Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Saturday, September 25, 2010

NOSSO LAR


Vivemos uma época estranha. Tenho a sensação de que já soaram várias cornetas do apocalipse, mas, do mesmo jeito que a música fala, só que de um jeito invertido, “eles estão surdos”. Uma avalanche de merda se antepõe a nossa existência. Lula no poder, o estandarte do lixo substituindo o luxo, a eclosão das lixeiras do mundo, a catarse da podridão social. Atrás do trio elétrico lulístico, vem um monte de merda legítima: Tiririca, Mulher-melancia, Cameron-69, Cãozinho dos teclados. É a versão brasileira do Thriller, de Michael Jackson. Coisa podre saindo de todas as catacumbas e lixeiras para virarem deputados.

Sim, antes era diferente. Deputados eram sujeitos estudados, que falavam bonito. “Senhor Deputado” era uma coisa chique. Conhecer um deputado era algo honroso; mesmo que ele fosse ladrão, era mais parecido com ladrões de jóias e obras de arte do que os trombadinhas do Anhangabaú. Hoje qualquer um pode ter um amigo deputado. Qualquer jumento pode ter sido colega de escola de um deputado e, mais ainda, você pode já ter puxado cadeia com um deles. Não exatamente porque algum deputado ladrão foi preso roubando os cofres públicos, já que isso quase nunca acontece, mas porque seu colega de cela saiu no ano passado do Cadeião de Pinheiros e se candidatou a deputado. Federal. E ganhou.

A cultura também se representa em sua própria falta. Qualquer um pode ser ator e fazer novelas em grandes emissoras. Se o sonho de classe média era entrar na faculdade há menos de vinte anos, hoje é entrar no Big Brother Brasil ou na “Fazenda”. É claro que não é qualquer idiota que consegue entrar no BBB. É preciso ser um idiota com bons contatos. Já na “Fazenda”....

E as religiões também mimetizam a “desculturação” de um povo já “desculturado”. Somos filhos e devotos leitores de Paulo Coelho. Antes fosse Harry Potter. Paulo Coelho, realmente um grande “mago”, excelente alquimista. Não conseguiu transformar merda em ouro, pois a merda continua merda, mas vende como se fosse água. Mas sua pedra filosofal e sua fonte de vida eterna estão no sobrenome que o leva sem carregar. Temos também a tal da Zíbia & seus Gasparettos (Gostei, parece nome de bandinha pop dos anos oitenta). Sim, temos que reconhecer, seus “hits” popularizaram a cultura espírita no Brasil. Até um retardado lê Zíbia. E mais: qualquer retardado entende. Isso é um pouco diferente de Paulo Coelho: qualquer retardado lê, ninguém entende e finge entender, porque é igual filme Cult – é proibido não entender.

Enquanto se proliferam lixo e mais lixo, a coisa fashion do momento é ser espírita. Dos que lêem Zíbia e não sabem contar até dez. Mas os livros de Zíbia e Paulo Coelho estão com seus dias contados: ninguém vai precisar ler mais nada. Porque agora temos espiritismo no cinema. Do mesmo modo que é proibido falar mal de filmes Cult, no espiritismo é tabu falar do “Grande Chico”, o Chico Xavier. Sim, ouso falar mal dele do mesmo modo que encho a boca para falar que não gostei do Sétimo Selo, do Bergman. Nunca fui com a cara dele. Não sei se devo acreditar que ele foi sempre tão bonzinho e não sei se ele era tão iluminado. Verdade ou não, não me interessa. Ele nunca apareceu pra mim para dizer que eu estava errado. Ninguém fez isso até agora.

E daí tem o filme do Chico, que todo mundo que gosta do Chico adorou. Não ouvi ninguém que não gosta dele dizer que foi ver e não vi ninguém que não é espírita ter gostado. E do mesmo modo, só que de um jeito piorado, aconteceu com o filme “Nosso Lar”, baseado na obra psicografada do “Velho Chico”. Não vi e também não quero ver nenhum dos dois. Só verei se ganhar uma cópia pirata de alguém ou se uma moeda cair no chão e, quando eu me levantar, um camelô simpático me oferecer o filme de graça; daí talvez eu entenda que o Chico quis falar comigo. E se uma pomba-gira aparecer na encruzilhada da Lorena com a Ministro Rocha Azevedo, bebendo Chandon Rosé e fumando Gauloises e me surpreender com uma gargalhada e ordenar que eu leia o livro, eu desdigo tudo isso e conto pra todos vocês.

