Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Sunday, April 25, 2010

THE KOSHER BROCKEBACK MONTAIN


Ontem eu assisti o filme “Eyes wide open” (Einaym Pkuhot) , do diretor Haim Tabakman, que ficou com o nome em português de “Os pecados da Carne” e em francês de “Tu n’aimeras point” (Não amarás!). Num comentário no IMDB, um site especializado em filmografias, foi chamado de Brockeback Mezuzah...

Hoje foi o dia de comentar sobre filmes, vídeos, clips, livros de conteúdo gay, homossesual ,pederástico... Porque cada vez mais nos deparamos com filmes de conteúdo gay e atualmente contamos com uma profusão de filmes que discutem o tema... É o caso do filme “Do começo ao fim”, do brasileiro Aluízio Abranches, que trata de dois irmãos, filhos de pais diferentes que vivem uma relação de amor que ultrapassa os limites da simples atração; ou o americano “A single man”, com o ridículo nome em português “Direito de Amar”, de Tom Ford, que trata de um homem maduro que vive a angústia de não poder viver publicamente o luto pelo falecimento de seu companheiro.

“Eyes Wide Open” conta a história de dois homens judeus ortodoxos que se apaixonam e vivem uma história de amor, com todos os problemas provenientes de uma relação dessas num meio “daqueles”: um bairro lotado de judeus “observantes” (é assim que os judeus chamam aqueles que chamamos de ortodoxos...

A primeira coisa que me chamou a atenção sobre o filme foi a diferença entre os títulos nas diferentes línguas. De acordo com uma amiga que fala hebraico, “Einaym Pkuhot”, o titulo original, quer dizer “olhos que não querem ver”que tem contempla bem a idéia do filme. O título em francês, “Tu n’aimeras point” (Não amarás), também retrata a ironia dos impeditivos morais, sacaneando com os dez mandamentos. Mesmo o titulo em portugês, que a princípio me soou ridículo, fez mais sentido ao descobrir, assitindo o filme, que um dos protagonistas da dupla amorosa é dono de um açougue e a primeira cena de amor entre os dois “schlomos” ocorre dentro do frigorífico... Ficou mesmo ridículo o nome em inglês, “Eyes wide open” (De olhos bem abertos) que, além de não ativar no titulo a essência do filme, remete imediatamente ao filme de Kubrick, “Eyes wide shut” (De olhos bem fechados)...

Apesar das controvertidas opiniões, eu adorei o filme. Em primeiro porque o ator que faz o papel do jovem apaixonado pelo homem casado é lindo. Tem cara libidinosa, dessas de safado mesmo. Em segundo, porque é um tema espinhoso e extremamente corajoso por parte do diretor desenvolver um filme que aborda o tema da homossexualidade num meio tão inóspito e homofóbico.

Embora seja um grande admirador da obra do diretor Eytan Fox, até pela forma de abordar a questão da homossexualidade, seja entre os israelitas, como no filme “Delicada relação” (Yossi&Jagger), seja entre raças (Walk on Water, The Bubble), ainda não havia tocado tão contudentemente nesse “pedaço” da cultura judaica e homossexualidade.

Infelizmente, o realismo desse filmes faz ver que os filmes gays podem se dividir em dois tipos fundamentais: os que têm finais felizes, sejam satíricos ou românticos e os “dramas”, sem finais felizes, representando o “estado da arte” da homossexualidade em tantos lugares do mundo, onde a saída do armário ainda custa muito caro e tem um caráter socialmente inconveniente.

Mas é assim que se faz história. Contando, denunciando, retratando. Pois as transformações verdadeiras são possíveis apenas quando encaramos o problema de frente, tal e qual o nome americano para o filme judaico: de olhos bem abertos.

LÚCIFER, A QUEDA DOS ANJOS E OS ANJOS VINGADORES


Tal como Édipo, Lúcifer quis ocupar o trono do seu criador e tornar-se rei ou deus. Foi então que ele caiu e criou, num mundo aparentemente perfeito, o inferno, povoado de pessoas que pensavam como ele, no qual ele poderia ser rei.

Dizem que Lúcifer, cujo nome se traduz por “luz” ou “portador da luz”, era a mais reverenciadas das criaturas de Deus. A ele foi dado, inclusive, um grande cargo lá no céu; ouvi dizer que era o de um Querubim muito importante. Mas ele não queria só isso. Dizem que ele queria o trono do Criador. Ele queria ser Deus. E foi por isso que ele caiu. Despencou lá do céu.

