Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Saturday, October 31, 2009

CIGANOS,MINHA ORIGEM,MEU DESTINO


“Mandei fazer um baralho de ouro / Para a Cigana jogar / Você apostou no Valete / E eu escolhi a Dama / Amigo, você não me engana / Mas ela é Pomba-Gira Cigana”


Sempre gostei dos ciganos. Naturalmente. Instintivamente. Quando criança, gostava de ouvir Sidney Magal cantando “Cigana Sandra Rosa Madalena”. Eu sei, não é suficiente... Quase todo mundo gostava... Lá pela minha adolescência, veio a moda dos Gipsy Kings, uma banda de música cigana. E quando estava na faculdade, fui a um show deles no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, com uma grande amiga.

Sempre tive interesse pelos assuntos místicos. Apesar de ser fortemente repreendido e desestimulado por minha mãe, minha obstinação pelas coisas “ocultas” nunca deixou de existir. É lógico que tive pessoas que contribuíram muito para essa jornada de encontro ou reencontro com esses elementos. Meu avô Armando estimulou silenciosamente minha identificação. Participou muitos anos da Rosacruz e do Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento, duas entidades esotéricas, cheias de cursos e literaturas avançadas. Lembro-me dele rezando comigo, todas as noites, antes de dormir, silenciosamente lendo o Evangelho. Minha tia e madrinha também foi uma delas. Lá pelos meus onze anos de idade ela me presenteou com uma matrícula na Ordem Rosacruz; foi ela também que me deu o primeiro pêndulo de estanho e me apresentou vários livros e escritos sobre esses assuntos.

Foi também nessa idade que adquiri o meu primeiro Tarô de Marselha. Costumava levar o meu pêndulo na escola e me reunia com algumas amigas interessadas. Lembro-me como se fosse hoje quando vi o Tarô nas mãos de uma delas e prontamente ofereci trocar o pêndulo pelo baralho. Muito rapidamente comecei a ler as cartas para amigas e vizinhas; e minha fama de “tarólogo” se espalhou pela vizinhança. Proporcionalmente à minha fama, cresceu a ira de minha mãe, que tratou de proibir minha cartomancia, fazendo com que eu jogasse fora o meu baralho.

Mas a inquietude da minha alma me fez seguir em frente. Pouco tempo depois, ganhei um novo baralho de minha tia e dessa vez ele ficava escondido. No dia em que minha mãe descobriu, fez com que eu jogasse fora novamente. Dessa vez, sua atitude foi tão violenta, que cheguei a pensar que seria mesmo
a última vez que manusearia cartas de tarô. Pedi a ela que deixasse queimar o baralho, ao invés de simplesmente jogá-lo fora.

Por um curto período de tempo, cheguei a atribuir a essas práticas o mal estar constante em minha casa, e “congelei”. Ainda bem que era um engano meu. O mal estar sempre existiria, com ou sem tarôs.

Continuei minha vida esotérica clandestina por vários anos. Quando estava no colegial, uma amiga trouxe a notícia de que estava indo a uma cigana que lia cartas numa banca de jornal. Tão logo eu soube, lá fui eu conhece-la. Dona Linda era uma cigana de verdade. Usava saia rodada, fita no cabelo e jogava o Baralho Cigano. Passei a levar várias amigas para jogar cartas com ela e, enquanto ela jogava, eu observava. Chegou a jogar pra mim, mas como em todas as vezes que alguém jogava pra mim, não conseguia atingir a profundidade na minha alma. E foi então que comprei o baralho. Nas minhas idas e vindas levando amigas para consultar Dona Linda, ela acabou dizendo que sabia que eu tinha comprado um baralho, que eu não precisava me envergonhar de dizer e que ela iria benze-lo. Nunca mais a vi depois disso. Vendeu a banca de jornal, mudou-se para o interior, mas deixou sua benção de presente.

