QUERO SER FRANÇOIS SAGAT

Não, ele não é tão famoso quando deveria. Conheci François Sagat através da revista gay francesa Têtu. É um dos homens mais bonitos que conheço. Mas não é dele que quero falar. Quero falar dos que desejam ser François Sagat ou qualquer coisa melhor que a si mesmos.
Outro dia, passeando pelos perfis dos Facebooks alheios (sim, eu gosto de xeretar...), encontrei um perfil sem cabeça, apenas com um escultural corpo masculino. O corpão chamou atenção. Mais do que atenção, cliquei em várias fotos, uma após outra e o álbum do sujeito era uma sucessão de fotos dele intercaladas com as do Sagat. Esse “mélange” fotográfico fazia com que o cara, anos-luz do ator pornô, parecesse mais atraente. Era como se aquela sequência propusesse uma ilusão de ver e ser visto melhor do que se é.
Além de achar crime com o deus pornô, acho crime contra quem vê e acho crime contra si. Nada contra colocar a foto mais bonita no perfil do FB, todo mundo faz isso. Nada contra publicar as fotos produzidas em estúdio, daquelas que fazem bonita até a Hortência, a Dercy e o Chacrinha. Se sou a favor de tudo isso, porque sou contra o “composé” do moço? Primeiro porque ele compôs com meu ídolo. Não me importaria se ele compusesse com o Justus, com o Faustão ou o Amaury Júnior.
Mas o mais importante, que me fez pensar e blogar, foi a crise de identidade contemporânea. Somos algo que não desejamos e queremos ser algo que não somos e talvez nunca seremos. Daí ficam embutidos a falta de amor próprio, o consumismo inclusive do mercado de beleza e a futilidade, a frugalidade, que arrematam como laço de vida esse pacote de auto-rejeição que estimula a constante e interminável reforma corporal. E quando a reforma chegou ao limite, esgotando os infindáveis recursos da estética, taca lá a foto do bonitão famoso e acredite que você é ele. Quem sabe alguém acredita, né?
Tenho reparado cada vez mais nos monstros do Bottox®. Todo mundo começa com a mesma história: só um pouquinho, para “aliviar” as rugas de expressão, os sinais do tempo. Todo mundo conta e acredita essa mentirinha, mas depois “ferrou”. Botox® toda semana, várias vezes por dia. Tem uma dermatologista famosa que é considerada a “rainha do Bottox®” em São Paulo. Na véspera de Natal a clínica dela fica lotada, cheia de madames querendo ficar “botocudas”.
Num dia de tédio, resolver pesquisar sobre essa famosa “botoqueira”. Vi uma foto dela e levei um susto: um pavor, toda deformada, desfigurada. Uma boca enorme, toda torta, disforme. Lógico que o Bottox® nunca anda sozinho: vem junto com fios de ouro para repuxar a pele, com aplicações de colágeno e gordura nas beiçolas. Aquela visão dantesca aguçou minha curiosidade googolística e saí pesquisando fotos e reportagens da Madame Botocuda. Pasmei. Ela era uma mulher normal, quase bonita.
O que é que ela vende? O que as pessoas compram. Acho que esses produtos causam dependência. Do mesmo modo que as pedras de crack, a toxina botulínica deve derreter miolos, desatarraxar parafusos e confundir sinapses. E, mesmo destruindo a própria imagem, continuam injetando. Deve dar fissura de Bottox®.
E o conjunto da obra vai ficando como aquelas reformas públicas superfaturadas: feias, mal feitas, caindo aos pedaços, mas vai tacando mais concreto porque ta ficando boooooooommmmmm!!! Lembrei da Marta Suplicy. Ela também era uma mulher bonita. Lembrei daquela coisa feia de concreto que ela colocou em cima da Praça do Patriarca, feia e cara como o Bottox® que ela gastou pra estragar a cara dela.
Outro dia, eram duas da manhã, recebo uma mensagem de uma amiga: “Quando quiser, te dou o telefone do meu dermato. Ele aplica Bottox® super bem”. Só vi a mensagem no dia seguinte. Respondi: “Obrigado, mas não estou precisando e na verdade sou até meio contra. Levei um susto. Pensei que você tava em surto!”. Ela respondeu: “Que nada, amigo, é super bom. Tira aquela aparência de cansada.” Mas eu ainda sou do tempo em que para tirar a aparência de cansado, nada como uma boa noite bem dormida e, nos casos gravíssimos, compressas com água gelada ou rodelas de pepino.
Como o pseudo-Sagat das páginas do Facebook, do mesmo jeito que a cara e as obras da Marta e igualzinho à Rainha Botocuda, o ser humano está perdendo a noção do ridículo. Como o paradoxo do retrato de Dorian Gray, quanto mais jovem ele ficava, mais feio, mais desfigurado, ficava sua imagem no retrato. Diferentemente de Dorian Gray, a feiúra do quadro fica estampada na cara e, juventude mesmo, só na sensação, na fantasia.
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