E daí me vem à mente o desenho animado “Caverna do Dragão”, inspirado num jogo de RPG (“Dungeons and Dragons”), onde um grupo de jovens habita um mundo “paralelo”, cheio de perigos e aventuras, guiados pelo Mestre dos Magos, um anãozinho poderoso que representa, simbolicamente, o próprio Deus. Do outro lado, está o Vingador, um cavaleiro negro que tenta sempre atrapalhar o caminho dos jovens. Num dos episódios, o Mestre dos Magos explica aos garotos que, em sua origem, o Vingador já esteve do lado do bem, fazendo uma clara analogia à queda de Lúcifer e o início do Reino das Trevas.

Existem teorias de que a cobiça de Lúcifer gerou-lhe o castigo dado por Deus e o fez cair do céu. No filme “Cidade dos Anjos”, o charmoso Nicolas Cage interpreta um anjo que escolhe “desabar” para ir atrás do amor e de outras delicias terrenas, como chocolate, hambúrguer, beijo e sexo.

Em “Caverna do Dragão”, existem, digamos, dois tipos de mal. O mal causado pelo Vingador, o tal anjo caído e o mal causado por um horroroso e imbatível dragão de sete cabeças. Tão poderoso é esse dragão que, num dado momento, os garotos e o próprio Vingador unem forças para combatê-lo.

Pensar em tudo isso me faz refletir sobre os tão enigmáticos Exus e Pomba-Giras da Umbanda e do Candomblé. Há quem atribua a eles a força do mal e os associe ao Diabo “cristão”, fazendo mal e espalhando maldades pelo mundo. É a eles, inclusive, que muitas pessoas solicitam favores espúrios, como a conquista de um amor, resoluções financeiras e até a morte ou o mal de outrem.

Entretanto, no modo que apreendi os ensinamentos da Umbanda e do Candomblé, eles são linhagens espirituais de energia mais “densa”, ou seja, mais próximos a nós, humanos encarnados e essa proximidade serve para que eles possam “botar a mão na massa”, cuidando de nossos caminhos, protegendo-nos, livrando-nos de algumas dificuldades. A relação com os santos, Orixás ou outro tipo de espíritos mais evoluídos com esses Exus é comparável ao binômio “engenheiro-pedreiro”: o engenheiro comanda, planeja, elabora; mas é pedreiro que executa a obra.

Não há como negar a sua existência. São eles, falando nossa língua, entendendo nossas necessidades, caminhando por nossas estradas que levam nossos “pedidos” aos pés dos Orixás e que executam as “bênçãos” deles. São geralmente espíritos menos evoluídos que escolhem essa função de obreiros para se redimirem de erros e pecados cometidos na vida carnal ou espiritual. E é por isso que são, muitas vezes, ainda carregados de desejos da carne. Álcool, cigarro, vaidades, comidas. É claro que isso pode ser apenas um símbolo, porque essas “coisas” são muitas vezes, elementos de magia, de transmutação de energias, representando os quatro elementos fundamentais da nossa existência.

Mas, se o espírito ainda possui esses “apegos”, é provável que, à medida que ele evolui, fazendo o bem, desfazendo malefícios, criando condições aos seus protegidos para tarefas mais nobres, ele ganha “pontos” e cresce em sua evolução espiritual, gradativamente se desapegando das coisas materiais. Por outro lado, quando mais o espírito serve a causas espúrias, fazendo maldades por solicitações de seus “protegidos”, criando desarmonias e sendo agraciado com itens materiais, como “barganhas” por seus feitos, menor será sua evolução e, mais ainda, maior sua involução, distanciando-se mais e mais de um caminho luminoso.

Tenho visto muita maldade nesse mundo. Mas, muito mais do que a maldade dos espíritos, vejo, percebo, observo como os seres humanos cometem maldades no seu cotidiano, sem ao menos pararem para pensar a respeito, alegando um certo grau de “inconsciência”. Mas, do mesmo jeito funcionam as leis materiais, funcionam as leis espirituais. Não se pode cometer um crime e alegar inconsciência das leis que regem uma determinada sociedade, uma vez que existe um código de regras que regulamenta as atitudes dos homens dentro da sociedade. Eu nunca li o código civil e nem o penal mas, se cometer um crime qualquer, não vale a alegação de que nunca havia lido.

E, mesmo sem códigos escritos, me assustam ainda mais as maldades que burlam os códigos de ética transmitidos pelas gerações, oralmente, mentalmente, telepaticamente. Coisas que sabidamente erradas desde o princípio, mas que são praticadas intencionalmente, deliberadamente, despudoradamente.

