NOTHING BUT HOUND DOGS

"You ain't nothin' but a hound dog / Cryin' all the time /
You ain't nothin' but a hound dog / Cryin' all the time /
Well, you ain't never caught a rabbit
And you ain't no friend of mine"
(“Hound dog”, Elvis Presley)
Prefiro ser mordido pelo cachorro da vizinha do que por um humano qualquer que seja. Dizem que a mordedura humana é muito mais contaminada que a canina... Sim, isso é verdade. E num contexto mais amplo, os humanos ferem muito mais que os cães. Quando era criança, costumava levar o Toby, meu pastor alemão a um veterinário no Jardim da Saúde. Adorei quando soube que ele era gay e tinha um companheiro cabeleireiro que o ajudava nos procedimentos veterinários em suas horas de folga.
Mas o que mais me chamou a atenção lá e ficou sempre na minha cabeça foi uma frase num quadrinho emoldurado, pendurado na parede da clínica: "Quem nunca teve um cão, nunca soube verdadeiramente o que é ter um amigo". Sim, eu tenho amigos não-caninos de verdade, mas cães como o Toby, que ficava comigo horas deitado no quintal, ouvindo meus desabafos sem reclamar, sem criticar e sem dormir... Isso fez dele um companheiro de todas as horas, enquanto ele durou. Não, ele não morreu. Fui obrigado pela minha mãe a me desfazer dele. Ainda me lembro da imagem dele subindo no carro do feirante que o levou, enganado por um osso de frango. Aquela cara de perdido, de bobo, de quem não sabe o que está acontecendo...
E tenho ouvido várias histórias curiosas sobre cachorros e seus donos, principalmente envolvendo voracidade, gula e desastres decorrentes destas.
Uma de minhas amigas tem um basset hound. É um cachorro dócil, brincalhão e muito guloso. Pega com facilidade coisas pra comer de cima da mesa e uma dia desses comeu um pote de manteiga enquanto minha amiga atendia o telefone. Mas, nessas últimas semanas, andava esquisito. Tristonho, cansado, preguiçoso e bebendo muita, muita água. Perdeu o apetite, mijava por todos os cantos. Estava até com exames marcados para diabetes e outras doenças. Mas nada disso foi preciso. No final da semana passada "desovou" o motivo do piripaque: havia engolido uma calcinha. Eliminada, voltou totalmente ao normal, com sua alegria, sua disposição e seu apetite. Acho que ele não aprendeu a lição.
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Tenho um outra amiga que tem um cachorro muito fofinho, já aprontou várias peripécias "deglutivas" também, mas se especializou em espionagem escandalosa. É mestre em entregar segredos sexuais alheios. Outro dia uma amiga dela pediu para dormir na sua casa com seu novo namorado, mas ficou muito encabulada com as brincadeiras de cunho sexual da minha amiga, dando a entender que ainda não havia transado com o novo gato. Mas Sir Sherlock Dog não hesitou em desvendar o mistério e saiu andando com a camisinha usada pendurada na boca. Difícil foi arranjar coragem para tirar o pacotinho da boca dele.
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Outro dia soube de uma conhecida que estava num " boyfriends interchange period", ou melhor dizendo, namorando um cara e saindo com outro... Discretíssima, conseguiu levar a safadeza por algumas semanas e se esbaldou com o " Ricardão" enquanto o namorado estava viajando. E, depois da temporada, decidiu que não ia querer trocar a geladeira velha por um chupeta nova. Mas não contava com a astúcia de Sherlock: mal a geladeira, quer dizer, o namorado botou o pé em casa, lá começou ele a cagar as embalagens de camisinha... O resultado foi ter que ficar com a chupeta nova, porque a geladeira velha foi para a cucuia...
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Pablo era o basset da minha prima. Como quase todos os bassets, ele era muito calmo, bonachão e, obviamente, muito guloso. Até que um dia, ele parou de comer. Olhava com cara de nojo a comida, dava apenas uma cheiradinha e ia se deitar. Emagreceu. Não respondia aos chamados. Minha prima, como boa psicóloga e naturalista, achou que era saudades do seu filho que havia saído de casa para estudar fora. Mas, passados alguns dias, Pablo desmaiou. Desabou sua comprida plataforma costal sobre o tapete, virou os olhos. "Morreu", pensou todo mundo.
