NOITES INTEIRAS E LONGAS EM PARIS
Na Inglaterra e em todo o Commonwealth, brinda-se dizendo “Vida longa à Rainha”, ou ao Rei, ou ao que o valha. É de lá que vem também a famosa frase “God save the Queen”. Eu gosto muito da Inglaterra. Conheço pouco; só fui duas vezes a Londres; gostaria de poder ter ido mais vezes. Mas não consigo deixar de ir pra Paris.
Meu negócio mesmo é Paris. Como já disse, eu ainda quero viver em New York, mas quero morrer em Paris. Já fiz cenas trágicas da minha morte com uma overdose de heroína enquanto me atiro do alto da Torre Eiffel, mas o que quero mesmo é dar meu último suspiro no outono, sentadinho na minha bergère confortabilíssima, aquecido por uma leve brasa da lareira e meu cobertor de cashmere, com as janelas abertas da pequena varanda, olhando as folhas amarelas caindo das árvores do Jardim de Luxemburgo. E, de preferência ao lado do meu amor.
Não tenho pressa nessa cena. Quero partir lúcido para poder ver meu sonho se realizando. Mas enquanto isso não chega, ainda quero desfrutar com saúde, bom humor e muita champagne essa cidade que tanto amo. Quero poder falar francês melhor, escrever e publicar livros em francês e levar muitos amigos para lá, mostrar a cidade, respirar aquele ar cujo cheiro não se acha em outro lugar.
E cada vez que eu vejo um belo filme que retrata a minha “Cidade Maravilhosa”, fico cheio de desejo por Paris. Tenho vontade de catar o primeiro avião e esquecer da vida (prática). Paris. Paris, eu te amo. O fabuloso destino de Amélie Poulain. A viagem do balão vermelho. Arsène Lupin. Parabéns, Woodie Allen. Você venceu. Não vi a sua neurose borbulhante contaminando o filme, nem mesmo quando Gil oferece Valium para a suicida Fitzgerald.
Mesmo que a trama do filme fosse deplorável, o que não é, a fotografia de Paris reina absoluta. Obrigado, Woodie, por ter mantido o respeitável silêncio cinematográfico e não ter contaminado a doce fotografia de Paris com seu barulho. A trilha sonora estava ótima, mas não perfeita. É pra não esquecer que era um filme quase francês feito por um americano. Podia ter tido um pouco de Piaf, Gainsbourg, Josephine Baker, Dalida, Aznavour, mas tudo bem.
Além da beleza de Paris, acredito que o “aprisionamento” afetivo pelo filme ocorra porque, salvo raríssimas exceções – até agora só ouvi uma pessoa dizer que não gostou do filme- qualquer pessoa já quis fugir alguma vez de seu tempo e habitar o passado. Em meus longos sofridos passados anos, eu já quis isso. Na verdade queria fugir para o passado, para o futuro, e até para outro planeta. Qualquer tempo ou lugar diferente daquela vida miserável. E quando pensava em fugir para o passado, imaginava migrar para a década de cinquenta ou sessenta. Adorava aqueles carros todos. Aero Willys, Studebaker, Cadillacs rabo-de-peixe, lambretas. Elvis, Nat King Cole, Paul Anka, Neil Sedaka. A música, os filmes, as imagens me transportavam para uma realidade afável, romântica. Todo mundo já quis fugir um dia. Eu quis, por muitos anos, o tempo todo.
Como Gil Pender e todos aqueles artistas que ele encontra no filme, eu já quis fugir para Paris. Nas minhas brincadeiras mentais de menino, eu saía de casa aos dezenove anos para morar em Paris. Hoje eu não quero mais fugir; não totalmente e sim parcialmente. Hoje Paris é uma fuga consciente, um oásis no qual me reabasteço de bonheur, de joie de vivre, de amour. É meu paraíso na Terra, a confirmação da minha certeza íntima de que a Felicidade existe, está em todos os lugares, mas cuja nascente está lá. No filme de Woodie Allen, é à meia-noite que as coisas se transformam. Como em “Sonhos de uma noite de verão”, de Shakespeare; como na Umbanda; como na Alta Magia. É à meia-noite que as portas para o sonho, para os mundos invisíveis, para a imaginação, para o império dos sentidos; todas se abrem. Era à meia-noite que começava a minha insônia na adolescência e eu me transportava para os “Anos Dourados” pelos 105,9 da Rádio Musical FM, ouvindo músicas, gravando e regravando em meu “duplo deck”. Era à meia-noite que minha imaginação me transportava para as ruas de Paris e por lá eu ficava.
Ninguém conhece Paris melhor do que eu. E não é pelo fato de eu já ter ido tantas vezes. E até acredito que existam milhares de pessoas que possam ter morado lá, coisa que eu não fiz, ou ter viajado para lá mais vezes do que eu, ou ter passado tempos muito maiores que os meus. É bem provável. Mas essa Paris da minha imaginação; essa para onde eu já fui tantas vezes; essa onde eu morei por tantos anos; a Paris na qual eu chegava em poucos minutos, abrindo a portinha da minha fértil mente; essa, ninguém sabe andar por ela como eu.
Claro, tem gente que não gosta de Paris. Tem gente que gosta mais de Londres, Tóquio, Massachusetts, Praga, Estocolmo, Antuérpia, Baraqueçaba, Uluwatu, Amsterdam, Bogotá. Sei lá. Respeito as cidades prediletas de quem quer que seja. Respeito, apenas.
O jeito é torcer para reativarem o Concorde; para inventarem o portão interestelar para sermos transportados em segundos para Paris. E tomara que o pouso seja na mesa do Ritz, com o garçom esperando com uma resplandecente taça de champagne. E enquanto não chega esse dia, vou em frente, comendo quiches, brioches, croques, fromages e crepes. Um Paris State of Mind.
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