Isso não é moralismo; não sou do tipo “higienista”. Mas o ser humano está ultrapassando todos os limites possíveis. E daí temos que concordar com os pensamentos presentes em várias culturas e religiões que professam que nós somos os verdadeiros diabos; que o mal não existe por si só, que nós somos o mal; que nós somos os verdadeiros Exus.... enfim, que o homem é o próprio mal em si e que não existe um mal “externo” que vem e nos prejudica...

Somos Lucíferes, invejosos, vingadores, descontentes, infelizes... Promovendo o próprio infortúnio e fazendo cristos carregarem nossas cruzes para libertarem dos nossos próprios pecados....

Saturday, April 24, 2010

23 DE ABRIL: DIA DE SÃO JORGE GUERREIRO (UM GRANDE PAI PRA MIM E PRA TANTOS OUTROS)


“Eu tenho Sete Espadas prá me defender / Eu tenho Ogum em minha companhia / Ogum é meu Pai / Ogum é meu guia / Ogum é meu Pai / Na Fé de Zambi e da Virgem Maria” (Ponto de Ogum)

É, quem me viu, quem me vê. Pra quem chorava a orfandade, hoje choro a dúvida da paternidade. Não estou falando de bastardias... Sou, como muita gente sabe, órfão de um pai vivo que me quis morto e hoje é morto pra mim. Arranquei de mim o sobrenome, mas hoje, tendo perdoado pela imprudência de ter sido pai tão jovem, tão louco e tão involuntariamente, aceito de bom grado a lista de poucas e valiosas coisas que me deu – involuntariamente – no pacote de seus genes ( ou “dgens”, como diria minha amiga), mas de grande valia em minha existência: seus olhos, seus cabelos, seus traços, seus pêlos. Sim, sou hoje um fruto amadurecido dessa árvore crua.

Falo do sentimento perene do abandono paterno. Mas hoje, sinto que essa perenidade findou-se. Sempre sem escolha, adotei e fui adotado por um pai-avô que me desejou, que me criou e que me amou, sem cobrança, sem pagas, sem coitas. Mas o buraco da rejeição sem escolha nunca era tapado por essa paternidade compensatória, mesmo sendo muito melhor que a primeira, frustra e podre. Acho que perdi alguns preciosos momentos, anos talvez, querendo esse pai que nunca me quis e deixando meio de lado esse pai que sempre esteve ao meu lado e dentro de mim.

E hoje me vejo rodeado de pais que aparentemente escolhi mas que, na verdade, me escolheram. Como com todo filho de um pai, eles eram meus pais muito antes de ser filho deles. Pai-de-Santo, Xangô, Oxalá, Ogum, Caboclos, Pretos-Velhos, Baianos, Exus. Uma complexa rede de “pais e mestres” bem debaixo das minhas barbas.

É lógico que algumas vezes sinto a falta desse “abraço paterno” tão pouco ofertado e tão pouco recebido em minha vida. Sinto falta de meu avô, sinto falta de abraça-lo. É possível que, de acordo com as minhas crenças, ele esteja por perto, me amparando e me abraçando “espiritualmente”, mas há momentos em que realmente sinto a necessidade física de que ele estivesse aqui, ao meu lado, me abraçando e me aconselhando, como os pais fazem com seus filhos.

E nesse dia vinte e três de abril, festa de Ogum, vi várias vezes oscilando meu pensar, ora querendo que a chegada desse cavaleiro fosse o advento desse tão esperado pai em minha vida, desse homem que chegasse para me amparar, me defender; ora sentindo a sua chegada como o Pai espiritual que está sempre me protegendo e que esteve sempre por perto, como a simples reafirmação da sua constante presença.

Se é verdade que Xangô não gosta da morte e que abandona seus filhos quando estão prestes a fazer a “viagem”, que ele me confie a Ogum, o Cavaleiro de Aruanda, e que eu possa montar em seu cavalo branco, para ir de encontro à morada de meu avô. Sei que vai demorar, até porque ainda tenho muitas viagens antes dessa. Mas é reconfortante imaginar o velho Armando me esperando, de braços abertos, na porta daquele céu, cheio de estrelas.

Sunday, April 04, 2010

MONTE (DE BOSTA) VERDE


Feriado de Páscoa. Três dias “fora do ar”. Estava planejando ir para o Rio de Janeiro, já tinha feito minha lista de afazeres, restaurantes a visitar... Praia, piscina, piscina, praia, biscoito globo... Mas, por incompetência de uma agente de viagens, as passagens ficaram caras de mais, perdi as tarifas boas do hotel e acabei desistindo da cidade maravilhosa. É maravilhosa, mas Rio com precinho de Miami é muito desperdício.