Mas o fato que mais me incomoda é pensar na possibilidade de que o “Nosso Lar” exista mesmo. Pior ainda é pensar que eu terei que ir pra lá quando desencarnar. Ai que tédio. O que se poderia esperar de um livro escrito na década de quarenta? Para mim, é uma cópia fiel dos romances espaciais e das visitas intergalácticas. Futurismo, viagens espaciais, alienígenas, “caprichadas” com um excesso de calmaria e tédio dos mundos espirituais.

Já existem algumas associações espiritualistas evoluidíssimas se organizando para vender o “vosso lar”. Condomínios chiquérrimos, com paz de espírito, banhos medicinais, cascatas energéticas e cromoterapias a preços de Fasano. Sim, o “vosso lar” pode custar muito caro....

Gosto muito da idéia do “nosso lar” da Mãe Romana do Tocantins, que ficou famosa por construir um templo com esculturas de pedra gigantes e desenhos mitológicos nas paredes, anunciando o final do mundo num ano qualquer e difundindo a informação de que só sobrarão alguns lugares escolhidos na terra e seu sítio é um deles. O bom desse lugar é que tem paz, mas não tem tédio. Tem cantoria, quebração de pedra, enfim, uma louvação barulhenta ao Criador.

Como bom macumbeiro e sarauzista apaixonado por batuques e percussões afins, não consigo conceber a idéia de um lugar silencioso, com gente vestida de branco esvoaçante e falando baixinho. Não há lugar para barulho e cores no Nosso Lar? E o que será que eles comem? Canapés de prana e suco de bênção? Claro, a sobremesa só pode ser nuvem açucarada.

Eu preciso saber ou crer que eu não estarei nesse lugar. Se for mesmo verdade, já fiz acordo com os Orixás de que desejo servir exército israelense das coisas do espírito: quero virar Exu, dando gargalhada na encruzilhada, bebendo caipirinha e fumando charuto bom.

p.s.: Acabei de saber que o filme do Lula vai concorrer ao Oscar. Como é que eles conseguem fazer isso? Ai que vergonha de ser brasileiro e ser governado pelo Sarkolulle e Marrise Bruni.... De uma coisa estou certo: ele não vai entrar no Nosso Lar. Só se ele aceitar abdicar da pinga....

Friday, September 24, 2010

CONTO DE FADAS


Isabella sempre sonhara com o príncipe encantado. Não com aquele tipo de príncipe que demora uma eternidade para chegar. Isabella já dormia com ele. Há vários anos. O fato é que ele morava muito longe do seu castelo e, para estar com ele, para sempre, como sempre sonhara, teria que tomar uma difícil decisão: ir morar no reino dele.

E chegou o dia do casamento. Festa no Palácio. Corte imperial. Lindos vestidos e jóias de valores inestimáveis. Gente de todos os cantos de ambos os reinos vieram desejar felicidades aos nubentes. Acabada a festa, nasce o dia-de-partir-corações: era chegada a hora da partida. A carruagem já esperava, com todos os seus baús, seus presentes. Chorou de alegria e de tristeza pelo caminho. Disfarçava colocando as mãos na frente do rosto e recolhia as lágrimas com a ponta dos dedos; e vez ou outra lançava para fora da caleche as gotas d´alma.

Raras como quando chegam juntos Sol e Chuva a formar arcos-íris, essas lágrimas de alegria-tristeza eram preciosidades mágicas que se transformavam em diamantes ao tocar o chão da estrada.

E Isabella chegou triste e alegre. Sorria e chorava ao mesmo tempo, em turnos e às vezes o tempo todo. Disfarçava quando chegava o príncipe, que estava cheio de alegria por ter com ela se casado, levando-a para sua morada. Mas como as plantas sem água, Isabella ficara seca. Não chorava mais, mas perdera a capacidade de sorrir. Em seu rosto restava apenas um semblante opaco, como das defuntas que morriam de dor de parto.