Daquele momento em diante, esse baralho se tornou o meu “predileto”. Com ele tinha uma intimidade e profundidade nas leituras que não experimentei com nenhum outro. Tarôs de Marselha, Runas, I CHING, baralhos comuns de cartas, gostava de todos eles, mas este era especial.

Numa certa época, comecei a sentir um cheiro de perfume no ar. Era um perfume de mulher, extremamente forte e doce, que me incomodava e não era percebido por outras pessoas. Não sentia o tempo todo, mas quando aparecia, ficava enfurecido. Até que uma grande amiga explicou que esse perfume não era uma manifestação maligna; era a forma de uma entidade demonstrar sua presença protetora, “provavelmente” oriunda das correntes ciganas. Ela me aconselhou a “conversar” com a “dona do perfume”, agradecendo a sua presença e proteção. Fiz isso e o perfume sumiu, aparecendo vez ou outra em “sessões” de cartas.

Um certo dia, comprei uma blusa de lã vermelha num brechó. Estranho ato para alguém como eu, que habitualmente não gostava de vermelho. Mas aquela blusa chamou minha atenção. Naquela época estava frequentando um centro espírita, mas dos ciganos, só ouvia falar. Nunca os tinha visto por lá. Nesse período, o cheiro de perfume voltou a aparecer muito forte, mas não me incomodava mais. Não sei o que ela queria dizer na época, mas além de impregnar o ambiente, o perfume manchou a tal blusa vermelha, bem no centro. Uma mancha enorme, oleosa e perenemente perfumada, que não saía em nenhuma lavagem e com nenhum tipo de produto. Passado algum tempo essa blusa desapareceu. Não sei se perdi ou roubaram, mas nunca mais a vi.

Num dia de atividades no centro espírita, cheguei em casa “possuído”por uma energia muito boa e intensa. Senti o perfume, coloquei música cigana pra ouvir, dancei, brinquei com o baralho e o coloquei no bolso para levar ao centro. Era o prenúncio dessa energia maravilhosa que se aproximava. Chegava a Cigana Gerdi, linda, elegante, tocando seu pandeiro com fitas coloridas. Disse que há tempos esperava por esse encontro, mas que há tempos o povo cigano me acompanhava e me protegia, manifestando a presença com o cheiro do perfume. Disse que sabia que eu lhe trazia algo: mostrei-lhe o baralho e, como Dona Linda, consagrou-o novamente. Através dela, de sua magia, de seu conhecimento, conheci a Cigana que me protege. Disse que seu nome é Lira. Lira Cigana. Não sei se é esse seu nome de fato, mas que ela existe, existe.

Passados alguns anos, como cortinas de teatro em final de espetáculo, minha fé, minhas crenças, aparentemente, se fecharam. Joguei fora tudo o que tinha ligação com as coisas espirituais; troquei os livros espíritas por livros de medicina e psiquiatria; passei a declarar-me ateu aos quatro ventos. Essa penumbra durou cinco anos. Após esse período, passei a ouvir os “chamados”, a receber sinais de que era chegado o momento de ressuscitar minha fé. Na época, acreditava em meu próprio ateísmo. Hoje sei que a fé nunca morreu, ela apenas se guardou e esse desligamento temporário era uma forma de cortar vínculos, de me desligar de coisas e pessoas que me levariam a caminhos errados.

E hoje florescem novamente os caminhos. Particularmente agora, sinto essa vibração positiva, sinto-me inundado por essa energia de luz e amor. Encontrei ciganos e ciganas pelo caminho e uma delas me disse, ao consagrar o meu novo baralho, que o embrulhasse em um lenço vermelho e dourado e que, tanto eu quanto o consulente, o beijasse três vezes antes de usá-lo, reverenciando-o como o “Baralho do Amor”, porque estaria espalhando amor a todos que cruzasse.

Além de todas essas passagens pelo mundo cigano “espiritual”, os acontecimentos na minha vida sempre sugeriram uma identificação com essa “ciganagem”... tantas mudanças de casa, tantas migrações por instituições e trabalhos diferentes... Coisa que só quem realmente tem uma alma cigana pode entender.

