CIGANOS,MINHA ORIGEM,MEU DESTINO

“Mandei fazer um baralho de ouro / Para a Cigana jogar / Você apostou no Valete / E eu escolhi a Dama / Amigo, você não me engana / Mas ela é Pomba-Gira Cigana”
Sempre gostei dos ciganos. Naturalmente. Instintivamente. Quando criança, gostava de ouvir Sidney Magal cantando “Cigana Sandra Rosa Madalena”. Eu sei, não é suficiente... Quase todo mundo gostava... Lá pela minha adolescência, veio a moda dos Gipsy Kings, uma banda de música cigana. E quando estava na faculdade, fui a um show deles no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, com uma grande amiga.
Sempre tive interesse pelos assuntos místicos. Apesar de ser fortemente repreendido e desestimulado por minha mãe, minha obstinação pelas coisas “ocultas” nunca deixou de existir. É lógico que tive pessoas que contribuíram muito para essa jornada de encontro ou reencontro com esses elementos. Meu avô Armando estimulou silenciosamente minha identificação. Participou muitos anos da Rosacruz e do Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento, duas entidades esotéricas, cheias de cursos e literaturas avançadas. Lembro-me dele rezando comigo, todas as noites, antes de dormir, silenciosamente lendo o Evangelho. Minha tia e madrinha também foi uma delas. Lá pelos meus onze anos de idade ela me presenteou com uma matrícula na Ordem Rosacruz; foi ela também que me deu o primeiro pêndulo de estanho e me apresentou vários livros e escritos sobre esses assuntos.
Foi também nessa idade que adquiri o meu primeiro Tarô de Marselha. Costumava levar o meu pêndulo na escola e me reunia com algumas amigas interessadas. Lembro-me como se fosse hoje quando vi o Tarô nas mãos de uma delas e prontamente ofereci trocar o pêndulo pelo baralho. Muito rapidamente comecei a ler as cartas para amigas e vizinhas; e minha fama de “tarólogo” se espalhou pela vizinhança. Proporcionalmente à minha fama, cresceu a ira de minha mãe, que tratou de proibir minha cartomancia, fazendo com que eu jogasse fora o meu baralho.
Mas a inquietude da minha alma me fez seguir em frente. Pouco tempo depois, ganhei um novo baralho de minha tia e dessa vez ele ficava escondido. No dia em que minha mãe descobriu, fez com que eu jogasse fora novamente. Dessa vez, sua atitude foi tão violenta, que cheguei a pensar que seria mesmo
a última vez que manusearia cartas de tarô. Pedi a ela que deixasse queimar o baralho, ao invés de simplesmente jogá-lo fora.
Por um curto período de tempo, cheguei a atribuir a essas práticas o mal estar constante em minha casa, e “congelei”. Ainda bem que era um engano meu. O mal estar sempre existiria, com ou sem tarôs.
Continuei minha vida esotérica clandestina por vários anos. Quando estava no colegial, uma amiga trouxe a notícia de que estava indo a uma cigana que lia cartas numa banca de jornal. Tão logo eu soube, lá fui eu conhece-la. Dona Linda era uma cigana de verdade. Usava saia rodada, fita no cabelo e jogava o Baralho Cigano. Passei a levar várias amigas para jogar cartas com ela e, enquanto ela jogava, eu observava. Chegou a jogar pra mim, mas como em todas as vezes que alguém jogava pra mim, não conseguia atingir a profundidade na minha alma. E foi então que comprei o baralho. Nas minhas idas e vindas levando amigas para consultar Dona Linda, ela acabou dizendo que sabia que eu tinha comprado um baralho, que eu não precisava me envergonhar de dizer e que ela iria benze-lo. Nunca mais a vi depois disso. Vendeu a banca de jornal, mudou-se para o interior, mas deixou sua benção de presente.
Daquele momento em diante, esse baralho se tornou o meu “predileto”. Com ele tinha uma intimidade e profundidade nas leituras que não experimentei com nenhum outro. Tarôs de Marselha, Runas, I CHING, baralhos comuns de cartas, gostava de todos eles, mas este era especial.