Árida, esturricada, tórrida. Isabella começou a cansar-se de si mesmo. Chegou a pensar em fugir. Aviltou a possibilidade de tomar veneno. Já não via mais o príncipe como príncipe. Sentia-se fraca. E como se não bastasse, tropeçara nas dobras da gigante cortina e deixara quebrar as lentes do pincenê. Agora que não sabia mais o que fazer. Triste, apática e cega.
Mas a cegueira lhe trouxera um atordoalhamento esquisito. Uma inquietação, uma comichão que fizera com que ela decidisse mudar as coisas.

E foi então que resolvera proporcionar uma noite de amor ao príncipe. Chamara as camareiras, pedira que enfeitassem a câmara nupcial de sedas trazidas das Índias. Aspergiu aromas pelo ambiente e acendeu velas chinesas com cheiro de chá e maçãs. Colocara a túnica mais sensual e vestiu o colar de ouro e olhos-de-tigre que ganhara do esposo. Só havia um problema. Não enxergava a um palmo do seu nariz. Como guiaria o príncipe nesse deleite romântico? E uma das camareiras sugerira que colocasse umas lupas para que pudesse ver. A princípio, estranhara a idéia, mas, pela necessidade de enxergar o que se passava, aceitara a sugestão.

Quando colocara a lupa, ficou maravilhada com o ambiente. Tudo, tudo do jeito que imaginara. Ficara emocionada. Mas de repente, começara a perceber que as camareiras se entreolhavam e escondiam risos. Não ousavam responder o que se passava. Foi quando se aproximara do espelho e se deparara com a cena mais chocante de sua vida. Aquela lupa horrorosa destruía toda a beleza em si mesma e a seu redor. Mandara cortar a cabeça da camareira que dera a idéia e a cabeça de suas que se riram dela.

Mas ficara desesperada. Saiu chorando, pelos jardins do palácio e pela estrada. Andava sem rumo, querendo desaparecer, desvencilhar-se de tanta infelicidade. Ao longo do caminho, percebera que não sabia mais onde estava. Desesperada, gritara por socorro, mas ninguém respondia. A estrada estava vazia.

Sentara numa pedra, o vento esvoaçante chacoalhava seus cabelos e molha a lupa, embaçando-a. Nisso aparece um elfo. Bonito, com sua tez pálida e orelhas pontiagudas.

- Por que continua aqui sentada? Vai perder sua grande noite...
- Quem é você? Como sabe de tudo isso?
- Sou alguém ou algo que você tem desprezado. Sou a sua intuição. O que você fez comigo? Porque me enclausurou na prisão do esquecimento?

E o Elfo desaparecera, deixando Isabella sozinha novamente. Mas, ao olhar ao seu redor, percebera pequenos pontos de luz ao longo do caminho. E nisso veio a voz do Elfo. Esses são pontos de luz que emanam de você mesma. São diamantes formados pelas suas lágrimas de alegria-tristeza. São a maior riqueza da alma de uma princesa. Os pontos de luz emanados por eles iluminam todo o caminho da sua vida da origem ao destino, para que você se lembre sempre de onde veio e para onde vai. Recolha todos os que achar pelo caminho e carregue-os com você. Essa é sua maior riqueza: seu caminho e sua sabedoria.

Isabella sentira-se plena de alegria. Limpara a lupa e saíra recolhendo todos os diamantes que encontrara pelo caminho. Chegara ao palácio e estava exausta. Deitara-se na cama e adormeceu. Nem acordara com a chegada do príncipe. Ele levara um susto ao ver a câmara nupcial daquele jeito. Chorara de emoção e ficara ali, sentado, observando o sono de sua amada esposa. E quando ela acordara, vira tudo embaçado, mas soubera reconhecer o cheiro e o toque de seu amado. E então percebera que não precisava enxergar naquele momento. Bastava sentir e se entregar ao amor.

E eles não viveram felizes para sempre, mas tiveram, para sempre, incontáveis momentos de felicidade.

Sunday, September 19, 2010

A PRIMEIRA E ÚLTIMA CEIA


Eu e meus fiéis amigos temos circulado por lugares e cenas bizarros. Coisas estranhas e surpreendentes acontecem quando estamos juntos. Parece que fantasmas e monstros aparecem por detrás de cenas inesperadas.