E outro dia estava conversando com outra grande amiga e ela me dizia sobre a teoria do psicólogo James Hillman, sobre o Daemon ou Anjo de Guarda. Peço perdão a ela, e sobretudo a ele, pelas possíveis falhas no meu entendimento. Segundo ele, nascemos com esse Daemon, que define nossas vocações, nosso destino, com uma poderosa energia potencial para realizar esses feitos e não importa a criação, a castração, a repressão ou as influências que recebamos, somos sempre impelidos a cumprir nosso destino.

Acho que meu Daemon é ciganíssimo. Inconstante como a paixão, procurando sempre novos caminhos, novas moradas. Esse é meu caminho. Esse é meu destino: seguir sempre em frente, viajando sempre, sem nunca ficar parado.

Sunday, October 18, 2009

PORTABILIDADE OU PUTABILIDADE? (Ou: Como se manter sempre sorridente no País de Lulalá)



“Fiquem rindo, isso é bom!
Suas risadas são tão legais!
 Fiquem rindo, igual a mim!
Eu sou o Bozo o palhaço de todos vocês!” (“1,2,3..Vamos lá”, Tema de Abertura do Programa do Bozo)

Há uma semana fui assaltado. Quase na porta de casa. Levaram meu iphone e trinta reais que tinha no bolso. Muito “bonzinho”, o ladrão não me sequestrou, não me bateu e deixou eu tirar meu “chip”. Eu não consigo entender porque eu pedi pra ele o chip, mas o fato é que ele deixou.

Já fazia quase dois anos que tinha meu iphone. Ganhei de presente de aniversário em 2007, de uma pessoa que amo muito. Além de ser um celular espetacular, era um item muito querido, porque era uma “parte” desse amor que eu carregava comigo. Também tinha a minha “história” dentro dele: emails, fotos, músicas, agenda. Mas nada disso se perdeu. Nem o amor, nem os dados. Santo Back Up!

Cheguei em casa, sobressaltado, com medo, trêmulo. Lá vou eu, “back to basics”: recorro ao meu estoque de celulares, porque antes do iphone eu era um “serial-broker” de celulares. O carinho por ele e a sua resistência física fizeram com que ele sobrevivesse a dois longos e violentos anos.

Peguei um not-so-smart-phone: um HTC que havia pego de bônus da TIM. Passei dias de raiva tentando me relacionar com ele. Botões novos, menu confuso e aquela varetinha encardida pra teclar....Ai, quanta raiva! Tentei comprar um iphone no site da TIM e estava indisponível. Liguei para a central deles, e após longa espera e vários gerundismos, eu pude “estar sendo transferido” para a setor de relacionamento especial, uma espécie de Sala VIP de pessoas que gastam fortunas com contas de celular, como eu. Nessa “sala” fui informado que não havia bônus disponíveis e que não havia iphones para a venda no estoque. O atendente disse que, se eu solicitasse a PORTABILIDADE em outra operadora teria que pagar a multa pela minha INFIDELIDADE (Lógico que ele não disse isso desse jeito).

No mesmo dia fui à loja da operadora CLARO, no Shopping Santa Cruz-Credo. Meus olhos brilharam ao ver a caixinha do iphone, pertinho de mim. Demora, demora, demora, descobri que a demora além da habitual se devia ao fato de que algum FDP comprou linhas telefônicas em meu nome e eu estava bloqueado para compra de novos telefones e que só seria desbloqueado mediante abertura de um protocolo que se resolveria em cinco longos dias e blá,blá,blá.

