Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Sunday, April 24, 2011

PARA ALÉM DA ÉTICA CRISTÃ.



Depois de uma temporada em New York, minha grande amiga e eu decidimos explorar um pouco mais a minha-nossa cidade. Não, não estou falando de Paris. Essa vai ter que esperar um pouquinho. Estou falando de São Paulo. Antes que os zumbis da Cracolândia tomem conta de toda a cidade, temos que conhecer ou revisitar uma porção de coisas dela.

E hoje, em pleno domingo de Páscoa, no ápice do renovação católica com a ressurreição de Cristo, resolvemos inaugurar o nosso “tour de ville” indo à missa do Mosteiro de São Bento. A igreja em si é um luxo. Quando morava no centro da cidade, costumava ir aos fins de tarde assistir às missas e ouvir seus cantos gregorianos. Tenho uma certa afinidade com essa facção católica, seus cânticos, seus costumes, seus trajes. Adoro quando os monges entram defumando a igreja com mirra, cantando aquelas coisas que não entendo.

Mas a atmosfera da igreja hoje não era de sonho. Tava mais para pesadelo. Chegamos em cima da hora de começar a missa e ficamos sem lugar para sentar. Lá dentro, um mundaréu de gente, já ocupando os corredores laterais, sentando-se nas muretas dos pés dos santos, conversando e tirando fotos. Claro que isso não é uma cafonice tipicamente brasileira ou paulistana. Por qualquer igreja que eu tenha andado, em qualquer lugar do mundo, tem montoeiras de gente fazendo coisas inadequadas dentro de igrejas e outros tipos de templos.

Tinha de tudo na igreja. Um passa-passa sem fim. Gente se minhocando para passar na frente das outras pessoas, uns pra ficarem mais perto de Deus, outros para tirarem fotos mais bonitas. Um senhor de porte respeitável ao meu lado se enfezou antes de mim e se postou ao meu lado, feito um dois de paus para barrar a passagem nos chateuntes. Desistiu no terceiro idiota que vinha dizendo “cença” e passando por entre nós dois. Eu tive vontade de chutar canelas, dizer impropriedades e dar cotoveladas, mas a minha balança temperamental estava em superávit de paz de espírito. E ainda pedi perdão pelos pensamentos. Abstraí, tentando bater um papo com São Bento, pedindo que ele me protegesse, me abençoasse e um tanto de coisas mais. Mas a minha conexão com ele dava “pau” toda hora. Era um velho, tipo frontalizado, que falava alto no canto da igreja com sua mulher, que respondia, e o babaca do seu filho, que retrucava. E o eco de suas vozes ecoava mais que o canto dos monges, mais que a voz de São Bento em meu coração. Acho que é por causa de uma lei da física, que faz os cantos transmitirem os sons melhor, ou coisa parecida. Muito chato.

Dali há pouco veio um outro velho, esse com cara de tarado, e se enfiou na frente da família-eco. Achei que fosse parente, mas minha amiga falou que o velho-eco ecoou ao tarado que ele estava “na sua frente” e o tarado foi embora. Pelo menos nisso a família-eco ajudou. Mas continuavam, em seu retumbante eco, obstruindo minha comunicação com os monges do Céu. Chiado por chiado, resolvi mandar um “xiiiiiiiiiiiiiiiii” bem chiado que calou aquele eco todo. Mas acho que chiei tão forte que espantei até São Bento.

E tudo ali era Sodoma e Gomorra. Enquanto os monges caprichavam em seu latim comportado, aquele falatório. Crianças chorando, celulares tocando, barulhos de máquinas fotográficas, “splashs” de flashs inconvenientes. Eu tirei algumas fotos. Sem flash. Algumas mensagens chegaram em meu celular. Sem barulho. Eu fiz “Check In” no meu Iphone. No silencioso. Ó Deus, perdão. Culpei os incautos pela perda de conexão com São Bento, mas talvez tenha sido mesmo meu TDA. Perdão.