Certa vez fomos convidados para uma festa que prometia ser grande. Muita gente, muitos convidados. Engodo. Nós éramos praticamente os únicos convidados e, grande mesmo, era o bolo que o dono da festa havia encomendado. Seis enormes quilos de bolo. Ninguém viu o bolo. Talvez ele fosse trazido por algum convidado que não havia chegado até o momento do final da festa. Saindo da (sucks!) Party, alguém dentre nós sugeriu que não precisava de um bolo tão grande. Bastava um Bolo Pullmann. Porque, além de tudo, já vinha com a faquinha!

Outro dia fomos convidados para uma recepção. Madame-Je-ne-sais-quoi abriu as portas de sua mansão em um bairro pseudo-nobre da capital. Nesse bairro, um conglomerado de Nouveaux Riches disputa vagas na rua para estacionar suas Blasers, Pathfinders, Ecosports. Porque nesse mega-ultra-super bairro, as numerosas famílias ocupam mais do que suas singelas cinco vagas de garagem. É um verdadeiro gueto de novos ricos. Outro dia passava por lá e visualizei um imenso e ridículo condomínio de casas, cercado por torres de eletricidade e prédios. Detesto condomínios de casas. Considero-os a expressão máxima do mau gosto ostentativo.

Chegando na casa da tal madame, havia um clima estranho. Faz tempo que não vou a lugares onde me sinto tão pouco à vontade. Mesmo tendo sido a primeira, com certeza foi a última. Mas alguém definiu bem. A Última Ceia: só tinha água, pão e vinho (Ah! tinha algumas lascas de queijo…). Não que minha expectativa principal ao ir à casa de alguém seja comer. Mas é algo previsível esperar que haja algo para comer num “evento” de final de semana. Mas não foi só isso. É realmente muito difícil sentir-se oprimido num ambiente onde tudo parece estar medido e que você está fazendo tudo errado. “Fulano, cuidado com o meu tapete que acabou de ser lavado”. “Nossa, já acabou outra garrafa de vinho?”.

Mas esse não foi o pior. As horas passavam e as almas inocentes e famintas que compunham nosso pequeno grupo foram chegando e entendendo o que se passava. Uma versão nouveau riche da Biafra. Fome, fome, fome. Todos bêbados, comendo pão italiano murcho. De repente uma amiga petisca uma tigelinha em cima da pia. “Hum, isso é gostoso”. E, ciumento, o gato da anfitriã pula em cima da pia, para defender sua refeição. Minha amiga se deu conta que se deliciava com Friskies. Julguei que estávamos passando dos limites. Até porque a fome continuava e o pão estava acabando. Propus uma pizza. Todos concordaram, exceto a espantada anfitriã. “Mas vocês estão com fome? Querem que eu prepare algo na cozinha?” Falta de sensibilidade.

Acho que os gatos dela também estavam famintos. O outro escalou a mesa da sala, tentando lamber o queijo. Dei um berro descontrolado tentando defender o que restava do nosso alimento. Fui duramente repreendido, por traumatizar o bichano. Fazendo-o ou não, consegui impedir que ele lambesse o queijo.

A pizza chegou, todos, inclusive a anfitriã se deliciaram com a minha idéia. Foi então que ela pediu desculpas. Não pensava que viríamos com fome e aquela reunião era para ser um “esquenta”, como chamam os mauricinhos e patricinhas a beberrança “pré-balada”. Todos se supreenderam com essa história, porque ninguém havia mencionado a intenção de ir a qualquer outro lugar.

Fui embora misturando sono e indignação. Umas amigas ficaram para auxiliar a anfitriã em seu mal-estar que não se pôde definir como “bota-fora” ou carraspana. De súbito, ela dormiu no sofá por algum tempo, sob o tenso olhar das visitantes. Passados alguns quinze minutos, ela se levantou como um zumbi e se dirigiu ao seu quarto. Dormiu, feito princesa coberta com seu deuvet de penas de ganso em sua cama de bastidores. E os últimos convidados foram embora, deixando uma fatia de tomate para os gatos em cima da mesa.