Não! Eu não suportaria mais cinco dias de HTC! Ontem fui à loja da VIVO, no Shopping Iguatemi. Portabilizei. Comprei. Paguei. Desbloqueei. Fiz SEGURO! Saindo do Shopping, feliz e contente com meu lindo iphone branco, 3GS, 32 GB, recebo ligação da TIM. A atendente declara que recebeu a solicitação de portabilidade e perguntou qual era o motivo de eu querer abandonar a operadora, já que eu era um cliente especial. Disse a ela que eu sabia o quanto eu era especial, porque era eu mesmo que pagava minhas contas enoooooooormes de celular. Especialísismo. Mas que, infelizmente, por uma necessidade absoluta, vital, irascível, de possuir um iphone, não podia mais esperar. Daí ela disse: “os nossos estoques são INSTÁVEIS e naquele momento que eu havia ligado não haviam iphones disponíveis, mas....que nesse exato momento ela estava verificando que havia um modelo 3GS, 32GB, branco, disponível para mim, a CUSTO ZERO, caso eu desistisse da portabilidade.

Disse à “boazinha” que era tarde demais, porque estava, inclusive, falando do meu iphone novíssimo. Ela disse que tinha 48 horas para pensar a respeito. Eu disse novamente que era tarde demais...mas.....uma luz caiu sobre minha pobre mente de escorpião. Disse a ela: “Anota aí: caso vocês queiram me dar DOIS IPHONES A CUSTO ZERO, eu pensaria em cancelar a portabilidade.” Ainda estou aguardando a TIM ligar pra mim de novo. Acredito que eles ligarão. Porque sou um “cliente especial”. Será que sou sortudo? Será que Deus mandou o iphone pra mim? Deus chegou atrasado. Que mágica é essa que faz aparecer iphones da cartola quando eu decido partir e mudar de operadora?

Volto eu a falar sobre a prostituição. Agora sobre a minha própria. A prostituição nossa de cada dia, que nos obriga a trocar de posições o tempo todo, saindo da posição de clientes para nos tornarmos negociadores. Outro dia estava lendo sobre sado-masoquismo (SM). Aprendi pressupostos básicos, como que existem os “Masters” (“TIM”) e os “Slaves” (“EU”). Mas tem aqueles que são “versáteis” no SM e são chamados “SWITCHERS”. Ontem eu resolvi brincar de SWITCHER. Resolvi passar de “cliente” para “negociador”, impondo condições, ditando ordens, chicoteando outros SLAVES, os atendentes masoquistas que sofrem pressões de ambos os lados e são obrigados a agüentar “elogios” provenientes da nossa insatisfação. Falo que "switchei" de cliente para negociodor, porque é quase impossível nos tornarmos Masters. Master é pra "eles". Penso até que essa guerrinha, de negociar e exigir e ameaçar mudar de operadora é autorizada por "eles" para que nos sintamos confiantes e vitoriosos ao conseguirmos o que desejamos: continuar na mesma operadora, com um celular novo e com um novo contrato de fidelidade de 24 meses. É realmente uma vitória? Mas somos nós ou eles os vitoriosos?

E foi por isso que resolvi chamar de “PUTABILIDADE”, o fenômeno estabelecido agora: você pode ir pra onde quiser, desde que pague caro por isso, desde que você migre para um novo Mestre, que oferece “TRICK or TREATS” no começo, pra depois distribuir chicotadas, na forma de tarifas, problemas de conexão, entre outras mazelas...

Sim, somos prostitutos da sociedade de consumo. Somos todos “putáveis”, pagando altos preços pela tal liberdade, pelo direito de ir pra onde quisermos, desde que paguemos, paguemos e paguemos. Cara de palhaço, pinta de palhaço....

Friday, October 09, 2009

FESTAS, FESTEIROS, FESTIVOS, FESTÃO... (PARTE II) AGORA NÃO MAIS MERDA!


Minha fin(a)da analista, e acredito que todos os analistas, crêem num sagrado conceito-Deus-pai-todo-poderoso: quando você fala de alguém, está falando de você. Não sei se é sempre verdade, até porque só existem duas verdades verdadeiramente verdadeiras na vida: nascemos em um dia e, num outro, morremos. O resto, como disse o apresentador do Spazzio Silencio no filme Mulholland Drive (aka “Cidade dos Sonhos”), e mais um montão de gente na história da humanidade, é tudo uma ilusão.

