I BEG YOUR PARDON, I’VE NEVER PROMISED YOU A ROSE GARDEN

“So smile for a while
And let's be jolly
Love shouldn't be so melancholy
come along and share the good times
While we can
I beg your pardon
I never promised you a rose garden
Along with the sunshine
There's gotta be a little rain sometime”
(Rose Garden, Johnny Mathis)
“Você bem sabe
que eu não lhe prometi um mar de rosas
Nem sempre o sol brilha
Também há dias em que a chuva cai”
(Mar de Rosas, The Fevers)
Não, a vida não é um mar de rosas. A vida é um mar, com seus balanços, sua maresia, sua ressaca, seus tsunamis, seu vai-e-vem, sua instabilidade. E o mar da vida não se movimenta sozinho. Depende da Lua, dos ventos, de Iansã e seja lá que outra energia para fazer marés, ondas, maremotos. E depende do Sol, para aquecer suas águas, dar vida a algumas vidas. Tal e qual o mar, a vida não se processa sozinha. Dependemos de coisas e pessoas para que ela aconteça.
E, como o mar, a vida é incontrolável. Temos expectativas, esperanças, sonhos, desejos, projetos e tudo isso pode dar errado. Ensaiamos um feriado na praia, pegar um bronze, tomar água de coco, comer biscoito Globo e Guaraviton em Ipanema e pode começar a chover do nada.
Podemos praguejar, blasfemar, berrar revoltas aos céus, a Deus; oferecer ovos para Santa Clara, fazer cruzes de sal no chão e promessas às Nossas Senhoras todas, mas se tiver que chover, choverá. E se a chuva for embora ou parar, será um sinal de que nossas preces foram ouvidas, ou isso é apenas um lívido alivio para nossa ansiedade, porque a chuva foi embora porque iria mesmo, independente das intervenções celestes?
Hoje me lembrei da história de um colega de cursinho que ficou cego num acidente e ainda assim desejava ser médico. Gravava as aulas em fita cassete, treinou para escrever em cima de uma régua para um impiedoso vestibular que o obrigou a fazer uma prova escrita e, ao cabo de alguns anos de cursinho, conseguiu entrar na faculdade. Cursou os seis anos com liminares judiciais e, ao terminar, dizem que o Conselho Regional de Medicina não aceitou sua inscrição para exercer a medicina e ele se matou.
Quando contei essa história a um amigo, ele perguntou: “Mas ele não ia poder exercer a medicina”. Ele sabia das suas limitações e queria continuar trabalhando na mesma área que já estudava antes de entrar na faculdade: quiropraxia e acupuntura. Ele sabia que não seria um mar de rosas, mas tinha um sonho, uma missão, uma obstinação. E quase chegou lá. Depois meu amigo disse que essa história não era verdadeira. Mandei ele tomar naquele lugar.
Nesse final de semana, uma amiga veio a São Paulo para um congresso. Resolveu ficar num hotel junto com seus colegas de profissão mas, quando fui leva-la ao hotel, estranhei o endereço e desconfiei que não fosse um lugar decente para hospedagem. Dito e feito. O hotel ficava a cinco quilômetros do evento. Minha casa a dez. Não bastasse isso, o hotel “Option”, antigo “Flor de Santana” era e ainda é um hotel de “viração”; ou seja, um motel-drogódromo disfarçado de hotel, tão caro quanto um hotel do tipo Formule 1 ou Íbis. Bad, bad option. Nem preciso dizer que arrastei minha amiga e seus colegas para minha casa, até que achassem um hotel decente para se hospedarem. Tem um monte de coisa ultra-blogáveis nesse acontecimento, mas deixemos tudo isso para outras postagens.
E lá fomos nós, recheando o carro: eu, quatro mulheres, cinco malas, comidas, blusas de lã, cachecóis e a imagem do São Jorge Guerreiro de quase um metro de altura que havia comprado algumas horas antes. Chegamos em casa sãos e salvos por São Jorge.
Tem um lado da vida, que é o lado como nos relacionamos com o mar, que diz respeito às escolhas. Escolhemos ir à praia, escolhemos a possibilidade de tomarmos sol. Escolhemos tomar um banho de mar. Mas a escolha, o relacional, são sempre circunstanciais. Podemos escolher tudo isso ou nada disso, mas o mar, como a vida, nem sempre comunga nossas escolhas. Podemos ficar presos no trânsito da estrada, pode chover, pode ter cocô na praia.
Quando chegamos em casa, minha amiga quis desembrulhar o São Jorge. Disse que era pra ver a “carinha” dele. Tiramos todo o papel-bolha e resolvi deixar ele reinando, soberano, em cima da mesa da sala de jantar. Estou olhando para ele agora. Pergunto para ele, que é o santo das estradas, dos caminhos da vida, qual rumo devo tomar. Eu não sei de nada. Ele, ao contrário, sabe bem mais que eu dos caminhos da vida.
Por um momento, fico estático. Daí me lembro de uma cântico da aula de religião do colégio de freiras: “Perdido, confuso, vazio, sozinho na estrada, tentando encontrar um caminho que seja o meu, não importa se é duro, terei que buscar”. E o coro responde: “Caminheiro, você sabe, não existe caminho; passo a passo, pouco a pouco e o caminho se faz.”
Pronto. São Jorge respondeu. Tem horas que a gente tem certeza do caminho a seguir. E mesmo assim, essa certeza pode nos levar e encruzilhadas e bifurcações, dúvidas. E mesmo quando não fazemos idéia do caminho a seguir, não podemos ficar parado. Devemos seguir em frente. A vida, como o mar, como o caminho, não para nunca.
E me lembrei das conversas mentais que tive com Nietszche, ao terminar minha tese de mestrado: “Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar, para atravessar o rio da vida - ninguém, exceto tu, só tu. Existem, por certo, atalhos sem números, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio; mas isso te custaria a tua própria pessoa; tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar. Onde leva? Não perguntes, segue-o!”
Eu estou seguindo, pedras pra tropeçar, grama para comer, areia para carcomer os vãos dos dedos dos pés. Tudo pode fazer parte do caminho. Pra tudo se dá um jeito. Só não podemos ficar parados. Como dizia uma antiga terapeuta: “Prá tudo se dá um jeito; só não tem mais jeito quando a tampa (do caixão) fecha.”
0 Comments:
Post a Comment
<< Home