Saturday, September 11, 2010

HISTÓRIAS DO MEU PRIMO


Eu devia ter uns dez anos de idade quando meu primo foi morar em casa. Filho de uma irmã de meu pai, sua família passava por dificuldades financeiras e meu pai decidira trazê-lo para São Paulo, como forma de ajudar. Ele era dois anos mais velho que eu, mas seu corpo atarracado, sua baixa estatura e sua ingenuidade campestre faziam-no parecer mais novo.

Várias coisas estranhas e outras tantas desagradáveis aconteceram nesse período em que ele morou conosco. Não vou citá-las pelo risco de expor demais alguém que não teve culpa da criação torpe que recebeu. Mas jamais me esqueci delas.

Há apenas duas histórias que a ética me permite contar. A primeira ocorreu logo com a sua chegada. Ele trazia uma pequena sacola com suas roupas e um cobertor. Acomodou-se em meu quarto, na parte de cima da beliche, enquanto eu dormia embaixo.

Acontece que esse cobertor fedia muito. Era um cheiro de chulé que impregnava todo o ambiente. Minha mãe colocou o cobertor no sol. Lavou o cobertor. Lavou de novo. Nada acontecia: o cheiro se mantinha, impassível.

Não sei se foi a falta de tato ou a vergonha de meu primo que o levaram a tomar uma atitude drástica. Num certo sábado, saímos todos para comer pizza. Quando chegamos em casa, logo ao entrar na sala, vinha um cheiro forte de perfume . O meu perfume na época: Lancaster (arghhh!). Meu primo correu para o quarto e voltou, com ar inocente, dizendo que o frasco havia derramado…onde? Exatamente sobre o cobertor fedido! Como se ninguém tivesse percebido sua intenção. O resultado foi bem pior: chulé com Lancaster, impagável! Foi assim que demos fim a dois grandes desfechos, um bom e outro melhor ainda: o cobertor foi pro lixo e nunca mais usei o tal perfume na vida!

Mas essa não foi a pior. Como meu primo era dois anos mais velho que eu, havia coisas que ele sabia ou fazia e eu não . Masturbar-se por exemplo. Minha família foi sempre muito fechada sobre assuntos ligados a sexo. Eu nem sabia do que se tratava a masturbação. Quando ouvia essa palavra, pensava que era uma doença, algo asqueroso. Mas meu primo já sabia o que era. Todas as noites, a beliche balançava… nhec-nhec… Era ele se masturbando logo que íamos dormir. Ãs vezes ficava tão irritado que dava socos no estrado da cama para que ele parasse. Nunca conversamos sobre isso e, embora não soubesse do que se tratava, havia algo no ar (no ar mesmo, bem acima da minha cabeça!); sabia que era um assunto de meninos e por esse motivo nunca tinha me queixado à minha mãe sobre o fato.

Passados alguns meses, ele se mudou da nossa casa. E pouco tempo após, descobri do que se tratava a masturbação, fazendo, é claro. Daí compreendi o que acontecia com meu primo todas as noites.

Não decidi contar essa história para expor meu primo . Aliás, não o vejo há pelo menos vinte anos. Decidi escrever sobre isso para refletir sobre um assunto verdadeiramente tabu: a masturbação.

Sim, é mesmo um tabu. Os pais não explicam a seus filhos. Os meninos descobrem facilmente, sozinhos ou com a ajuda de colegas . E quando um menino é “pego” se masturbando na sala ou no banheiro acidentalmente destrancado, é reprimido. Mas é mais fácil e mais palatável admitir que um garoto se masturba do que uma menina em nossa sociedade.

Ninguém explica às meninas que elas podem se masturbar. É claro que elas também podem descobrir sozinhas, mas como suas amigas dificilmente falam sobre isso, acabam pensando que são insanas ou doentes por fazerem e abandonam, desistem, esquecem. Tenho uma amiga que foi se masturbar pela primeira vez aos trinta anos. Uma outra foi “masturbada” pelo seu namorado pela primeira vez com trinta, mas se recusava a colocar sua própria mão “lá”e só o fazia através das mãos dele.

O que pode haver de tão errado com a masturbação pra ser visto como algo tão negativo?
E notem, não é só mal-visto quando se é jovem. Os homens têm vergonha de admitir que se masturbam quando adultos, como se a masturbação fosse um sinal de não-evolução da vida sexual.