Um grupo de amigos estava se arranjando para ir a Monte Verde e eu, ingênuo paulista ávido por sair de São Paulo no feriado, topei a empreitada. Sempre quis conhecer a cidade. Ouvia falar bem, muita gente me perguntava se eu já havia ido e, ao saberem que não conhecia, respondiam em coro paralelo: “Você precisa ir; vai amar”. Tanto é que acreditei. Um dos engodos das vida, daqueles que não é chique desgostar, como Praga, Ingmar Bergman e Risotteria Alessandro Segatto.

A viagem de ida já dava “sinais intuitivos” da coisa toda: Rodovia Fernão Dias interditada, tivemos que desviar o caminho pela Anhanguera, depois Campo Limpo Paulista, Rodovia Dom Pedro, Fernão dias e uma cansativa, barroquenta e esburacada estrada de terra. No caminho vi uma coisa inédita: as plantas ficavam todas marrons, cobertas do pó da estrada. É claro que podemos encontrar beleza em tudo e, no caminho, passando pela estradinha de Campo Limpo Paulista, parei para fazer um xixi básico. Encontrei um pequeno bar, numa casinha de madeira, comandado por um casal. Comi um delicioso pastel de bacalhau. Nem posso dizer onde ficava, porque já esqueci o caminho.

Chegando na cidade, a decepção. Total. Irresoluta. Já tinha ouvido falar que era uma cidade “de primeira”, daquelas que acabam ao engatarmos a “segunda”, mas... era bem menos que isso. Diria uma cidade de ponto-morto. Isso porque, em primeiro lugar, havia, na única rua central, um engarrafamento de carros, pessoas, cavalos, motocruzes e ônibus de excursão. Nessa única rua, um emaranhado de lojinhas de artesanato, chocolates, lãs, licores-de-garrafa-de-refrigerante, bordados, sabonetes perfumados e inúmeros restaurantes com (péssima) música ao vivo. Tudo muito caro: feira de acari com preço de Campos de Jordão. Paramos num desses restaurantes para encontrarmos nossos amigos. É claro que qualquer ambiente que tem comida boa, cerveja e bom papo, fica legal e ali passamos muitas horas de todo o dia.

Uma amiga recomendou uma pousada chamada Ana Terra, que de fato era muito bonita, mas como tudo por lá, não valia o preço que cobrava. Tudo novinho, bem construído, mas me chamou atenção alguém construir uma linda pousada no meio das montanhas, a mil e seiscentos metros de altitude, com uma vista fantástica e não colocar uma varanda nas suítes. Pelo contrário: fez questão de colocar as portas de todas as suítes voltadas umas para as outras, num corredor florido. Quando passava minhas férias em Campos do Jordão, adora abrir a janela pela manhã e ver as montanhas, sentir o cheiro de mato e ouvir os pássaros cantar. Talvez tivesse gostado mais dela se os dias não estivessem chuvosos e pudesse usufruir da piscina, da jacuzzi...

Um outro problema da pousada: além de cara para caraca, ficava muito longe da magnífica cidade, no meio de muita barroca, buracos e pirambeiras. Rezei muito para o carro atolar, mas não adiantou... Até carro eu empurrei.

No dia seguinte, repetimos a Via Crucis: ir para o “centro” para arranjar algum lugar (bar) para ficar. Alguns dos nossos amigos queriam fazer aqueles típicos passeios dessas cidades montanhosas, como andar a cavalo ou de 4X4 ou...conhecer o fabuloso rinque de patinação local. Graças ao bom Deus a chuva azarou essas atividades e iniciamos a peregrinação aos incríveis bares da cidade. Com chuva ou sem chuva, notei que a ruazinha do centro fedia a esgoto. Os bueiros, o córrego que ladeava um dos restaurantes, tudo fedia muito, muito esgoto. E esse cheiro, com a chuva e a rua enlameada, dava um toque especial ao sábado de feriado. Entramos num restaurante que ficava numa sobreloja de um dos inúmeros mini-shoppings locais. Cafona, com flores de plástico e toalhas de plástico nas mesas, serviram cerveja e sucos sem gelo. Ao nosso lado, ficava parado um centurião, com cara de “patzo”. Quando reclamamos para ele da falta de gelo das bebidas, ele respondeu, com aquela cara de truta morta: “Só tem essa. Acabamos de colocar na geladeira”. E soou o gongo. Fomos embora.

