Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Thursday, August 25, 2011

LIVRAI-NOS (se possível) DE TODO O MAL, QUE ASSIM SEJA! (Uma conversa franca com Deus)


Deus, meu Deus, por que tanta desgraça ultimamente? Não em minha vida, e por isso Te agradeço imensamente. Mas é um tal de desgraças ecológicas, atentados, tsunamis, pestes, hecatombes. Ao meu redor gente doente, gente aflita, gente morrendo. E não é por falta de fé; exceto se é a falta coletiva de fé que tem abalado a engenhosa arquitetura do equilíbrio universal. Daí fica difícil e minha contribuição, meu depósito subsequente de fé na vida, no mundo, na alegria, torna-se insipiente.

Eu me ajoelho, ao menos semanalmente, rezando, pedindo a Você que ampare os necessitados, que olhe pela saúde daqueles que necessitam. Desculpe se eu chamo Você de Você, mas eu ainda continuo pensando que não é pela forma que chamamos que demonstramos mais ou menos respeito. Respeito acontece respeitando. E eu Te respeito. Imensamente. É claro que questiono coisas, dogmas, invenções dos humanos para justificar ou para afastar as pessoas da proximidade com Deus. Não, não é assim que eu Te vejo. Se Você é meu Deus, se está comigo em todas as horas, se me manda seus anjos e seus emissários que me amparam nas dificuldades, então Você é meu brother, meu amigo, meu pai que eu amo, respeito, admiro, venero. E aliás, peço perdão pelas incoerências gramaticais de Tu e Você. Mas acho que Você entende, e quem lê, também.

É claro que já não fui atendido numa série de solicitações. Queremos todas as pessoas curadas de seus cânceres, queremos que todas as pessoas queridas deixem de sofrer, queremos que (quase) todas as pessoas ao nosso redor continuem vivas e gozando de boa saúde. E sei porque não fui atendido: porque não podemos controlar tudo, porque nem sempre as coisas são como desejamos, porque há diversas coisas no mundo que, de fato, não entendemos. Mas não me importo em pedir sempre, em suplicar, em repetir.

Chato mesmo é quando me arrependo de ter rezado por alguma causa ou por alguém. Sim, sou humano e nem sempre faço o bem sem olhar a quem. Tem dias que estou tão inspirado que rezo até para os meus inimigos. Também rezo numa “vibe” mista: num complexo emaranhado de sentimentos egoítas-generosos, rezo para que meu pai tenha saúde, que ele tenha uma boa vida, que ele sofra o menos possível. Vejo-me generoso ao pedir por esse cara que sempre me tratou com desprezo e violência, pedindo para que ele tenha saúde e que o Senhor ilumine aquela alma perturbada. Mas me vejo egoísta querendo que ele esteja sempre bem, que seja amado e respeitado pela sua nova família para que eu não precise perder tempo cuidando dele no futuro.

Tenho sido claro com as pessoas sobre a minha religião. Sou macumbeiro. Gosto da coisa e gosto da palavra, além de ser mais curta e mais fácil de falar. Tem gente que acha feio falar macumbeiro e considera o termo cheio de pejorativos. Dizem que certo mesmo é falar umbandista. Mas eu não vejo diferença. Macumbeiro ou Umbandista. Preto, negro ou afro-descendente. Homossexual, gay ou viado. Tudo vai depender do modo como é falado, vivido ou interpretado. Macumbeiro ou umbandista, mais do que a palavra, o “ser” isso é que pressupõe a ameaça: todo mundo acha que você vai colocar o nome na boca do sapo e enterrar na quarta cova do cemitério se for contrariado. Outro dia, um conhecido veio me pedir para ensinar alguma coisa para ferrar a vida de alguém. Respondi que sabia, mas não ensinava. Sei, sim. E sei porque aprendi, e sei porque está escrito em qualquer revista de simpatias ou em livros de magia negra vendidos nas bancas de jornal. E pra quem quiser, tem o Google, que ensina qualquer coisa a qualquer pessoa. Mas nunca fiz, nem nunca farei mal a ninguém.

É lá, na tal macumba, que eu rezo para aqueles que sofrem. Que oro pelos doentes, pelos desgovernados da cabeça. Que me ajoelho e suplico pelos “nóias” que conheço para que consigam abandonar esse caminho literalmente cheio de pedras. É nesse lugar sagrado que rezo pelos meus sobrinhos, para que cresçam saudáveis e contentes; pelos meus irmãos, pelos meus amigos; pelas pessoas que amo. Tem um monte de gente que agradece as minhas orações. Tem um montão delas que, virou e mexeu, pede para eu “dar uma força”, para rezar para alguma coisa dar certo, para os caminhos se abrirem, para achar um emprego. E eu rezo. E rezo com fé.