Quando tinha vinte anos, meu pai resolveu falar a primeira vez sobre sexo comigo. Lembro-me que ele e minha mãe ouviram a entrevista de uma psicóloga na TV, aconselhando os pais a falarem de sexo com seus filhos. Jä era tarde da noite e já era tarde da vida. Lembro de minha mãe falando pra ele que isso era obrigação dele como pai. Então ele foi ao meu quarto e começou a me explicar sobre masturbação, concepção….Um pouco tarde,não? Ele me disse algo interessante: que se a pessoa não transasse e só ficasse se masturbando, o esperma ia acumulando no testículo e se transformava em câncer…Só faltou ele dizer que subiria pra minha cabeça e me deixaria louco…

Vejo a masturbação como algo muito saudável para todas as pessoas. Tanto pela possibilidade de explorar e conhecer o próprio corpo , tanto por poder sentir prazer de uma forma independente, sem a precisa necessidade de uma outra pessoa para proporcioná-lo. Não que eu tenha alguma coisa contra o prazer a dois. Mas há momentos na vida em que esses prazeres não se sobrepõem.

Enfim, punheteiros do mundo, uni-vos!

Tuesday, September 07, 2010

LIVE AND LET DIE


“Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive”
(Ricardo Reis, Fernando Pessoa)

“ But if this ever changin´ world
in wich we live in
makes you give in and cry
Say: “live and let die”
(Live and let die, Paul McCartney& Linda)


Essas duas últimas semanas passei encantado pelo novo trabalho da banda mineira Pato Fu, chamado "Música de Brinquedo". Músicas antigas, clássicos de várias épocas, de MPB a Elvis. Mas parado mesmo, fiquei em "Live and let die", do eterno Beatle, Paul. E não foi só por causa da música maravilhosa, nem por ser executada com instrumentos musicais de brinquedo, nem pelo coro de crianças. Essa música me faz pensar na morte, no luto e em todos os seus desdobramentos.

Fiquei pensando em pessoas que cruzei pelo caminho e que perderam pessoas amadas e que eram impedidas de viver o luto, chorar pela perda. A vida moderna não dá tempo para o luto. O luto só é respeitado quando vira doença. Acho que estamos rumando ao contrário das necessidades da alma. Lamentar e chorar pela perda são tão humanos e tão normais quanto a própria finitude. Mas o mundo, a sociedade, não toleram mais isso.

Fico P. da vida quando alguém diz para essas pessoas que elas não podem chorar porque isso vai "atrasar a evolução" do morto... Ai meus deuses, quanta bobagem! Quem inventou isso? Desde quando é proibido sentir tristeza? E o que fazer quando ela existe? Dizem que chorar lava a alma, e acho que lava mesmo. Choramos quando nascemos e por que não deveríamos chorar quando a morte nos arrebata, levando alguém que amamos?

A psiquiatria, ou melhor dizendo, a mente distorcida de alguns psiquiatras se ocupou de dilacerar ainda mais a necessidade do luto e do tempo do luto. Psiquiatrizou-se a tristeza em todas as suas nuances e, não obstante, a dor do luto.

O conservadorismo espírita propaga a negação do direito à dor. É proibido sentir saudades, porque é como se fosse uma bola no pé no direito do desencarnado a trilhar sua estrada de evolução. Num propósito edificador de almas, acabam por gerar mais dor, tristeza e doença. Além disso, duvido muito que tais pessoas consigam ter esse tipo de "equilíbrio" quando a perda é no seio da sua família. Como diziam as avós,
"Pimenta no c. dos outros é refresco".

Psiquiatria e Espiritismo, vilões e algozes de uma sociedade doente, que dá pouco espaço para as questões da alma. Somos escravos de um tempo morto, no qual a morte e a dor pela morte são empurradas para fora do contexto da existência consciente. Somos impelidos a nos transformarmos em um bloco duro, cinza e feio de concreto que não sente, não sofre, não chora.

