
Feriado de Páscoa. Três dias “fora do ar”. Estava planejando ir para o Rio de Janeiro, já tinha feito minha lista de afazeres, restaurantes a visitar... Praia, piscina, piscina, praia, biscoito globo... Mas, por incompetência de uma agente de viagens, as passagens ficaram caras de mais, perdi as tarifas boas do hotel e acabei desistindo da cidade maravilhosa. É maravilhosa, mas Rio com precinho de Miami é muito desperdício.
Um grupo de amigos estava se arranjando para ir a Monte Verde e eu, ingênuo paulista ávido por sair de São Paulo no feriado, topei a empreitada. Sempre quis conhecer a cidade. Ouvia falar bem, muita gente me perguntava se eu já havia ido e, ao saberem que não conhecia, respondiam em coro paralelo: “Você precisa ir; vai amar”. Tanto é que acreditei. Um dos engodos das vida, daqueles que não é chique desgostar, como Praga, Ingmar Bergman e Risotteria Alessandro Segatto.
A viagem de ida já dava “sinais intuitivos” da coisa toda: Rodovia Fernão Dias interditada, tivemos que desviar o caminho pela Anhanguera, depois Campo Limpo Paulista, Rodovia Dom Pedro, Fernão dias e uma cansativa, barroquenta e esburacada estrada de terra. No caminho vi uma coisa inédita: as plantas ficavam todas marrons, cobertas do pó da estrada. É claro que podemos encontrar beleza em tudo e, no caminho, passando pela estradinha de Campo Limpo Paulista, parei para fazer um xixi básico. Encontrei um pequeno bar, numa casinha de madeira, comandado por um casal. Comi um delicioso pastel de bacalhau. Nem posso dizer onde ficava, porque já esqueci o caminho.
Chegando na cidade, a decepção. Total. Irresoluta. Já tinha ouvido falar que era uma cidade “de primeira”, daquelas que acabam ao engatarmos a “segunda”, mas... era bem menos que isso. Diria uma cidade de ponto-morto. Isso porque, em primeiro lugar, havia, na única rua central, um engarrafamento de carros, pessoas, cavalos, motocruzes e ônibus de excursão. Nessa única rua, um emaranhado de lojinhas de artesanato, chocolates, lãs, licores-de-garrafa-de-refrigerante, bordados, sabonetes perfumados e inúmeros restaurantes com (péssima) música ao vivo. Tudo muito caro: feira de acari com preço de Campos de Jordão. Paramos num desses restaurantes para encontrarmos nossos amigos. É claro que qualquer ambiente que tem comida boa, cerveja e bom papo, fica legal e ali passamos muitas horas de todo o dia.
Uma amiga recomendou uma pousada chamada Ana Terra, que de fato era muito bonita, mas como tudo por lá, não valia o preço que cobrava. Tudo novinho, bem construído, mas me chamou atenção alguém construir uma linda pousada no meio das montanhas, a mil e seiscentos metros de altitude, com uma vista fantástica e não colocar uma varanda nas suítes. Pelo contrário: fez questão de colocar as portas de todas as suítes voltadas umas para as outras, num corredor florido. Quando passava minhas férias em Campos do Jordão, adora abrir a janela pela manhã e ver as montanhas, sentir o cheiro de mato e ouvir os pássaros cantar. Talvez tivesse gostado mais dela se os dias não estivessem chuvosos e pudesse usufruir da piscina, da jacuzzi...
Um outro problema da pousada: além de cara para caraca, ficava muito longe da magnífica cidade, no meio de muita barroca, buracos e pirambeiras. Rezei muito para o carro atolar, mas não adiantou... Até carro eu empurrei.
No dia seguinte, repetimos a Via Crucis: ir para o “centro” para arranjar algum lugar (bar) para ficar. Alguns dos nossos amigos queriam fazer aqueles típicos passeios dessas cidades montanhosas, como andar a cavalo ou de 4X4 ou...conhecer o fabuloso rinque de patinação local. Graças ao bom Deus a chuva azarou essas atividades e iniciamos a peregrinação aos incríveis bares da cidade. Com chuva ou sem chuva, notei que a ruazinha do centro fedia a esgoto. Os bueiros, o córrego que ladeava um dos restaurantes, tudo fedia muito, muito esgoto. E esse cheiro, com a chuva e a rua enlameada, dava um toque especial ao sábado de feriado. Entramos num restaurante que ficava numa sobreloja de um dos inúmeros mini-shoppings locais. Cafona, com flores de plástico e toalhas de plástico nas mesas, serviram cerveja e sucos sem gelo. Ao nosso lado, ficava parado um centurião, com cara de “patzo”. Quando reclamamos para ele da falta de gelo das bebidas, ele respondeu, com aquela cara de truta morta: “Só tem essa. Acabamos de colocar na geladeira”. E soou o gongo. Fomos embora.
