manjar e um amor esperando no final do dia faz toda a vida ficar diferente. A gente fica inteira. Tem um monte de coisas que podem aparecer para tapar os buracos que o amor deixa. Tem gente que arruma filho. Tem gente que compra cachorro. Tem quem compre sapatos e blusas. Tem quem guarde dinheiro ou colecione carros de luxo. Mas nada, nadinha consegue ocupar o lugar do amor na vida da gente. O amor é como a lenha na lareira, que aquece esse buraquinho; nascemos com ele, já de fábrica para ser preenchido de amor e ternura. A lareira, como o amor, pode ser preenchida por várias coisas. Flores secas, vasos bonitos, pedras, estatuetas bonitinhas. Tudo isso pode ocupar o lugar que a lenha ocuparia, mas nada pode fazer o que a lenha faz.

Tenho pensado muito no amor, nas confusões de uma vida sem amor e nas reviravoltas da vida em prol do amor. Amor é movimento; também pode ser descanso, aconchego. Mas não é uma coisa em si. É uma fabricação, uma manufatura ou uma explosão química. Nessa semana que ainda emana os raios benéficos da Mãe Oxum, Deusa do Amor, a maior riqueza, o maior ouro que existe, que todo mundo possa receber as suas bênçãos, seus fluidos, suas irradiações positivas. Pra quem tem amor, que ele fique, se renove, se transforme; pra quem espera ele chegar, que ele chegue logo, invada a vida, os poros, tudo. E pra quem não acredita mais, pra quem amargou de esperar ou que fechou as porteiras do coração pela dor ou pela decepção, que ele chegue, bata na porta, mostre quem é e pra que veio.

6 Comments:

Blogger Thitta said...

Nossa!!! Amei seu texto.... parabénsss!!!! Vou vir aqui sempre de agora em diante....

Grande beijo

6:16 AM PDT  
Blogger Unknown said...

Obrigado, seja bem vinda! Ainda esse ano lanço meu primeiro livro "Prosas, Macumba e Cafezinho" pela Editora Scortecci...Abraços!

10:16 AM PDT  
Blogger Alan said...

Now that I'm in love, and someone, it seems, is in love with me, your beautiful prose rings so true.

But it also makes me fear the fragility of that love. Of being left out in the cold again.

May yours and mine and everyone's love last forever.

Thanks for the wonderful post, Fofinho.

- Alan

1:12 PM PDT  
Blogger Alan said...

This comment has been removed by the author.

1:12 PM PDT  
Blogger Unknown said...

Amem, Velhinho. Do you know Camões:

"Love is a fire that burns unseen,
a wound that aches yet isn’t felt,
an always discontent contentment,
a pain that rages without hurting,

a longing for nothing but to long,
a loneliness in the midst of people,
a never feeling pleased when pleased,
a passion that gains when lost in thought.

It’s being enslaved of your own free will;
it’s counting your defeat a victory;
it’s staying loyal to your killer.

But if it’s so self-contradictory,
how can Love, when Love chooses,
bring human hearts into sympathy?"

6:04 PM PDT  
Blogger Alan said...

Fofinho....Please link me to the original Portuguese of the Camões sonnet.

11:45 PM PDT  

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