Philipe Ariès, em seu livro "A história da morte no Ocidente", fala que vivemos numa época de "morte interdita", porque é proibido ver a morte de perto, não há espaço para a morte no mundo moderno. Morre-se no hospital, longe de casa, velório no hospital ou no cemitério, rápido, rasteiro, como se fosse um crime morrer ou sofrer pela dor da morte.

O resultado disso é dor. É como usar sapatos fechados para esconder micoses ou unhas encravadas: a dor, a putrefação irão continuar a deteriorarem a existência.

Sim, sou espírita. Sim, sou psiquiatra. Sim, sou um homem moderno. Tinha tudo para nadar a favor da maré. Mas sou diametralmente contra ela. Porque em assuntos como a morte, a dor e amor, sou um sofredor à moda antiga. Sofro como os trovadores e choro como as carpideiras. E acho que essa é a chave para se poder viver plenamente: poder sorrir e chorar, não na mesma quantidade, mas com a mesma intensidade.

LOCANDA DE LA MIMOSA (aka Louca da Buceta)


Feriado no Rio de Janeiro. Tempo ótimo, companhias fantásticas. Minha amiga ouviu falar de um restaurante famosíssimo dentro de uma pousada em Itaipava, próximo a Petrópolis. E lá fomos nós, montados no Dart Vader (a Land Rover do marido dela) conhecer a tal Locanda. Confesso que não gostei do nome. Em italiano quer dizer “pousada”, mas fico sempre cismado com coisas bonitas com nomes esquisitos. É como ter um presidente chamado Lula.

E lá chegamos no restaurante. Paisagem fantástica, casa de Brasil-Colônia em frente a uma pedra gigantesca. Cercada de jardins e palmeiras imperiais, dava a impressão daqueles lugares muito suntuosos que fazem pensar num preço tão alto que dá medo de entrar. Já eram duas horas da tarde e o restaurante estava vazio. Estranho. Mais estranho foi ficar cheio depois das quatro horas da tarde. Será que era horário do jantar? Dizem que as pessoas jantam cedo no interior, seja qual for.

Sentamos numa mesa redonda, ampla, de chiques guardanapos e sous-plats maneiros. O maior número de garçons por metro quadrado que já noticiei. Senti-me meio Louis XV, sendo servido por quatrocentos súditos. A carta de vinho era uma apostila de pós-graduação. Nomes, origens, descritivas, bandeiras, gráficos, notas. Uma inteira faculdade de somelier. E como se viajasse do céu ao inferno em dois minutos, assim pululavam na carta vinhos que variavam de sessenta a dez mil reais. Um dia ainda tomo um desses. Principalmente se for de graça. E lá fui escolher o mais barato, um tal de “Dignus”. Nome cafona, preço compatível com a cafonice intrínseca do nome e gosto.... Surpreendente. Um dos melhores espumantes que já tomei desde que me entendo por bebedor de espumantes.
Os copos eram Spieglau. A marca chique-barata da Riedel, os copos mais chiques do mundo.

E por falar em bebida, a água tinha uma coisa estranha: era torneiral ou “bical”, mas tinha uma etiqueta enorme amarrada na jarra, que descrevia seu conteúdo mineral, a baixa concentração de impurezas... Acho que brasileiro se ofende de tomar água da torneira em restaurante caro.

E “voilá” as entradas. Deliciosas. Pães, azeites, patês, manteigas. E tinha uma torradinha bronzeada, com a cor da Garota de Ipanema, que cheirava a mel e temperos. Perguntamos a um garçom da imensa corte do que a tal torrada era feita. E o mulato gordinho, portentoso, sorridente, respondeu em carioquês arcaico: “Saaum isspeciariaiiiissss”. Me senti lendo um livro de “Cooking for Dummies”. Era como se ele me falassse que arroz-feijão era feito de.... hum... adivinha....arroz-feijão! Mas estava ótima mesmo!

Falando em feijão, lembrei-me do cardápio. Um arraso. Simples, coeso, com poucas opções e preços simplificados. Duro era entender o que se passava naquilo tudo. A primeira linha trazia o nome do prato em negrito, em italiano, ininteligível. Logo abaixo, em singelos itálicos, a tradução, nada inteligível. Veja um exemplo fictício, no cardápio de entradas:

“Polentatto alla fubazzollo imperiale i fejones bretochenzos coloratos i pancetta”

Leia-se:

“Polentinha de fubá mimoso imperial com frejões bretoches e panzeta”

Minha amiga ficou muito interessada pelo prato. Disse que ia comer isso e a sobremesa, embora, como ela mesma disse, havia lido que as sobremesas não eram o forte do lugar.

