Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Saturday, April 24, 2010

23 DE ABRIL: DIA DE SÃO JORGE GUERREIRO (UM GRANDE PAI PRA MIM E PRA TANTOS OUTROS)


“Eu tenho Sete Espadas prá me defender / Eu tenho Ogum em minha companhia / Ogum é meu Pai / Ogum é meu guia / Ogum é meu Pai / Na Fé de Zambi e da Virgem Maria” (Ponto de Ogum)

É, quem me viu, quem me vê. Pra quem chorava a orfandade, hoje choro a dúvida da paternidade. Não estou falando de bastardias... Sou, como muita gente sabe, órfão de um pai vivo que me quis morto e hoje é morto pra mim. Arranquei de mim o sobrenome, mas hoje, tendo perdoado pela imprudência de ter sido pai tão jovem, tão louco e tão involuntariamente, aceito de bom grado a lista de poucas e valiosas coisas que me deu – involuntariamente – no pacote de seus genes ( ou “dgens”, como diria minha amiga), mas de grande valia em minha existência: seus olhos, seus cabelos, seus traços, seus pêlos. Sim, sou hoje um fruto amadurecido dessa árvore crua.

Falo do sentimento perene do abandono paterno. Mas hoje, sinto que essa perenidade findou-se. Sempre sem escolha, adotei e fui adotado por um pai-avô que me desejou, que me criou e que me amou, sem cobrança, sem pagas, sem coitas. Mas o buraco da rejeição sem escolha nunca era tapado por essa paternidade compensatória, mesmo sendo muito melhor que a primeira, frustra e podre. Acho que perdi alguns preciosos momentos, anos talvez, querendo esse pai que nunca me quis e deixando meio de lado esse pai que sempre esteve ao meu lado e dentro de mim.

E hoje me vejo rodeado de pais que aparentemente escolhi mas que, na verdade, me escolheram. Como com todo filho de um pai, eles eram meus pais muito antes de ser filho deles. Pai-de-Santo, Xangô, Oxalá, Ogum, Caboclos, Pretos-Velhos, Baianos, Exus. Uma complexa rede de “pais e mestres” bem debaixo das minhas barbas.

É lógico que algumas vezes sinto a falta desse “abraço paterno” tão pouco ofertado e tão pouco recebido em minha vida. Sinto falta de meu avô, sinto falta de abraça-lo. É possível que, de acordo com as minhas crenças, ele esteja por perto, me amparando e me abraçando “espiritualmente”, mas há momentos em que realmente sinto a necessidade física de que ele estivesse aqui, ao meu lado, me abraçando e me aconselhando, como os pais fazem com seus filhos.

E nesse dia vinte e três de abril, festa de Ogum, vi várias vezes oscilando meu pensar, ora querendo que a chegada desse cavaleiro fosse o advento desse tão esperado pai em minha vida, desse homem que chegasse para me amparar, me defender; ora sentindo a sua chegada como o Pai espiritual que está sempre me protegendo e que esteve sempre por perto, como a simples reafirmação da sua constante presença.

Se é verdade que Xangô não gosta da morte e que abandona seus filhos quando estão prestes a fazer a “viagem”, que ele me confie a Ogum, o Cavaleiro de Aruanda, e que eu possa montar em seu cavalo branco, para ir de encontro à morada de meu avô. Sei que vai demorar, até porque ainda tenho muitas viagens antes dessa. Mas é reconfortante imaginar o velho Armando me esperando, de braços abertos, na porta daquele céu, cheio de estrelas.

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