Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Wednesday, August 24, 2011

A VIDA EM POUCOS MINUTOS


Tinha um tempo em que não pretendia se desvencilhar. Era o tempo em que perpetrava a ignorância, o não saber as coisas. Uma criança que se vê obrigada a seguir o caminho sem sua avó-mãe. Mais que avó materna. Avó que era a mãe de verdade. Veio a morte. Veio o desejo da morte proferido da boca de um menino triste de apenas três anos de idade. A morte levara consigo a avó que lhe dava o verdadeiro amor e carinho que as crianças necessitam. Depois a vez da tia-mãe. Não era a tia da mãe nem a mãe da tia. Era a tia que era mãe-complemento da avó-mãe e que também fora embora. Não era morte, era fuga, libertação. Mas a ausência, na cabeça desordenada da criança é como morte. Sem explicação, agora é a vez do avô-pai. Sem explicação que dê conta do tamanho desse vazio, o avô que era mais do que pai se afasta, escolhe um outro rumo, quase que desaparece. Vez ou outra se materializa avô, mas é bruma a maior parte do tempo. E é nesse fog vivencial que uma criança é apresentada à sua nova família. Tem que aprender a conhecer a mãe o pai que não o quiseram. Agora é fácil entender aquela cisma: parecia ter uma idade equivocada. Era por isso; nasceu para seus pais e a eles foi apresentado aos três anos de idade. Na verdade é só aos cinco anos que conhece uma mãe. Antes disso tudo é fog e as lembranças não são com ela. Sobrevivente de um holocausto de seis pessoas, restam a criança e mãe. Ninguém mais. Nesse manual de sobrevivência, vão-se traçando linhas tortuosas de uma convivência amistosa. A criança aprende a gostar da mãe. Suas brincadeiras estúpidas, seus carinhos esquisitos. Hoje, viajando na noite fria pelas ondas cibernéticas, pôde lembrar do ferro de passar esquentando os lençóis. As brincadeiras-oração de completar frases sobre dormir com os anjos e com Jesus. Os afagos, as brincadeiras, o brincar de imitar pessoas. De repente a mãe que não quis se transforma numa máquina de fabricar amor sufocante. Cobrança. Posse. Controle. Põe medo no filho, não deixa andar descalço, não deixa ter amigos, não deixa correr com as crianças. Cria um marionete e abotoa nele um paletó que podia ser de madeira. Será o castigo por ter-lhe roubado a infância ao invadir seu útero, engravidando-a? O menino é o apanágio, o estigma, o DNA, a mitocôndria, o símbolo, o mito, a prova. De seu erro. Toda forma de controle revestida de amor materno é a vingança da adolescente que sacrificou a inocência por paixão desenfreada. E não teve como ter raiva do macho. Raiva só sobrou pro rebento. Era pra ser aborto. Mas aborto concretizado não leva virgens ao altar. Na perdida solidão do abandono feito coisa imprestável e quebrada, o menino cria seu mundo de coisas fantasiosas. Fala, vê, sente, conversa, interage. Tem amigos, é poderoso, rico e controla a vida alucinatória de modo que não aconteçam tragédias. Ninguém morre. Ninguém vai embora. Tem um momento no tempo da vida desse menino que alucinação não estanca mais as faltas, a solidão. Tem esse momento crucial em que o menino decide exigir uma reparação desse destino insólito. E sei lá por qual motivo, esse foi o único presente que ganhou deles e que não fora tirado, roubado. O menino pediu uma irmãzinha. E ela veio. Deu-lhe nome que já era escolhido desde antes do anúncio da sua chegada. Fez dormir cantando canções de amor. Cresceu. Multiplicou-se em vida e amor. A menina e o menino míticos seguem juntos, de mãos dadas, hoje feitos adultos.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home