“Que tipo de feijão é esse?” - Perguntou ao garçom.

“Ah! É um tipo especial de feijão, com grãos maiores, encorpados, parecem uma massa”
Deu até água na boca.

“Então eu quero esse!”

“ Mas isso é só uma entradinha” – Fazendo um sinal que,em outro contexto, pareceria palavrão, como se mandasse alguém tomar no....

Fizemos os pedidos e a entradinha chegou para ela, solitária, sem os nossos pratos. Muito propício para saborearmos a piada italiana de muito mau gosto. Num prato fundo, um montão de angu de fubá com feijão marrom do tipo mais comum que há e algumas duas “lascas” de bacon defumado.

“É igualzinho ao prato de angu que eu fazia na casa da avó, com a diferença que o da avó era muito melhor!” – Disse minha amiga, mineirosamente.

Assim seguiu o almoço. Piada atrás de piada, regada a várias taxas da champagne barata e maravilhosa. Tenho quase certeza que o proprietário, um tal de Danio Braga, era ilusionista. Chegou a sobremesa. Engodo mesmo era a comida. Porque a sobremesa era maravilhosa. Pedi um café e a “dolorosa”. No café, mais uma surpresa: uma prateleirinha com copinhos de brigadeiro de colher e pistache caramelado, além de uns bolinhos de semolina e castanhas.

Mais parecia um reality show. Chega o mulato gozador, dizendo que eles estavam “sem sistema”, mas que poderíamos fazer um depósito bancário. Eu cuspi o café, porque não cabia café e gargalhada na minha mesma única boca. Nossa mente carioca pensou em fazer o depósito depois. Minha mente malufética-lulética pensou que um calote era merecido. Mas a mente paulista, ciência exata, com reminiscências cristãs improváveis quiseram reunir os muitos trocados e pagar a conta. Mas o mélange carioca-escorpião tratou de ferroar o gordinho sarrista:

“O mínimo que vocês podiam fazer para agradar é dar um prato da “Boa Lembrança” para minha amiga.”

Aliviado por não ter levado um calote, ele tratou de dar foram dois pratos. E pediu que fôssemos discretos para que seu chefe não ficasse bravo. Mas como sempre digo, segredo só é segredo enquanto apenas um sabe. E o prato encerrou com chave de ouro a nossa estadia: um galo “sarrando” (no carioquês mais digno) um porco folgado e, logo abaixo, os ovinhos, todos “locandos della mimosa”, sim, porque não haveria nome mais digno para essa casa de mágicas do que “locanda” e “mimosa” é um nome carinhoso para bucetas em várias culturas ao redor do globo terrestre.
E eu entendi toda s simbologia contida naquele prato. Segundo o site Symbolon: “O símbolo do galo tem origem no mito de Alectrion, o sentinela que avisa a chegada do sol. É considerado um símbolo do tempo, além de possuir um princípio solar, masculino, que aparenta altivez. Segundo a psicologia os sonhos em que o ego onírico aparece representado na imagem do galo, certamente deverão estar se referindo aos aspectos de soberba da personalidade do ego vigil. Também é um reconhecido símbolo da propaganda, pois o Galo é que canta quando a galinha bota o ovo.” E, segundo o mesmo site, “o porco pode representar a baixa sensualidade.”.
Resumindo, é o dono do restaurante “sarrando”, os clientes, desconsolados com a comida estranha, os altos preços e o demorado serviço. E os ovos? Dinheiro, poder, riqueza, fartura. Para os bolsos do Galo. Realmente uma experiência mitológica. E esqueci de falar: numa certa altura do almoço, chega o Galo, vaidoso, orgulhoso, perguntando e quase respondendo sobre quanto achamos maravilhosa a sua comida. E ele se antecipou: “Nem precisa responder”. É claro, porque se “ In vino, veritas”, por outro lado facilmente me afogo em mentiras e fingimentos em meio às bolhinhas coceguentas de champagne.