PARA ALÉM DAS PRECES, O AMOR
Que eu sou
macumbeiro, quase todo mundo já sabe. Quem não sabia, que fique sabendo. Tem
gente que não gosta da palavra; eu amo. Os não macumbeiros não gostam porque lembram
de macumba, como uma sinonímia de praticar o mal, matar frangos na encruzilhada
e sacrificar criancinhas. Os macumbeiros não gostam de serem assim chamados
porque macumba é o nome de um instrumento de percussão africano, sendo
macumbeiro, portanto, o tocador do mesmo. Eu, como umbandista e estudioso dos cultos
afro-brasileiros, amo ser reconhecido, identificado e chamado de macumbeiro. É
a forma que encontrei para desmistificar a minha religião e aproximar as
pessoas de uma compreensão mais ampla dos seus significados. É lógico que
vivemos tempos diferentes. Nosso Estado é pseudo-laico, mas as pessoas não são
mais presas por serem macumbeiras e, apesar da crescente intolerância nos dias
de hoje, ainda há espaço e liberdade para professarmos nossas religiões, seitas
e cultos. Mas é sendo um bom
macumbeiro que eu vou seguindo. E pelo caminho, vou encontrando gente que vai
saindo dos arbustos do preconceito, revelando sua fé, suas crenças. A cada dia,
amigos, pacientes, conhecidos, vão tomando coragem e saindo do “armário
espiritual”, dando-se o direito de serem o que bem entendem, umbandistas, candomblecistas,
macumbeiros, budistas, hindus. Sem a necessidade de se esconderem atrás de
rótulos socialmente aceitos, tais como “católicos” ou “espíritas”. E quando somos
livres, somos capazes de mostrar a cara, de conversar a respeito, trocar
idéias, discutir pontos de vista. Tenho amigos católicos, evangélicos,
kardecistas, judeus, esotéricos, budistas, ateus, muçulmanos e de um outro
tanto de religiões, credos, cultos, crenças. Quer saber? Não faz diferença. Outro
dia estava no meu consultório, conversando com uma amiga evangélica, explicando
minha crença, meus pontos de vista. Ela soube ouvir e respeitar. Agora, se não
for verdade, se ela me vê como um apóstata, fariseu ou demônio, soube ao menos
respeitar a minha posição. Mas o mais legal
de tudo isso é poder oferecer “presentes de fé” aos amigos. Eu não sou um poço de
bondade; não quero disputar vagas no céu com Gandhi ou Irmã Dulce. Mas fico
feliz ao poder oferecer orações, confortar corações aflitos de pessoas que
gosto. Um tempo atrás, um amigo passou por problemas sérios de saúde em sua
família. Do hospital, respondeu emocionado minha mensagem pelo celular,
agradecendo por eu ter rezado por ele. Graças a Deus, ele melhorou e está bem
agora. Recentemente, ele veio até mim e disse: “Estou precisando das suas
orações. Sei lá, pra vida melhorar, pra que venham boas vibrações”. Ele não
estava pedindo a resolução num momento de desespero; esse pedido era diferente;
ele estava em busca de algo novo, de uma revelação. Guias, patuás,
nomes no papel, velas, missas, correntes, novenas. Sinais concretos da devoção,
da fé e principalmente do amor. O amor a Deus, às divindades, à religião; mas
também o amor àqueles que ofertamos tais presentes. Essa semana recebi um
presente de uma pessoa que troquei pouco mais de uma dúzia de palavras. Num
saquinho de presente, uma pequena guia azul e um arco e flecha, símbolos de um
orixá; uma lembrança de uma comemoração em seu terreiro. Mais que um presente:
um gesto de carinho. E tenho certeza de que a energia que esse presente contém
tão grande quanto o amor com o qual ele foi dado. Nesse caminho
também tenho encontrado pessoas que me ajudam e que tenho ajudado,
compartilhando experiências, livros, lugares e conhecimentos espirituais. O
mundo é assim: um sistema de trocas. Trocas que não precisam envolver dinheiro
ou bens materiais. Trocamos votos, desejos, sentimentos, preces. Trocamos
energias. E eu quero poder estar sempre apto, sempre pronto, sempre desperto a
desfrutar essas riquezas que fazem tão bem ao coração.
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