Numa certa época, comecei a sentir um cheiro de perfume no ar. Era um perfume de mulher, extremamente forte e doce, que me incomodava e não era percebido por outras pessoas. Não sentia o tempo todo, mas quando aparecia, ficava enfurecido. Até que uma grande amiga explicou que esse perfume não era uma manifestação maligna; era a forma de uma entidade demonstrar sua presença protetora, “provavelmente” oriunda das correntes ciganas. Ela me aconselhou a “conversar” com a “dona do perfume”, agradecendo a sua presença e proteção. Fiz isso e o perfume sumiu, aparecendo vez ou outra em “sessões” de cartas.
Um certo dia, comprei uma blusa de lã vermelha num brechó. Estranho ato para alguém como eu, que habitualmente não gostava de vermelho. Mas aquela blusa chamou minha atenção. Naquela época estava frequentando um centro espírita, mas dos ciganos, só ouvia falar. Nunca os tinha visto por lá. Nesse período, o cheiro de perfume voltou a aparecer muito forte, mas não me incomodava mais. Não sei o que ela queria dizer na época, mas além de impregnar o ambiente, o perfume manchou a tal blusa vermelha, bem no centro. Uma mancha enorme, oleosa e perenemente perfumada, que não saía em nenhuma lavagem e com nenhum tipo de produto. Passado algum tempo essa blusa desapareceu. Não sei se perdi ou roubaram, mas nunca mais a vi.
Num dia de atividades no centro espírita, cheguei em casa “possuído”por uma energia muito boa e intensa. Senti o perfume, coloquei música cigana pra ouvir, dancei, brinquei com o baralho e o coloquei no bolso para levar ao centro. Era o prenúncio dessa energia maravilhosa que se aproximava. Chegava a Cigana Gerdi, linda, elegante, tocando seu pandeiro com fitas coloridas. Disse que há tempos esperava por esse encontro, mas que há tempos o povo cigano me acompanhava e me protegia, manifestando a presença com o cheiro do perfume. Disse que sabia que eu lhe trazia algo: mostrei-lhe o baralho e, como Dona Linda, consagrou-o novamente. Através dela, de sua magia, de seu conhecimento, conheci a Cigana que me protege. Disse que seu nome é Lira. Lira Cigana. Não sei se é esse seu nome de fato, mas que ela existe, existe.
Passados alguns anos, como cortinas de teatro em final de espetáculo, minha fé, minhas crenças, aparentemente, se fecharam. Joguei fora tudo o que tinha ligação com as coisas espirituais; troquei os livros espíritas por livros de medicina e psiquiatria; passei a declarar-me ateu aos quatro ventos. Essa penumbra durou cinco anos. Após esse período, passei a ouvir os “chamados”, a receber sinais de que era chegado o momento de ressuscitar minha fé. Na época, acreditava em meu próprio ateísmo. Hoje sei que a fé nunca morreu, ela apenas se guardou e esse desligamento temporário era uma forma de cortar vínculos, de me desligar de coisas e pessoas que me levariam a caminhos errados.
E hoje florescem novamente os caminhos. Particularmente agora, sinto essa vibração positiva, sinto-me inundado por essa energia de luz e amor. Encontrei ciganos e ciganas pelo caminho e uma delas me disse, ao consagrar o meu novo baralho, que o embrulhasse em um lenço vermelho e dourado e que, tanto eu quanto o consulente, o beijasse três vezes antes de usá-lo, reverenciando-o como o “Baralho do Amor”, porque estaria espalhando amor a todos que cruzasse.
Além de todas essas passagens pelo mundo cigano “espiritual”, os acontecimentos na minha vida sempre sugeriram uma identificação com essa “ciganagem”... tantas mudanças de casa, tantas migrações por instituições e trabalhos diferentes... Coisa que só quem realmente tem uma alma cigana pode entender.
E outro dia estava conversando com outra grande amiga e ela me dizia sobre a teoria do psicólogo James Hillman, sobre o Daemon ou Anjo de Guarda. Peço perdão a ela, e sobretudo a ele, pelas possíveis falhas no meu entendimento. Segundo ele, nascemos com esse Daemon, que define nossas vocações, nosso destino, com uma poderosa energia potencial para realizar esses feitos e não importa a criação, a castração, a repressão ou as influências que recebamos, somos sempre impelidos a cumprir nosso destino.
Acho que meu Daemon é ciganíssimo. Inconstante como a paixão, procurando sempre novos caminhos, novas moradas. Esse é meu caminho. Esse é meu destino: seguir sempre em frente, viajando sempre, sem nunca ficar parado.