Há exatamente um mês (e só me dei conta ao verificar a data hoje) eu estava puto com as festas. Não exatamente com as festas, mas com os festejadores, porque acabavam tornando chatas as festas. Tinha até decidido parar de frequenta-las, junto com a difícil tarefa de parar de expressar opiniões verdadeiras (ácidas, mas verdadeiras).

Freud (ou algum freudólatra) falou, em algum livro ou seminário aí, que podemos ter “insights tardios”, mesmo depois de concluído ou interrompido um processo de análise. E eu bem sei que isso é verdade. Já tive vários. Acho que fazer análise é como usar drogas. Vício. Vício. Vício. Eu estou “limpo” de análise ultimamente, mas não sei quando vou recair. E como todo bom alucinógeno, a psicanálise também proporciona “flashbacks”. E hoje estou tendo uma dessas coisas, ao pensar que, quando falava “mal” das pessoas, não estava exatamente vendo nelas “defeitos” que eram meus, mas estava, creio eu, exteriorizando a minha insatisfação com as coisas do mundo, com as incoerências na vida das pessoas e, é claro, na minha vida.

Hoje eu encontrei o último recibo de pagamento da minha analista. Uma nota preta. Mas hoje eu penso em como valeu cada tostão. Sobretudo pela possibilidade de experimentar esses “long lasting psychoanalytical side effects”. Sim, eu estava insatisfeito. Sim, eu continuo insatisfeito. Sim, vou fazer o possível pra ficar calado sobre meus pensamentos. Esse é o incrível insight. Quando eu era pequeno, era proibido de falar, de expressar minhas opiniões, de vários modos. Com isso, aprendi a desenvolver um contentamento com o segredo (e esse era um real segredo, posto que somente eu sabia). Eu pensava coisas sobre as pessoas e me contentava em esperar o orgástico momento de “descobrir” que eu estava certo sobre aquilo. À medida que cresci, e depois de muita análise, fui me sentindo mais livre, mais senhor dos meus desejos e passei a falar “quase” tudo que pensava, sobre tudo e sobre todos. E hoje descubro que o velho-menino-eu era muito mais sábio. E muito mais feliz. Sim, eu divirto várias pessoas com minhas histórias. Mas também irrito várias delas. Não, não há como voltar atrás. Já arrebentei portões e quebrei vidraças. Destruí telhados. Sim, eu me arrependo, mas, como disse o pai do Oliver em “Sunshine”: “amar é não ter que pedir perdão”. E eu me amo o suficiente pra saber o quanto meu arrependimento já está recheado de “perdonames”.

E então está chegando o meu aniversário. E foi então que decidi fazer as pazes com as festas e com os vários festeiros. Quero fazer um festão. Quero comemorar, não somente mais um ano de vida, mas uma vida inteira. A vida, o viver, o amor, as pessoas que legais que estão ao meu redor. É claro que, como eu continuo sendo eu, continuarei pensando e notando e observando as coisas, as pessoas e os passos delas. Mas evitarei falar sobre o que eu descobrir.

Recentemente um amigo disse que reclamo de barriga cheia. Fiquei bravo com ele. Mas eu tenho que reconhecer que ele estava com a razão. Reclamo mesmo. E acho que faço parte de um imenso grupo de pessoas (aka “A Humanidade”), que nunca está satisfeito, que está sempre devendo, que acha sempre que falta um pedaço. Outro dia li um texto do Viktor Frankl, sobre os males contemporâneos, como a “droga” e a “depressão”. Ele explicava que esses males advinham da falta de sentido da vida atualmente. Somos levados a querer coisas que nem sabemos para que servem. E quando conquistamos, não tem graça. E daí passamos a desejar uma outra coisa ou, como a droga, uma outra “dose”.

Mas eu não quero mais viver desse jeito. E por esse motivo vou me reunir com meus amigos, comemorar, dançar, dar risada, agradecer à possibilidade de estar vivo, saudável, lúcido, realizado. Um brinde à vida!