Tenho ido às Festas de Iemanjá em Salvador, no dia 2 de fevereiro de cada ano. Espero poder continuar indo todos os anos. É como abrir o ano com a alma lavada, mais leve, mais limpo, cheio de esperanças de bons acontecimentos. E a cada ano, cresce um pouquinho minha ritualística em torno dessa festa. Comecei com rosas, acrescentei fitas coloridas, perfume de alfazema, velas. Esse ano entreguei uma lista enorme de pessoas à Rainha do Mar. Tive surpresas. Gente que quase não vejo, gente com quem pouco falo, enfim, gente, humana gente, me pedindo para colocar seu nome num papelzinho endereçado à deusa. E fiz com o coração limpo, cheio de fé e esperança nessa mãe maravilhosa que cuida das cabeças enquanto o Senhor descansa.

Sim, Deus, porque eu acredito que o Senhor deve descansar em alguns momentos. Um santo cochilo. Como é que pode alguém, mesmo que seja Deus, tomar conta de todo o Universo e não parar nem um segundo? Dizem que o tempo é diferente em outras galáxias, então esse segundo pode valer horas, dependendo do lugar onde Você estiver. Se eu fosse Deus, ia trabalhar meio período.

Você, Deus, sabe o quanto isso é verdade: sou crente. Crente por crer em Você, crente por ter esperança nas coisas. Crente por acreditar. Deve ter gente rindo de mim enquanto lê esse texto, pois onde já se viu um crente-macumbeiro ou macumbeiro-crente? Afora a possibilidade de crer, o que me torna consequentemente um crente, já vi gente de todas as religiões frequentarem terreiros secretamente. Já vi pastor evangélico, judeu ortodoxo, budistas e hindus; sem falar na legião dos oficialmente católicos que se ocultam suas crenças atrás de seus emblemas religiosos “oficiais”. Do mesmo modo que muitos macumbeiros se dizem “espíritas” nas rodas sociais. Mas não crucifico as pessoas com seus armários. Quem mora em armários, sejam sexuais, religiosos, afetivos ou quaisquer outros, moram porque precisam morar. E, no final de tudo, Deus, em sua imanência ímpar, sabe de tudo.

Só falta uma coisa, Deus. Queria realmente poder te conhecer. Não esse conhecer abstrato, metafórico, que se concretiza na crença. Quero Te dar um abraço, apertar tua mão. Agradecer pessoalmente a vida, o amor, a saúde, as boas realizações. Mas nem sei se isso será possível. Acho que deve ser como o porteiro que trabalha na Rede Globo há mais de trinta anos e nunca viu o Faustão, ou o Sérgio Chapelin, ou o Boni, ou o Roberto Marinho. O cara trabalha pra “eles”, fala deles, conta histórias da Globo para família e amigos, mas nunca viu ninguém.

Talvez seja isso que faça tantas pessoas se afeiçoarem aos cultos afro-brasileiros. Talvez seja por isso que seja tão bom ser macumbeiro. Não é toda religião que você pode receber o abraço de um “deus”, um orixá, uma divindade. Vê-la de pertinho. Tocá-la.

Bem, Deus, eu termino por aqui. Deve estar cansado de tanto ouvir. Deve ser uma piração ser Deus. É todo um telemarketing passivo de reclamações e súplicas, tudo dirigido ao Senhor. Ufa, cansei só de pensar. Milhares e milhares de pessoas conectadas com o Senhor pedindo coisas. Por outro lado, a central de agradecimentos, o pedaço que recebe louros pelas obras deve ser até monótono, pelo tanto que agradecemos, comparado ao quanto pedimos.

E é por isso que termino agradecendo. Sinceramente. Emotivamente.

Obrigado, Deus.

