Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Thursday, June 28, 2012

THE BUCETA'S FRONTAL® EXPERIENCE


Era uma vez três bucetas. Perdoem-me, caros leitores, mas não há melhor palavra para utilizar. Na verdade eram quatro. Mas falarei de apenas três, porque a quarta não aceitou participar da experiência. E as outras amigas decidiram respeitar sua decisão.

Sim, as bucetas tinham nome. Black Pussy era o nome da que se recusou a participar. As outras eram Fluffy Pussy, Tongued Pussy e Suffocated Pussy. Todas elas, amigas de vários anos, tinham uma afinidade importante: algum problema ou característica que lhes atrapalhava o sono. Black P. se incluía nesse aspecto  de forma invertida, uma vez que seu excesso de sono atrapalhava toda a sua vida. Fluffy P. era muito dolorida. Qualquer excesso ou esforço se transformava em dores e essas dores se transformavam em insônia. Mas como uma buceta muito astuta que era, tratou logo de descobrir e implantar as maravilhas da farmacologia em sua vida. Sua primeira experiência farmacológica foi com Miosan®, num dia de cefaléia. Fluffy dormiu no local de trabalho, foi embora cambaleante e dormiu 24 horas seguidas. Mas Fluffy descobriu que esse efeito fora apenas um “descabaçamento” que não se sustentou nas próximas experiências. Fluffy descobriu então o Frontal®. Entretanto ficou tão lesada durante um vôo de avião que dormiu de mal-jeito e ganhou uma lombalgia feroz. Mas Panacea, deusa dos comprimidos, inspirou-lhe a misturar Frontal® com Miosan®. Foi uma maravilha: sono perfeito associado a um perfeito relaxamento muscular. Nem é preciso dizer que a missão dada por Panacea a Fluffy P. era distribuir essa dádiva a todos que encontrasse sofrendo dos mesmos males.

Já Tongued P. era ansiosa. Mudanças rápidas, situações de perda de controle, problemas. Todo tipo de turbulência, sobretudo as aéreas, tiravam Tongued P. do sério. E a taquicardia gritava. Quem pode imaginar uma buceta com taquicardia? O pior é que existe! Um belo dia, Fluffy apresentou as maravilhas da farmacologia a Tongued. Já era tempo de acabar com essa ansiedade. Tongued suportou tranquilamente as intermináveis horas de vôo que tanto lhe causavam sofrimento. E nem sinal de taquicardia!

Suffocated P. tinha um misto de ansiedade com curiosidade por estados alterados de consciência. Mesmo antes de conhecer Fluffy, já era dada a sessões de anti-histamínicos e toda a sorte de mind-liberating stuffs. Mas quando conheceu o Frontal®, pirou….

E num belo feriado, as quatro bucetas viajaram juntas. Curtiram pacas, deram muitas risadas e, no final da viagem, a ansiedade invadiu a mente das pobres bucetas. Era quase 1 da manhã e Fluffy navegava pela internet quando o telefone da sua suíte tocou: era Suffocated. “Tem Frontal aí? Tongued está muito ansiosa”. Fluffy deu dois comprimidos a ela e, Tongued, ao invés de tomar meio, tomou um inteiro. Suffocated, intrigada com o início da “viagem” de Tongued, mandou o outro goela abaixo. E lá se foram elas, viajando por lugares nunca dantes navegados, bucetas frontalizadas….

No dia seguinte, tudo parecia diferente. Acordaram dispostas, coradinhas, e Tongued, habitualmente ansiosa, se encontrava letárgica, distante. Nem se incomodou ao ver na TV, antes de saírem para o aeroporto, que haviam interditado o aeroporto por uma ameaça de bomba. Para ela, era como ou ouvir que Lula tinha apenas nove dedos. No surprise at all. Chegando no aeroporto, Tongued and Suffocated esticaram suas mãozinhas em busca das violet tic-tacs. Imediatamente Fluffy lhes forneceu as violet tic-tacs com o Miosan® (a cor deste comprimido não vem ao caso porque simplesmente não tem graça!). Mal decolou o avião, as duas já estavam babando. Black P. também, porque babava rapidamente mesmo sem nenhum comprimido, que inveja! Fluffy permanecia acordada porque adotara todo um ritual para tomar suas pílulas: elas eram tomadas no início do (eca!) jantar para que garantissem seu sono tranquilo durante a viagem. Por sorte, porque quando olhou para Tongued and Suffocated, as duas babavam, chapadas, com as cabeças penduradas. Quel dommage! Fluffy saiu de sua poltrona para ajeitar as bucetas desmaiadas…

Enfim, the Frontal® Experience chegou ao fim. Quatro bucetas felizes chegaram ao seu destino, graças ao poder das pílulas. As violet tic-tacs, sobretudo. E qual o tabu nisso? É o tabu do medo. Medo de fazermos uso de subsídios que nos tragam a felicidade a curto prazo, como comprimidos que possam nos fazer dormir melhor. É claro que devemos ter cuidado ao fazermos uso indiscriminado deles. Mas para mim é muito claro também que devemos pensar sobre seus benefícios. Até mesmo Freud, o pai da psicanálise, disse algo salutar sobre isso: “Um dia haverá comprimidos que resolvam os problemas e o sofrimento das pessoas, mas até agora a psicanálise é o melhor arsenal de que dispomos”. Freud, que usou muita cocaína e amargou a culpa de ter matado seu amigo ao fornecer-lhe cocaína para “tratar” sua dependência de ópio, tinha uma noção visceral do poder da farmacologia.