Saturday, October 03, 2009

OS BAÚS DOS NOSSOS TESOUROS








“Eu vi um menino correndo
, eu vi o tempo brincando ao redor
 do caminho daquele menino,
eu pus os meus pés no riacho.
E acho que nunca os tirei.
O sol ainda brilha na estrada que eu nunca passei.” (Força Estranha, Roberto Carlos)

“ (…) Quando eu era menino, falava como um menino, sentia como menino.Quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino. Porque agora vemos como um espelho, obscuramente, e então veremos face a face; agora conheço em parte, e então conhecerei como sou conhecido. (…)” (Epístola de Paulo aos Coríntios)

“Se você pretende saber quem eu sou / Eu posso lhe dizer / Entre no meu carro e na estrada de Santos / Você vai me conhecer / Você vai pensar que eu nao gosto nem mesmo de mim /E que na minha idade / Só a velocidade anda junto a mim/ Só ando sozinho / E no meu caminho / O tempo é cada vez menor/ Preciso de ajuda, por favor, me acuda / Eu vivo muito só / Se acaso numa curva eu me lembro do meu mundo / Eu piso mais fundo,corrijo num segundo / Não posso parar.” (As curvas da estrada de Santos,Roberto Carlos)

Eu não sei se era bom ser menino, ser criança. Mas tenho algumas boas passagens em minha mente que talvez tenham eternizado uma sensação de que a infância é ou pode ser potencialmente boa. Eu me lembro quando viajava pela BR116 com meus avós. Era muito pequeno, mas ainda me vejo em pé, no meio deles, segurando a orelha de cada um, como se tivesse preso a fios de vida. Também me recordo do dia em que consegui andar de bicicleta sem rodinhas, pela primeira vez. Era uma Caloi azul-marinho. Foi em Peruíbe, lá pelo ano de 1979. Eu ainda sinto no peito aquela taquicardia boa, aquele vento na cara, aquela sensação de liberdade quando eu corria pela rua da casa de praia do meu avô, deixando todos para trás, como se não fosse voltar nunca mais.

Lá pelos meus seis ou sete anos, pedia para minha mãe que me desse uma irmãzinha. Quando minha mãe anunciou que estava grávida, não só fiquei cheio de felicidade como tinha a certeza que minha irmãzinha estava chegando. E era por isso que já tinha o nome dela guardado: “Luciana”, que quer dizer “Luz”. Acho que era isso que eu esperava: alguém que trouxesse luz para minha vida. Acho que era por isso que a amava tanto, era por isso que cantava “Como é grande meu amor por você” para ela dormir.

Como nem só de passado se vive, mais contemporaneamente, fui buscar meu afilhado Pedrinho no dia do seu aniversário para passear. Quem já me ouviu falar dele sabe o quanto o amo, e o quanto senti esse amor quando o vi pela primeira vez na maternidade. E meu coração derreteu quando ele veio ao meu encontro, pulou nos meus braços e encostou a cabeça no meu ombro, como se encontrasse acalanto, aconchego, amor.

Apesar da minha infância não ter sido integralmente boa, eu guardo essas memórias numa caixinha dourada do meu coração e, vez ou outra, em dias que as nuvens sombrias da angústia repousam sobre minha cabeça, abro essa caixinha para espantar a escuridão e, quando mesmo assim ela não se dissipa, escondo-me dentro dela e fecho a porta. Fico lá eu, sozinho, no meio de todo aquele brilho, como se fosse um útero sagrado.

Hoje, por conta da existência nos meus sobrinhos, Pedro e Felipe, acredito que se pode ter uma infância boa e faço de tudo para contribuir com as moedas de ouro na caixinha deles.

É engraçado como escrever, recontando as memórias tem poder sobre nossa alma. Eu estava disposto a escrever sobre a tristeza, sobre o vazio e a angústia e sobre os sem-teto, a mendicância, a miséria. Eu queria falar sobre as cores negras do mundo e sobre as nuvens rodeando minha cabeça. Mas bastou eu abrir a minha caixinha, e sentir de novo o vento batendo no meu rosto, que as nuvens se dissiparam e, de repente, vejo, nessa madrugada insone, o sol da luz da caixinha se abrindo em minha vida.