Num outro restaurante em frente, pedimos uma mesa para doze pessoas, na parte interna do restaurante, como estratégia para ouvir menos a música. Morri de medo desse, porque o cantor andava com o violão e um microfone sem fio pelo restaurante. Até pensei em oferecer o dobro do couvert artístico, para que ele não fosse até nossa mesa. Fomos embora após o garçom soar o gongo: disse que só montavam mesas com, no máximo, seis pessoas. Será que preciso explicar que o restaurante estava vazio?
Fomos para um terceiro, já um pouco irritados. Era justamente o restaurante que beirava o córrego da cidade. Seu nome... Beira-bosta? Beira-rio? Restaurante do Lago? Esqueci. Mas não poderia me esquecer de dizer que foi o melhor lugar que fomos na cidade. A garçonete foi muito atenciosa, montou nossa mesa de doze pessoas, serviu-nos prontamente... A comida era boa e a música recebia uma nota de suportável a boa... Enfim, conseguimos passar dez horas nesse bar... jogando truco, damas, falando bobagem... Parecia que estávamos em casa. Se tiver a infeliz idéia de ir a “Monte”, visite esse local. É só procurar o lago fedido. Fica do ladinho.
Saindo de lá, uma de nossas amigas estava “seca” para comer fondue, uma coisa típica desses lugares montanhosos. Aliás, o que mais acho divertido nesses lugares é ver as pessoas com gorros, luvas, casacos de couro e lã, como se estivessem nos Alpes Suíços. Isso acontece em todo lugar montanhoso no Brasil, até mesmo na Serra da Cantareira: inverno ou verão, o dress-code é sempre de neve. E com essa roupa toda, nada melhor do que comer fondue (ou “fundi”, como dizem os corintianos...).
Depois te tantas decepções, ficamos com medo de sair daquele restaurante. Mas achamos que, se ficássemos por lá, teríamos que fazer um “rito de passagem”: pagar a conta, sair de lá e entrar novamente, pela porta da frente, com a mesa arrumada. Mas nossa amiga queria um lugar aconchegante, com uma “atmosfera romântica” e eles recomendaram o restaurante em frente, que era do mesmo dono, como outros quatro ou cinco outros na rua.
E lá fomos nós, para o capítulo do fondue. Um clima ultra romântico, com projetor e telão, castiçais de copo de gelatina cheios de sal grosso e uma vela branca espetada. Um “chiquê”.
Coisa curiosa nessa cidade, algo que eu nunca vi em nenhuma “estância climática” do mundo: rodízio de fondue. Uma rodada de queijo, uma rodada de carne (alcatra, lombo, linguiça e frango) e uma rodada de chocolate. Quarenta paus por pessoa. Se quizesse picanha e oito frutas, era cinquenta. Decidimos que picanha e fondue nunca devem dar as mãos, mesmo correndo o risco de comer apenas “frutas da época” no fondue de chocolate (leia-se banana, laranja e mamão). Vinho francês climatizado no balde de gelo e carnes fritando na chapa... assim foi nossa romântica noite de despedida de Monte...
Ah... Nem tudo foi horroroso. A companhia dos amigos, o bar ao lado do córrego de cocô, as trutas no restaurante sem sobremesa. Conheci uma doceria, chamada Gressoney, que fabrica um alfajor fake e uma havanet fake com uma massinha de pão-de-mel deliciosos. Também comprei queijo curado, doce de nata, doce de leite, goiabada, requeijão mineiro, coisas que eu não precisava ter ido até lá pra comprar, mas já que lá estava... Também fiz descobertas interessantes: cheia de araucárias, a região é campeã em vender pinhões por onde se passa. Sempre soube que os pinhões tinham algo a ver com as pinhas, mas nunca soube que as pinhas eram pinhões falidos. E nunca soube que os pinhões vinham todos juntos como uma jaca e não pendurados individualmente nos galhos. Daí conectei tudo: cada hastezinha da pinha é um finado pinhãozinho....
Pensei muito antes de escrever sobre essa viagem. Tinha até desistido e não fosse a insônia dominical, talvez não escreveria. Fiquei cheio de pudores, pensando nas pessoas que gostam daquele lugar e nos cidadãos monteverdenses. Será que se ofenderão? Mas depois refleti e, já que a Constituição brasileira nos garante a liberdade de expressão, por que não? Porque daí pensei nas pessoas que nunca foram e que, como eu, tinham uma ilusão de que fosse um lugar lindo, especial. É claro que de ilusão também se vive, mas se quer ter uma bela ilusão, vá pra São Francisco Xavier, São Bento do Sapucaí, Santo Antonio do Pinhal ou Campos do Jordão....