Aquele buzuzu todo foi me irritando. E o calor? Um calor dos infernos! Ops, foi mal... Um calor senegalês, como diria um amigo meu. E com o calor, o tradicional “cheiro de gente”, como disse um paciente meu. Ainda não era suvaquismo. Era aquele cheiro de calor humano, aquele bafo morno que paira pesado no ar e dá um mal estar parecido com encosto. Num certo ponto da missa, os monges voltaram a defumar a igreja, jogando fumaça no turíbulo em volta da bíblia. Para mim isso era desculpa para espantar o cheiro de gente. Mas nem aquela mirra toda foi capaz de dispersar aquele bafo todo. Tanto que, logo após, eles começaram a aspergir o “sangue de cristo” com uma “mohadeira” enorme. Que sangue, que nada. Aquilo pra mim era água de cheiro gelada e diluída.

E após uma hora de cerimônia, os chateuntes começaram a se movimentar. Sim, como o calor é capaz de fazer formigas, baratas e lagartas saírem dos buracos, e lá começaram as pessoas a andar de um lado para o outro, incomodando quem estava tentando alguma conexão com o divino, com o artístico ou contanto até dez mil para não falar algum palavrão bem na cara de Deus. Os que estavam na frente decidiram passar para o fundo para tomarem ar e os que estavam no fundo decidiram chegar mais pra frente para verem melhor. Um caleidoscópio de movimentações humanas bem no meio da missa.

A essa altura, com as costas doendo, suando em bicas e com 20 pontos positivos no meu irritômetro particular, dei aquela olhada para minha amiga e disse aquele tão sonhado “Vamos?” que já rondava seus lábios e neurônios há horas. Tanto que, quase sincronicamente, o meu “Vamos” foi pergunta e resposta ao dela. E saímos, decepcionados, entristecidos e desanimados com a aventura.

Tanto que abortamos a apresentação de canto que haveria logo após, fugimos do Café Girondino e desanimamos do Centro Cultural Banco do Brasil. Mortos de fome, fomos perseguir burekas no bairro do Bom Retiro, em vão. E no auge da fome, perseguir burekas virou uma questão de honra. Lá fomos nós peregrinando pelos Borsch Belts paulistanos. E nada de burekas. Mergulhados no judaísmo inerente de Higienópolis, assentamos nossas burekas em favor de um pequeno pingado e pão com queijo. Gouda, ao menos.

Agora entendo porque a Abyssinian Church, do Harlem, faz os turistas se organizarem em filas e só permitem que eles entrem depois de horas de fila, humilhantes e inquisitivas provas de fogo e somente depois que todos os habitués da igreja estão acomodados. Achava que tinha a ver somente com o respeito com a comunidade que frequenta a igreja; mas é um respeito maior: com a própria igreja enquanto templo, com o culto e com os fiéis. E eles ainda têm ar condicionado.

Já disse que nasci católico e fui batizado pelo Frei Orestes, um monge beneditino em Campos de Jordão. Não sou mais católico e, com exceção de algumas missas em algumas igrejas específicas, acho o ritual todo um pouco parado. Sei que Deus e seus anjos estão lá, paradinhos, como lhes convém numa missa católica. A missa, sobretudo essa, com tanta formalidade e pompa, é o baile de gala das coisas do espírito. Mas prefiro ver Deus e seus emissários dançando o “samba” dos cultos afro-brasileiros. Porém, seja na missa - e qualquer que seja a missa -ou qualquer outro tipo de culto que louve a Deus em primeira instância, deve ser digno de respeito e postura. Silêncio onde cabe o silêncio, palmas, cantorias e dançam quando se é permitido e requisitado.

E é essa ética que falta à maioria dos visitantes de templos, igrejas, museus e sepulturas, principalmente em lugares sagrados. Falta o compromisso com o respeito, com a postura, com a boa educação de saber se portar num ambiente como esse. Cristão ou não cristão, não é essa a questão. Ateu, deísta ou seja qual for a religião. Ao entrar na casa do seu deus ou do deus de quem seja, acreditando ou não que ele possa bem ser o mesmo, respeite essa casa, como se fosse sua. Agora: o que fazer quando o cidadão não sabe respeitar nem a própria casa? Daí ferrou.

1 Comments:

Blogger Marilia Castello Branco said...

Que horror! Mas nos dias de semana é minha igreja preferida, oásis depois do caos da 25 de Março... ;-)

6:06 PM PDT  

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