Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Friday, June 10, 2011

SINCRONICIDADES

"Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles." Mateus 18:20

No meu atual “junguianizamento”, tenho lido, observado e vivenciado um montão de coisas sobre a tal sincronicidade. Penso em pessoas e elas me ligam, tomo decisões e uma porção de coisas convergentes com minhas idéias e decisões se reúnem para a realização de diversos feitos. Tenho colecionado mentalmente histórias e passagens em minha vida que ilustram esses acontecimentos que beiram a esfera do sobrenatural.

Certo dia, estava em meu consultório tirando um cochilo enquanto aguardava para ir à faculdade dar uma aula. Acordei assustado, como se tivesse tendo um pesadelo. Fui à cozinha e encontrei um aglomerado de formigas carregando suas provisões de inverno: migalhas de bolacha sobre a mesa de vidro. Num impulso irracional, tirei minha camisa e comecei a batê-la sobre as formigas, destruindo quatro botões. Resolvi um problema, criei outro maior: como é que eu ia dar aula vestindo uma camisa sem botões? Tentei ajeitar, mas o aspecto estético era temerário. Me senti como aquelas mulheres barrigudas que usam batinhas transparentes e com franjas, deixando o umbigão à mostra.

Já era muito tarde para ir ao shopping, ia chegar atrasado à aula. No caminho, encontrei, para minha grata surpresa, uma papelaria aberta, coisa improvável de acontecer àquela hora. Chegando à papelaria, encontrei a proprietária, que muito gentilmente vendeu uma caixinha de costura com linha, agulhas, tesoura e botões. Comecei lá mesmo a pregar os botões na camisa, espichando a minha barrigona semi-desnuda. Ela até ofereceu ajuda para pregar os botões. Agradeci e continuei minha terapia ocupacional.

A mulher estava conversando com uma mulher e um homem, cujo comportamento rapidamente identifiquei como sendo de um sujeito com alguns “problemas”.

Tal e qual as bordadeiras da Ilha da Madeira, engatei num papo momentâneo com eles, enquanto driblava os movimentos da agulha para evitar me furar. Então minha boca de caçarola foi logo comentando:

- "Ainda bem que encontrei sua loja aberta, imagina se vou dar aula com a barriga aparecendo?"

- "O senhor dá aula aqui na faculdade?"

- "Sim, eu sou médico."

- "De qual especialidade?"

- "Psiquiatra."

E quando essa palavra saiu ingênua e fresca da minha boca, o cara começou a gritar, na calçada, para todo mundo ouvir:

- "Eu sabia que Deus ia escutar as minhas preces! Graças a Deus! Aleluia!"

E eles começaram a chorar copiosamente, como se tivessem encontrado Jesus Cristo, ou um sujeito muito próximo dele, como o João Batista.

- " É doutor, esse moço está passando por umas dificuldades e está precisando de uma consulta. Tentamos marcar no ambulatório, mas tinha que passar nuns grupos e não passa no médico na hora..."

- "Qual ambulatório?"

Eu não sei dizer qual foi o momento mais crítico. Se foi eu ter falado que era médico, se foi eu ter perguntado qual era o ambulatório ou se foi ter respondido que eu trabalhava exatamente no lugar onde eles foram procurar ajuda. Mas essa era o fato. Místico que sou e estou, somado aos meus junguianismos atuais, lá fui oferecer ajudar e marquei um atendimento para o moço. E foi aí que ele gritou de verdade. Agradeceu, ajoelhou no chão, fez com que déssemos as mãos todos e, chorando, rezaram um pai-nosso."

O fato é que eu o atendi. O fato mais fatídico é que não posso contar suas histórias interessantíssimas nesse blog; porque sim, eram interessantíssimas. O fato triste é que ele não voltou nunca mais ao meu atendimento.

Mas esse acontecimento me fez refletir sobre o poder desses fenômenos psico-espirituais, que na minha opinião ultrapassam os limites das coincidências.

Outro dia estava assistindo a um vídeo no Youtube de uma entrevista do Leonard Nimoy, o ator que interpretou o Spock, do seriado Star Trek com a analista junguiana Beverley Zabriskie. Nimoy disse a ela que, lá pelos anos setenta, numa época de crise nos Estados Unidos, ele compôs uma música chamada “The sun will rise”, que trazia uma mensagem de esperança, de que os tempos seriam melhores e que, pouco tempo depois, soube que os Beatles haviam gravado “Here comes the sun”, que carregava a mesma mensagem e ele acreditava ser uma sincronicidade. Zabriskie, com seu inglês impecável e a finesse das moradoras da Park Avenue, disse que quando coisas acontecem ao mesmo tempo podem ser encaradas como coincidências e que quando essas coisas coincidentes apresentam um sentido particular em nossa existência, que fazem um sentido para nossa alma, então estamos falando de sincronicidade.

Eu não acho que foi uma coincidência. Acredito de fato, que ocorreu uma sincronicidade e foi por isso que decidi tentar ajudar aquele rapaz. Mas também fiquei em dúvida se, para além da sincronicidade, fui, de uma certa forma, “cooptado”, “abduzido” pelas ondas celestes imanadas pelas preciosas orações daquelas pessoas.

E quanto às formigas? Sim, porque se elas não tivessem aparecido, esse encontro provavelmente não teria acontecido. E como é que elas se envolvem nessa rede de sincronicidade? Um tempo atrás soube de um famoso biólogo que, ao estudar a comunicação entre animais menos desenvolvidos, foi satirizado pela comunidade científica por começar a propagar sua opinião de que até os insetos e aracnídeos poderiam ter sentimentos. Em algumas vertentes dos cultos hinduístas, existe a crença de que podemos reencarnar, não apenas como humanos, mas como outros animais e até como outros elementos da natureza, como uma samambaia ou um abacaxi.

Tudo isso porque dizem que Deus escreve certo por linhas tortas. E na escrita de acontecimentos como esse que vão ficar pra sempre na minha memória, creio que Ele escreveu por linhas tortíssimas. Acho que Deus é canhoto.

Mas eu resolvi contar isso pra vocês porque, se de um lado o mundo está cada mais embrutecido, intolerante e repressor, não podemos deixar de botar nossa atenção a esses fatos curiosos da vida, que valem mais do que um milhão de palavras escritas em dez mil livros.A felicidade, a realização, a plenitude da vida, podem estar escondidas em pequenos eventos, em pequenos seres, em pequenos momentos. É como diz minha amada Adélia Prado, em seu poema “A face de Deus é vespas”:

Mas não recuso os marimbondos armando suas caixas

porque são alegres como posso ser, são dádivas,

mistérios cuja resposta agora é só uma luz,

a pacífica luz das coisas instintivas.”

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