Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Wednesday, August 10, 2011

GULOSOS, GULODICES, GULOSEIMAS.


Já disse outras vezes, sou guloso. Gosto de cozinhar, gosto de ver as pessoas saboreando a comida que cozinhei. Mas, principalmente, gosto de comer. A minha comida, a comida dos outros. Meus amigos falam que sentem prazer em me ver comendo. Dizem que meus olhos brilham. E eu acredito. Sempre fui assim, desde minha tenra infância.

Minha mãe cansou de repetir que, lá pelos dois anos de idade, subi em cima da mesa e comi uma dúzia de bananas. Deve ser por isso que não curto muito bananas. Estourei minha quota. Teve uma outra vez que fui pego bebendo um bule de café pelo bico Desse episódio eu me lembro. E assim, fui vivendo a vida, adorando ajudar as tias na cozinha; a enrolar brigadeiro nas festas para comer os que ficavam mal feitos; a comer os doces escondidos das festas.

Só teve uma época em que isso mudou. Num processo de terapia higienista, acreditei na mentira que eu mesmo me contei e fingi por uns dois anos que tinha uma alma magra. Emagreci trinta quilos, ia todos os dias à academia e vivia de Marlboro, café, alface e coca zero. Eu gostei um pouco desse período. Até porque, naquele período de miséria financeira, ser magro e comer pouco era muito conveniente. Só não gostei da anemia. Mas não durou muito. Bastou eu ganhar um pouquinho mais de dinheiro, comprar um carro e para de subir a Rua Augusta inteira a pé para recuperar os quilos perdidos. É porque eles não estavam perdidos; estavam escondidos nas gavetas da existência, junto com minha alma gordinha.

Uns tempos atrás, encontrei minha antiga analista, a principal incentivadora do meu momento “Kate Moss”. Ela, que associava magreza a saúde mental, ao me encontrar, exibindo orgulhoso meu “abdomen definido”, não hesitou em dizer: “Você engordou,né?”. Antes ficaria chateado. Mas não fiquei. Tratei de responder confiante: “É, Doutora, a vida está muito boa”.

Hoje gosto de ser gordinho. Só não gosto quando o “gordinho” pula para o status de “baleia”, cujo sinal é a barriga indo além do que os botões da blusa podem alcançar. Certa vez, num restaurante, estava nessa fase “baleiosa” e mesmo assim resolvi insistir num modelito errado. Não teve dúvida. A barriga, insatisfeita por estar presa, guerreou com os botões da camisa e rasgou o pano, bem em frente ao meu umbigo. Mas consegui disfarçar durante todo o jantar e, ao sair, coloquei a mochila na frente.

Como o meu gosto por atividade física é inversamente proporcional ao gosto pela comida, vivo num movimento cíclico de para-volta-para minha frequência às academias. Queria que inventassem um aparelho que funcionasse absolutamente sozinho e me exercitasse enquanto tomo um capuccino. Morro de pena de pagar por mês numa academia o que gasto num jantar.

É claro que a minha gulodice traz alguns contratempos às vezes. Quando trabalhava na Varig à noite como agente de reservas, adorava surrupiar os lanches abandonados no balcão da cozinha. Fiz isso muitas vezes, até o dia em que bebi um suco Del Valle com detergente, provavelmente uma armadilha para ursos famintos. O resultado foi incrível: vomitei, engasguei e cospi bolhas de sabão a noite inteira. E nunca mais roubei lanche de ninguém.

Mas podia ser pior. Um colega psiquiatra resolveu beber o suco que foi dado a um paciente num hospital psiquiátrico. O paciente alegava que não queria beber porque tinham colocado remédio dentro. Ele não acreditou e, querendo dar uma de crédulo, associado à sua gulodice, mandou ver o copo de suco de Tang fajuto. Passou a noite inteira dormindo e só conseguiram acordá-lo ao meio-dia do dia seguinte.

Uma vez, chegando de viagem da França, peguei um táxi em Cumbica. Trazia uma caixa enorme, com um abajur chiquérrimo. O taxista, muito inadequado, disse:

“Vou colocar o abajur no banco de trás, e um de vocês vai na frente. Vou separar dois machos, mas acho que não tem problema, porque afinal são dois machos.”

Irado, tratei de responder:

“Acontece que os machos são um casal. Somos namorados.”

E ele, perplexo, retrucou:

“Nesse caso eu vou separar os machos só um pouquinho. Mas não fica preocupado, porque não vou roubar o macho um do outro.”

Mas eu achava que essa tinha sido a máxima dele para o resto do dia. Sentei-me no banco da frente e, ao pedir que ele aumentasse um pouco o ar condicionado, ele bateu na minha perna e perguntou:

“Por que é que gordo sente tanto calor?”

“Não faço idéia.”

“Deve ser por causa das banha. Banha dá mais calor.”

E bateu de novo na minha perna.

“Quanto você pesa?”

“Não faço idéia.”

“Todo gordo é igual. Nunca sabe quanto pesa. Minha mulher é igualzinha. Você também fala que não come?”