Wednesday, August 24, 2011

A VIDA EM POUCOS MINUTOS


Tinha um tempo em que não pretendia se desvencilhar. Era o tempo em que perpetrava a ignorância, o não saber as coisas. Uma criança que se vê obrigada a seguir o caminho sem sua avó-mãe. Mais que avó materna. Avó que era a mãe de verdade. Veio a morte. Veio o desejo da morte proferido da boca de um menino triste de apenas três anos de idade. A morte levara consigo a avó que lhe dava o verdadeiro amor e carinho que as crianças necessitam. Depois a vez da tia-mãe. Não era a tia da mãe nem a mãe da tia. Era a tia que era mãe-complemento da avó-mãe e que também fora embora. Não era morte, era fuga, libertação. Mas a ausência, na cabeça desordenada da criança é como morte. Sem explicação, agora é a vez do avô-pai. Sem explicação que dê conta do tamanho desse vazio, o avô que era mais do que pai se afasta, escolhe um outro rumo, quase que desaparece. Vez ou outra se materializa avô, mas é bruma a maior parte do tempo. E é nesse fog vivencial que uma criança é apresentada à sua nova família. Tem que aprender a conhecer a mãe o pai que não o quiseram. Agora é fácil entender aquela cisma: parecia ter uma idade equivocada. Era por isso; nasceu para seus pais e a eles foi apresentado aos três anos de idade. Na verdade é só aos cinco anos que conhece uma mãe. Antes disso tudo é fog e as lembranças não são com ela. Sobrevivente de um holocausto de seis pessoas, restam a criança e mãe. Ninguém mais. Nesse manual de sobrevivência, vão-se traçando linhas tortuosas de uma convivência amistosa. A criança aprende a gostar da mãe. Suas brincadeiras estúpidas, seus carinhos esquisitos. Hoje, viajando na noite fria pelas ondas cibernéticas, pôde lembrar do ferro de passar esquentando os lençóis. As brincadeiras-oração de completar frases sobre dormir com os anjos e com Jesus. Os afagos, as brincadeiras, o brincar de imitar pessoas. De repente a mãe que não quis se transforma numa máquina de fabricar amor sufocante. Cobrança. Posse. Controle. Põe medo no filho, não deixa andar descalço, não deixa ter amigos, não deixa correr com as crianças. Cria um marionete e abotoa nele um paletó que podia ser de madeira. Será o castigo por ter-lhe roubado a infância ao invadir seu útero, engravidando-a? O menino é o apanágio, o estigma, o DNA, a mitocôndria, o símbolo, o mito, a prova. De seu erro. Toda forma de controle revestida de amor materno é a vingança da adolescente que sacrificou a inocência por paixão desenfreada. E não teve como ter raiva do macho. Raiva só sobrou pro rebento. Era pra ser aborto. Mas aborto concretizado não leva virgens ao altar. Na perdida solidão do abandono feito coisa imprestável e quebrada, o menino cria seu mundo de coisas fantasiosas. Fala, vê, sente, conversa, interage. Tem amigos, é poderoso, rico e controla a vida alucinatória de modo que não aconteçam tragédias. Ninguém morre. Ninguém vai embora. Tem um momento no tempo da vida desse menino que alucinação não estanca mais as faltas, a solidão. Tem esse momento crucial em que o menino decide exigir uma reparação desse destino insólito. E sei lá por qual motivo, esse foi o único presente que ganhou deles e que não fora tirado, roubado. O menino pediu uma irmãzinha. E ela veio. Deu-lhe nome que já era escolhido desde antes do anúncio da sua chegada. Fez dormir cantando canções de amor. Cresceu. Multiplicou-se em vida e amor. A menina e o menino míticos seguem juntos, de mãos dadas, hoje feitos adultos.

Wednesday, August 10, 2011

GULOSOS, GULODICES, GULOSEIMAS.


Já disse outras vezes, sou guloso. Gosto de cozinhar, gosto de ver as pessoas saboreando a comida que cozinhei. Mas, principalmente, gosto de comer. A minha comida, a comida dos outros. Meus amigos falam que sentem prazer em me ver comendo. Dizem que meus olhos brilham. E eu acredito. Sempre fui assim, desde minha tenra infância.

Minha mãe cansou de repetir que, lá pelos dois anos de idade, subi em cima da mesa e comi uma dúzia de bananas. Deve ser por isso que não curto muito bananas. Estourei minha quota. Teve uma outra vez que fui pego bebendo um bule de café pelo bico Desse episódio eu me lembro. E assim, fui vivendo a vida, adorando ajudar as tias na cozinha; a enrolar brigadeiro nas festas para comer os que ficavam mal feitos; a comer os doces escondidos das festas.