Estou aqui em Manhattan, cheio de coisas estranhas acontecendo. Ontem andava de metrô com meu amigo Marcelo e lembrei da origem do meu nome. “Martelo”, ele disse. “Vindo de Marte”, retruquei. Noves fora, um martelo vindo de marte é um marciano teimoso. Um dia me disseram que eu tinha vindo de outro planeta e que, na outra vida, havia abandonado o ofício de curador para sair andando pelo mundo, feito um eremita. É engraçado como sempre tive essa sensação “estrangeira” e como fez sentido quando ouvi tudo isso da boca de um espírito.

Sempre gostei de caixinhas. Tenho várias delas, mas a mais bonita de todas é uma chinesa, de marchetaria, que herdei de uma tia. E já faz alguns anos, guardo moedas de todos os lugares por onde passo, dentro dela. E toda vez que venho a Nova Iorque, saio catando moedas de um centavo que encontro pela rua. Tenho paixão por moedas. Não como itens de coleção, nem pelo dinheiro que elas valem. Gosto de tê-las na mão, gosto de contá-las e perder a conta várias vezes. Gosto do barulho que elas fazem no bolso da calça. Cheguei aqui há três dias, e já estava achando estranho não encontrar moedas pela rua. Ontem à noite, encontrei umazinha, no chão do bar onde fomos ver o show da Emilie Simon. Interpretei como um sinal de sorte. Verdade ou não, fiquei muito feliz ao vê-la tão de perto e poder falar com ela no final.

Hoje estava andando pela rua, numa parte feia e suja da cidade. Atravessei com farol aberto, na frente dos meus amigos, chegando ao outro lado da rua. Pensei: “nossa, não estou achando nenhuma moeda ultimamente”. Bati o olho numa coluna de ferro do viaduto e encontrei, num buraquinho, umas vinte moedas de um centavo. Olhei para os dois lados, como quem atravessa a rua e enchi a mão com as moedas. Saí feliz e contente com o presente que recebi da vida.

Outro dia falei do meu pai, Xangô. Talvez seja ele que tenha me dado o martelo... Mas ao falar de caixinhas, riquezas, moedas e amor, sinto que devo falar de minha mãe, Oxum. Lembro-me que, já faz alguns anos, fui a uma “saída de santo” num terreiro de candomblé. Não conhecia nada daquilo, mas fiquei maravilhado ao ver aquela senhora, vestida com panos dourados luxuosos, rodando com uma gamela na cabeça. E após a dança, “Dona” Oxum se sentou num banco de madeira e se pôs a servir de vatapá os seus súditos. Ajoelhei-me diante dela e pedi a bênção, como foi recomendado. E ela tomou minhas mãos, beijando-as, serviu-me do vatapá e me presenteou com um ovo cozido. Todos os frequentadores do centro ficaram surpresos e me saudaram por ter recebido esse presente da Deusa. Na época, entendi apenas como um sinal de sorte. Era como se ela me dissesse que aquela fase difícil iria passar. E, de fato, passou. Passado algum tempo, achei que ela quis dizer que o amor estava pra chegar. Não apenas o amor carnal, mas o amor próprio, o resgate da minha própria vida através desse amor. E, certamente, tudo isso aconteceu. Depois concluí, como ouvi de muitos, que ela dava os ovos aos seus filhos. Na época eu não a reconheci como minha mãe, mas ela me reconheceu como filho. No final, acho que esse ovo teve múltiplos significados. Acho que ele é igualzinho à minha caixinha, que guarda uma moeda-gema em seu interior.

Acho que somos “ovos-caixinhas” e podemos nos sentir duros, cascudos e até sujos por fora, mas somos, no fundo, ouro puro de amor por dentro.