Levado ao veterinário, souberam que ainda vivia uns últimos suspiros e foi imediatamente levado ao centro cirúrgico, porque haviam detectado uma massa tumoral no raio-X. Desespero familiar com a segunda morte de Pablo. Sim, porque provavelmente teria que ser sacrificado com um tumor desse tamanho! Nem tumorzinho, nem tumorzão. Pablo havia engolido uma toalha de banho inteirinha. Ninguém viu, ninguém deu falta da toalha. E tão logo se recuperou da cirurgia, minha prima o levou a uma terapeuta de animais. Dona Freudinha Junguiana da Silva, expert nesses casos, disse que se tratava da projeção da ansiedade de meu primo, ao qual era tão apegado.
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Em minhas férias de 1999, ano em que terminei a faculdade de medicina, passei Natal e Ano Novo em Recife. Nada de luxo, passeio em módulo econômico: viajei de tarifas promocionais de aeroviário e me hospedei na casa da amiga de uma amiga. Aquele lugar era um abandono só: ela, seu marido e um amigo-hóspede eterno ( mas isso é assunto para uma próxima blogagem) se entupiam full-time de marijuana... Sem trabalho, sem água, sem comida. O day-by-day menu era uma só coisa: cuscuz, cuscuz e cuscuz. Até o gigante dog alemão deles vivia disso, quando sobrava cuscuz. Quando não sobrava, a tal amiga esperava o coco cair para alimentar o cachorro. A cena era grotesca: enquanto comíamos, o dogão ficava na janela, choramingando e babando de fome. Sim, eu era duríssimo, mas não, não pude deixar de comprar um saco de ração para ele e ir dando umas canecadas de ração enquanto os dias passavam.
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Minha primeira cachorrinha era uma vira-latas branquinha chamada Frica. Meu avô escolheu esse nome porque ela chegou numa noite de inverno e tremia muito de frio. E o nome não poderia ser melhor: Frica era muito alegre, mas muito medrosa e tremia de tudo e de todos. Mas como todos os meus cachorros, Frica teve que partir. Passado algum tempo, minha família se mudou para Santo André e minha mãe achou melhor arranjar um outra cachorra. Agora uma dobermann, para proteger a casa, mas com o mesmo nome: Frica.
Essa Frica era diametralmente diferente da outra: era preta, robusta e não tinha medo de nada. Comia tudo que via pela frente, destruía brinquedos, panelas, chinelos. O mais curioso de seus ataques ocorreu em segredo e só foi revelado na porta de saída. Frica se contorcia, arrastava o rabo pelo chão, se impacientava. Finalmente conseguiu expulsar a primeira "remessa" que saiu pendurada numa corda de varal plástico azul. Prevendo o estrago que faria com aquilo, tratei de calçar luvas e acabar com aquela agonia. Frica tentou me morder, não parava um minuto para que eu pudesse ajudá-la e, num descuido, escapou das minhas mãos, saindo correndo pelo quintal, esticando, de uma ponta a outra, o tal do varal azul.
Fricas, Dugos, Tobys, Pablos, Jaimes, Sherlocks e tantos outros cães que passaram pela minha vida, deixando suas histórias que guardo na memória. Como meus amigos humanos, que passam, que vêm e que vão e deixam saudades. Diferentes raças, cores, tamanhos, jeitos. Somos como os cachorros vira-latas em busca de lares, de carinho, de atenção e de cuidados. Mais ou menos independentes, somos na verdade interdependentes e precisamos, como condição de sobrevivência, dar e receber amor para nos abastecermos de vida.
Onde estarão eles agora? Esses amigos silenciosos, companheiros, fiéis. Diferente dos meus amigos humanos, a maioria deles já deve ter partido para o céu dos cachorros, porque algumas dessas histórias têm quase a minha idade e o tempo deles se esvai muito mais veloz que o nosso.
Como muitos amigos humanos, não quis que nenhum deles saísse da minha vida; a vida os tirou de mim, pelas mãos de outrem, sem que eu quisesse. Mas, diferentemente dos cachorros, podem voltar a qualquer hora, porque ainda estão vivos na carne e, igualzinho aos cachorros, bem vivos em meu coração.
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