Num outro restaurante em frente, pedimos uma mesa para doze pessoas, na parte interna do restaurante, como estratégia para ouvir menos a música. Morri de medo desse, porque o cantor andava com o violão e um microfone sem fio pelo restaurante. Até pensei em oferecer o dobro do couvert artístico, para que ele não fosse até nossa mesa. Fomos embora após o garçom soar o gongo: disse que só montavam mesas com, no máximo, seis pessoas. Será que preciso explicar que o restaurante estava vazio?

Fomos para um terceiro, já um pouco irritados. Era justamente o restaurante que beirava o córrego da cidade. Seu nome... Beira-bosta? Beira-rio? Restaurante do Lago? Esqueci. Mas não poderia me esquecer de dizer que foi o melhor lugar que fomos na cidade. A garçonete foi muito atenciosa, montou nossa mesa de doze pessoas, serviu-nos prontamente... A comida era boa e a música recebia uma nota de suportável a boa... Enfim, conseguimos passar dez horas nesse bar... jogando truco, damas, falando bobagem... Parecia que estávamos em casa. Se tiver a infeliz idéia de ir a “Monte”, visite esse local. É só procurar o lago fedido. Fica do ladinho.

Saindo de lá, uma de nossas amigas estava “seca” para comer fondue, uma coisa típica desses lugares montanhosos. Aliás, o que mais acho divertido nesses lugares é ver as pessoas com gorros, luvas, casacos de couro e lã, como se estivessem nos Alpes Suíços. Isso acontece em todo lugar montanhoso no Brasil, até mesmo na Serra da Cantareira: inverno ou verão, o dress-code é sempre de neve. E com essa roupa toda, nada melhor do que comer fondue (ou “fundi”, como dizem os corintianos...).

Depois te tantas decepções, ficamos com medo de sair daquele restaurante. Mas achamos que, se ficássemos por lá, teríamos que fazer um “rito de passagem”: pagar a conta, sair de lá e entrar novamente, pela porta da frente, com a mesa arrumada. Mas nossa amiga queria um lugar aconchegante, com uma “atmosfera romântica” e eles recomendaram o restaurante em frente, que era do mesmo dono, como outros quatro ou cinco outros na rua.

E lá fomos nós, para o capítulo do fondue. Um clima ultra romântico, com projetor e telão, castiçais de copo de gelatina cheios de sal grosso e uma vela branca espetada. Um “chiquê”.
Coisa curiosa nessa cidade, algo que eu nunca vi em nenhuma “estância climática” do mundo: rodízio de fondue. Uma rodada de queijo, uma rodada de carne (alcatra, lombo, linguiça e frango) e uma rodada de chocolate. Quarenta paus por pessoa. Se quizesse picanha e oito frutas, era cinquenta. Decidimos que picanha e fondue nunca devem dar as mãos, mesmo correndo o risco de comer apenas “frutas da época” no fondue de chocolate (leia-se banana, laranja e mamão). Vinho francês climatizado no balde de gelo e carnes fritando na chapa... assim foi nossa romântica noite de despedida de Monte...

Ah... Nem tudo foi horroroso. A companhia dos amigos, o bar ao lado do córrego de cocô, as trutas no restaurante sem sobremesa. Conheci uma doceria, chamada Gressoney, que fabrica um alfajor fake e uma havanet fake com uma massinha de pão-de-mel deliciosos. Também comprei queijo curado, doce de nata, doce de leite, goiabada, requeijão mineiro, coisas que eu não precisava ter ido até lá pra comprar, mas já que lá estava... Também fiz descobertas interessantes: cheia de araucárias, a região é campeã em vender pinhões por onde se passa. Sempre soube que os pinhões tinham algo a ver com as pinhas, mas nunca soube que as pinhas eram pinhões falidos. E nunca soube que os pinhões vinham todos juntos como uma jaca e não pendurados individualmente nos galhos. Daí conectei tudo: cada hastezinha da pinha é um finado pinhãozinho....

Pensei muito antes de escrever sobre essa viagem. Tinha até desistido e não fosse a insônia dominical, talvez não escreveria. Fiquei cheio de pudores, pensando nas pessoas que gostam daquele lugar e nos cidadãos monteverdenses. Será que se ofenderão? Mas depois refleti e, já que a Constituição brasileira nos garante a liberdade de expressão, por que não? Porque daí pensei nas pessoas que nunca foram e que, como eu, tinham uma ilusão de que fosse um lugar lindo, especial. É claro que de ilusão também se vive, mas se quer ter uma bela ilusão, vá pra São Francisco Xavier, São Bento do Sapucaí, Santo Antonio do Pinhal ou Campos do Jordão....