Só teve uma época em que isso mudou. Num processo de terapia higienista, acreditei na mentira que eu mesmo me contei e fingi por uns dois anos que tinha uma alma magra. Emagreci trinta quilos, ia todos os dias à academia e vivia de Marlboro, café, alface e coca zero. Eu gostei um pouco desse período. Até porque, naquele período de miséria financeira, ser magro e comer pouco era muito conveniente. Só não gostei da anemia. Mas não durou muito. Bastou eu ganhar um pouquinho mais de dinheiro, comprar um carro e para de subir a Rua Augusta inteira a pé para recuperar os quilos perdidos. É porque eles não estavam perdidos; estavam escondidos nas gavetas da existência, junto com minha alma gordinha.

Uns tempos atrás, encontrei minha antiga analista, a principal incentivadora do meu momento “Kate Moss”. Ela, que associava magreza a saúde mental, ao me encontrar, exibindo orgulhoso meu “abdomen definido”, não hesitou em dizer: “Você engordou,né?”. Antes ficaria chateado. Mas não fiquei. Tratei de responder confiante: “É, Doutora, a vida está muito boa”.

Hoje gosto de ser gordinho. Só não gosto quando o “gordinho” pula para o status de “baleia”, cujo sinal é a barriga indo além do que os botões da blusa podem alcançar. Certa vez, num restaurante, estava nessa fase “baleiosa” e mesmo assim resolvi insistir num modelito errado. Não teve dúvida. A barriga, insatisfeita por estar presa, guerreou com os botões da camisa e rasgou o pano, bem em frente ao meu umbigo. Mas consegui disfarçar durante todo o jantar e, ao sair, coloquei a mochila na frente.

Como o meu gosto por atividade física é inversamente proporcional ao gosto pela comida, vivo num movimento cíclico de para-volta-para minha frequência às academias. Queria que inventassem um aparelho que funcionasse absolutamente sozinho e me exercitasse enquanto tomo um capuccino. Morro de pena de pagar por mês numa academia o que gasto num jantar.

É claro que a minha gulodice traz alguns contratempos às vezes. Quando trabalhava na Varig à noite como agente de reservas, adorava surrupiar os lanches abandonados no balcão da cozinha. Fiz isso muitas vezes, até o dia em que bebi um suco Del Valle com detergente, provavelmente uma armadilha para ursos famintos. O resultado foi incrível: vomitei, engasguei e cospi bolhas de sabão a noite inteira. E nunca mais roubei lanche de ninguém.

Mas podia ser pior. Um colega psiquiatra resolveu beber o suco que foi dado a um paciente num hospital psiquiátrico. O paciente alegava que não queria beber porque tinham colocado remédio dentro. Ele não acreditou e, querendo dar uma de crédulo, associado à sua gulodice, mandou ver o copo de suco de Tang fajuto. Passou a noite inteira dormindo e só conseguiram acordá-lo ao meio-dia do dia seguinte.

Uma vez, chegando de viagem da França, peguei um táxi em Cumbica. Trazia uma caixa enorme, com um abajur chiquérrimo. O taxista, muito inadequado, disse:

“Vou colocar o abajur no banco de trás, e um de vocês vai na frente. Vou separar dois machos, mas acho que não tem problema, porque afinal são dois machos.”

Irado, tratei de responder:

“Acontece que os machos são um casal. Somos namorados.”

E ele, perplexo, retrucou:

“Nesse caso eu vou separar os machos só um pouquinho. Mas não fica preocupado, porque não vou roubar o macho um do outro.”

Mas eu achava que essa tinha sido a máxima dele para o resto do dia. Sentei-me no banco da frente e, ao pedir que ele aumentasse um pouco o ar condicionado, ele bateu na minha perna e perguntou:

“Por que é que gordo sente tanto calor?”

“Não faço idéia.”

“Deve ser por causa das banha. Banha dá mais calor.”

E bateu de novo na minha perna.

“Quanto você pesa?”

“Não faço idéia.”

“Todo gordo é igual. Nunca sabe quanto pesa. Minha mulher é igualzinha. Você também fala que não come?”

Dei um olhar 317 e ele se aquietou. E antes que ele viesse com mais inconveniências, tratei de fingir que estava dormindo, até chegar em casa. Na porta de casa ele se pôs todo solícito a carregar minhas malas. E quando colocou a última no chão, eu agradeci, desejei bom dia e bom trabalho. Ele se espantou:

“E não tem uma caixinha não?”

“Eu acho que a corrida já está bem paga. Eu até daria caixinha, mas o senhor precisa aprender a ficar mais calado. Tenha um bom dia.” E ele saiu cantando pneus. Eu nunca esqueci dessa história. Ele provavelmente também não.

