HIDROFOBIA É CRIME!

“Eu perdi o meu medo, o meu medo, o meu medo da chuva
Pois a chuva voltando pra terra traz coisas do ar” (Raul Seixas)
“Alegrai-vos, pois, filhos de Sião, e regozijai-vos no Senhor vosso Deus; porque ele vos dá em justa medida a CHUVA temporã, e faz descer abundante CHUVA, a temporã e a serôdia, como dantes” (Jl 2.23).
Quando ainda estava na faculdade, um fenômeno interessante acontecia: final de tarde, pronto-socorro lotado, filas homéricas e quiméricas na porta. Bastava começar a chover que as pessoas desapareciam.
Sobravam apenas alguns gatos pingados, heróicos e retumbantes, esperando o atendimento. Era possível supor os seus diagnósticos: tuberculose, dores insuportáveis, apendicite, hemorragia, meningite. Enfim, algo muito grave e muito desconfortável que era mais forte do que o medo da chuva.
Foi a partir da observação desse comportamento que surgiu a teoria da hidrofobia. Explicando: algumas pessoas diziam que isso aconteciam porque aquelas pessoas eram hidrófobas e tinham uma fantasia fantasmagórica e aterrorizante de que dissolveriam com a chuva. Talvez tenham interpretado erroneamente o fenômeno da chuva ácida; talvez não gostassem de tomar banho. O fato é que uma simples chuvinha era e ainda é capaz de dissuadir multidões. Exceto os fãs de Sandy&Júnior.
Como faz muito tempo que não circulo por lugares de grande concentração de massas, como portas de pronto-socorros e filas do Poupatempo, fazia muito tempo que não presenciava surtos de terror hidrofóbico. Mas há alguns dias atrás fui caminhar num parque da cidade e tive um “revival” dos tempos de faculdade...
Fevereiro desse ano, verão escaldante. Caminhava pelo parque com um amiga quando, de repente, começa a chover. Estava uma noite bonita e agradável, exceto pelo fato de estar muito abafado. A chuva chegou sem pedir licença e instaurou o caos. Mal a chuva choveu e a multidão de pessoas que habitava o parque àquela hora entrou em desespero. Era como se o gás mostarda estivesse sendo disperso pelo ar ou como se o Tsunami e o Kathrina tivessem chegado naquela hora, juntos, para destruir a humanidade. Nem o Tom Cruise sentiu tanto medo em guerra dos mundos como aquelas pessoas todas.
A cena era de dar pena. Crianças, jovens e adultos se digladiando para atingir a marquise do Ibirapuera para se protegerem dos pingos gelados na chuva má. Corriam, gritavam, esperneavam. Criancinhas aprendendo desde muito cedo a cultura de fugir da chuva como se fosse um inimigo.
Ó Deus, a hidrofobia está de volta! Deus, tão ocupado movendo os planetas, criando estrelas, deve ficar muito decepcionado ao ver seus filhos correndo da chuva, um verdadeiro presente dos céus, correndo dele como se fosse um monstro ou prenúncio de desgraças!
Foi assim que revivi a experiência observatória da hidrofobia. Acho que os antropólogos deveriam escrever mais sobre isso. Acho inclusive que os psicanalistas, tão preocupados com as questões da contemporaneidade, deveriam averiguar melhor as raízes inconscientes da hidrofobia... Será que a humanidade – pelo menos essa que não tem intimidade com banho, desodorante e água de chuva – sente-se que está se protegendo da dissolução do Ego evitando a água? Será que é uma fantasia paranóide do medo de ser inundado pelo seio mal? Ou será que é o pavor da transmutação do seio bom? Admira-me os espíritas não terem observado a hidrofobia como um fenômeno de carmas coletivos de pessoas que sobreviveram ao dilúvio, porque é lógico que é mentira que Nóe enfiou todo mundo na arca....Eu acho que pelo menos a sogra ele deixou pra trás...
Mas a única certeza que tenho é quem tem medo da chuva e não se aventura a purificar a alma vez ou outra com as águas da chuva, que para mim são lágrimas do céu, é porque gosta, pelo menos um pouco, de viver na porquice. E é por isso que lanço aqui um “MANIFESTO CONTRA A HIDROFOBIA”. É lógico que cada um tem direito de gostar ou não da chuva, mas vocês não acham que o mundo seria menos fedido?
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