Dei um olhar 317 e ele se aquietou. E antes que ele viesse com mais inconveniências, tratei de fingir que estava dormindo, até chegar em casa. Na porta de casa ele se pôs todo solícito a carregar minhas malas. E quando colocou a última no chão, eu agradeci, desejei bom dia e bom trabalho. Ele se espantou:

“E não tem uma caixinha não?”

“Eu acho que a corrida já está bem paga. Eu até daria caixinha, mas o senhor precisa aprender a ficar mais calado. Tenha um bom dia.” E ele saiu cantando pneus. Eu nunca esqueci dessa história. Ele provavelmente também não.

Num certo carnaval, fomos a um Resort em Ilhéus. Cana Brava Hotel. Escolhi essa cidade porque, além de praia, sol e piscina, tratei de me certificar de que não havia carnaval por perto. Disseram que esse era o melhor resort da cidade. Devia ser mesmo, porque era o único. E, apesar do all-inclusive, tomamos a sábia decisão de alugar um carro e comer fora todos os dias. Todos os dias da semana comendo no Vesúvio, o bar do Sr. Nassib, marido da Gabriela, aquela do cravo e canela. Delicioso. O legal de lá era que podíamos variar entre a comida baiana e a comida árabe. Ou misturar as duas. E apesar de muito dendê, muita moqueca e muito acarajé, nossas barriguinhas ficaram ilesas.

Foi só no último dia de estadia que decidimos comer no resort. Era um jantar baiano e eu me equivoquei enormemente ao pensar que ao menos uma boa comida baiana eles seriam capazes de produzir. Bobagem. Mas mesmo assim, como bom guloso, me esbaldei naquela dendezância toda.

Dizem que quem planta vento, colhe tempestade. Mas foi na hora da partida do ônibus para o aeroporto que a tempestade chegou. Tive que descer e atrasar uma meia horinha a viagem de volta por conta daquele dendê todo.

Eu não me arrependo não. Continuo guloso. Continuo espreitando os pratos das outras pessoas na mesa, enquanto como a minha comida. Continuo comendo rápido e bastante e pensando na sobremesa.

Vez ou outra sou obsediado pelo espírito de um yogue, vedanta ou falecido natureba, que fica me subjugando a comer de forma mais saudável. E nessa semana tive uma obsessão forte e decidi fazer um processo de “detox” alimentar, comendo arroz integral e frutas por uns cinco dias. A última vez que cometi uma insanidade dessas foi no primeiro ano de faculdade, quando resolvi fazer uma daquelas dietas estranhas, comendo um determinado tipo de alimento. O primeiro dia era ovo cozido e espinafre. E só durou metade do primeiro dia.

Enfim, comecei a segunda-feira com sucos naturais, frutas e arroz integral. Passei bem as primeiras horas e consegui superar a revolta das lombrigas ao ver o cardápio do China in Box. Ontem já estava mais revoltado. No aeroporto, tomei suco de laranja e comi uma pêra. Dez reais que pagariam um delicioso misto quente e uma média suculenta. Mas tudo bem. No avião, fiquei em pânico ao sentir o cheiro do misto quente que estava sendo servido. Estava voando de TAM. Se fosse a GOL, nada disso teria acontecido, porque é muito mais fácil recusar barrinhas de cereais e cookies insossos. Cheguei a Brasília na hora do almoço. Recusei bravamente os filés e os risotos do restaurante do hotel e mergulhei num prato de frutas. Acabei com as frutas da bandeja.

A sacanagem foi terem pulado o coffee break e emendado os dois seminários tarde adentro, só porque o Ministro da Saúde estava presente. E daí meu estômago ficou borderline. Saí correndo, entrei no quarto e comi uma barrinha (eca!) de cereais e um suco de pêssego light. Mas meus impulsos agressivos, selvagens e carnívoros não se contentaram. Fiquei com dor de cabeça, tentei dormir. Piorou. Acordei com uma fome doida e declinei o intento saudável. Mandei ver duas latas de Coca-Cola Zero, um pacotinho de castanhas de caju, um sanduíche de filé mignon na ciabatta e um pudim de leite. Ufa. Acalmei. Dormi feito um príncipe, sem culpa, sem pecado e nenhum juízo.

Voltando para São Paulo, matei a vontade de misto quente e café com leite no aeroporto de Brasília. E no vôo da TAM, me refastelei com um pedaço de pizza. Ao meu lado, uma perua de casaquinho Chanel lendo Vogue recusou a pizza. Quase me ofereci para comer o pedaço dela. E não foi só isso! Ela recusou quatro pedaços, porque estavam frios. Quatro pedaços de pizza foram parar no lixo! Mas sua chiqueza me inibiu e não tive coragem se surrupiá-los.

Chega de sofrimento. Esse tipo de coisa não dá certo pra mim. Deus me ajude a não apresentar, nos próximos anos, algum tipo de doença que me traga restrições alimentares espúrias. Vou morrer de desgosto ou me atiro do alto da Torre Eiffel, engolindo ao mesmo tempo um crepe e um mille-feuille.

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