Num certo carnaval, fomos a um Resort em Ilhéus. Cana Brava Hotel. Escolhi essa cidade porque, além de praia, sol e piscina, tratei de me certificar de que não havia carnaval por perto. Disseram que esse era o melhor resort da cidade. Devia ser mesmo, porque era o único. E, apesar do all-inclusive, tomamos a sábia decisão de alugar um carro e comer fora todos os dias. Todos os dias da semana comendo no Vesúvio, o bar do Sr. Nassib, marido da Gabriela, aquela do cravo e canela. Delicioso. O legal de lá era que podíamos variar entre a comida baiana e a comida árabe. Ou misturar as duas. E apesar de muito dendê, muita moqueca e muito acarajé, nossas barriguinhas ficaram ilesas.

Foi só no último dia de estadia que decidimos comer no resort. Era um jantar baiano e eu me equivoquei enormemente ao pensar que ao menos uma boa comida baiana eles seriam capazes de produzir. Bobagem. Mas mesmo assim, como bom guloso, me esbaldei naquela dendezância toda.

Dizem que quem planta vento, colhe tempestade. Mas foi na hora da partida do ônibus para o aeroporto que a tempestade chegou. Tive que descer e atrasar uma meia horinha a viagem de volta por conta daquele dendê todo.

Eu não me arrependo não. Continuo guloso. Continuo espreitando os pratos das outras pessoas na mesa, enquanto como a minha comida. Continuo comendo rápido e bastante e pensando na sobremesa.

Vez ou outra sou obsediado pelo espírito de um yogue, vedanta ou falecido natureba, que fica me subjugando a comer de forma mais saudável. E nessa semana tive uma obsessão forte e decidi fazer um processo de “detox” alimentar, comendo arroz integral e frutas por uns cinco dias. A última vez que cometi uma insanidade dessas foi no primeiro ano de faculdade, quando resolvi fazer uma daquelas dietas estranhas, comendo um determinado tipo de alimento. O primeiro dia era ovo cozido e espinafre. E só durou metade do primeiro dia.

Enfim, comecei a segunda-feira com sucos naturais, frutas e arroz integral. Passei bem as primeiras horas e consegui superar a revolta das lombrigas ao ver o cardápio do China in Box. Ontem já estava mais revoltado. No aeroporto, tomei suco de laranja e comi uma pêra. Dez reais que pagariam um delicioso misto quente e uma média suculenta. Mas tudo bem. No avião, fiquei em pânico ao sentir o cheiro do misto quente que estava sendo servido. Estava voando de TAM. Se fosse a GOL, nada disso teria acontecido, porque é muito mais fácil recusar barrinhas de cereais e cookies insossos. Cheguei a Brasília na hora do almoço. Recusei bravamente os filés e os risotos do restaurante do hotel e mergulhei num prato de frutas. Acabei com as frutas da bandeja.

A sacanagem foi terem pulado o coffee break e emendado os dois seminários tarde adentro, só porque o Ministro da Saúde estava presente. E daí meu estômago ficou borderline. Saí correndo, entrei no quarto e comi uma barrinha (eca!) de cereais e um suco de pêssego light. Mas meus impulsos agressivos, selvagens e carnívoros não se contentaram. Fiquei com dor de cabeça, tentei dormir. Piorou. Acordei com uma fome doida e declinei o intento saudável. Mandei ver duas latas de Coca-Cola Zero, um pacotinho de castanhas de caju, um sanduíche de filé mignon na ciabatta e um pudim de leite. Ufa. Acalmei. Dormi feito um príncipe, sem culpa, sem pecado e nenhum juízo.

Voltando para São Paulo, matei a vontade de misto quente e café com leite no aeroporto de Brasília. E no vôo da TAM, me refastelei com um pedaço de pizza. Ao meu lado, uma perua de casaquinho Chanel lendo Vogue recusou a pizza. Quase me ofereci para comer o pedaço dela. E não foi só isso! Ela recusou quatro pedaços, porque estavam frios. Quatro pedaços de pizza foram parar no lixo! Mas sua chiqueza me inibiu e não tive coragem se surrupiá-los.

Chega de sofrimento. Esse tipo de coisa não dá certo pra mim. Deus me ajude a não apresentar, nos próximos anos, algum tipo de doença que me traga restrições alimentares espúrias. Vou morrer de desgosto ou me atiro do alto da Torre Eiffel, engolindo ao mesmo tempo um crepe e um mille-feuille.