Nem todos são como Black P., uma buceta semi-deusa, parente direta de Morfeu e Hypnos… basta um leve balancinho que a faz mergulhar em profundo sono…e cujo efeito das violet tic-tacs poderia ser dias ininterruptos de coma… Nem todas as bucetas são assim…

Embora Frontal® seja um nome magnético, enigmático, não podia deixar de confessar minha dúvida quanto à nômina correta para essa intimate-rave: o nome americano para a droga é Xanax®…. tudo a ver com as bucetas…


Wednesday, June 20, 2012

OBRIGADO, IEMANJÁ.


Escrevi esse texto para - e - sobre uma amiga, para mim mesmo e para a nossa  amizade. 

Na vida, a gente leva porrada de onde menos se espera. Não estou reclamando. Estou apenas explicitando o imprevisível e inefável fenômeno VIDA. Estamos nela. Mas a melhor das porradas é aquela que nos faz crescer. Como quando, na mitologia yorubana, Iemanjá pede ajuda a seu filho Xangô para tirar seu marido Okerê de sua frente para que ela encontre o mar. E ele, com a força do raio, parte Okerê ao meio. Foi assim que me senti: como Okerê, partido ao meio. Mas foi por uma boa causa. Foi pelas mãos de Xangô que se quebrou um escudo, uma muralha, para que Iemanjá pudesse ser liberada para ir de encontro ao mar, à profundidade, às origens.

Agora eu entendo esse seu enredo, Iemanjá. Agora eu entendo sua presença, sua aproximação nesse momento da minha vida. E como mãe de Xangô, não haveria outra senão a senhora, em pessoa, a dizer verdades duras para o filho teimoso. Quem além de sua própria mãe poderia desafiar o Rei de Oyó e lhe apontar um defeito?

Mas nós não somos donos da verdade. Nem eu, nem ela. A verdade não é um bem que se tem. A verdade é energia, que muda de direção, de cor, de tamanho. A verdadeira verdade não está ao alcance dos nossos olhos e ouvidos. Digo isso porque ela não estava certa ao dizer que não tenho amor por Iemanjá. Digo isso porque ninguém é capaz de dizer que eu não a compreendo.

E não há como ter raiva da mãe Iemanjá. Ela abriu o buraco no peito de Xangô, como quem cuida das feridas, removendo crostas, colocando remédios ardidos. E, como toda boa mãe, acariciando o filho depois. Isso não fez doer menos. Mas, somente depois de uma dor de dimensões enlouquecedoras, foi possível entender para que ela serviu.

Então agora eu compreendo que Iemanjá não foi a causadora. O vidro da poção mágica já havia sido quebrado; o rio já tinha nascido para ir de encontro ao mar. E era por isso que Iemanjá já tinha chegado. Era por isso que ela falava comigo nos búzios; assumindo-se como minha mãe; era por isso que ela finalmente se desvelara ante mim, outrora escondida pelos mantos da Oxum.  Do mesmo jeito que Xangô nunca havia me abandonado; era somente eu que havia dele me distanciado. Iemanjá é a mãe zelosa que esteve sempre por perto esperando o momento de dizer o que devia ser dito.

Eu ainda estou ferido. Eu ainda sinto uma dor, bem lá no fundo da alma. Mas desse caminho que se abriu para dar vazão a essas águas todas, não há mais volta. E nem eu quero voltar. 

Tuesday, June 05, 2012

ROUBO


Escrevi esse texto em 2004, após ter passado um sério problema em minha vida. Hoje, relendo o texto, depois de "muita água por baixo da ponte", mas vendo tanta gente sendo roubada por aí, das mais diversas formas, resolvi postar de novo, como presente, pedindo para todos que continuem acreditando na vida, porque ela é sim muito bela, mesmo com suas mazelas. 

Certa vez um professor de cursinho dizia aos seus alunos – e eu estava entre eles – que havia sido assaltado, seu carro roubado, sua namorada lhe trocado por outro... dizia que na vida, podiam tirar tudo de você, a única coisa que ninguém podia roubar era o que você tinha na cabeça, seu conhecimento,sua cultura. Em  partes concordo com ele, pois há certos atributos na vida, como estes que ele citou, tesouros inestimáveis que na maioria das vezes são perenes e perfazem a única riqueza que nos resta em momentos difíceis. Essa  riqueza, associada à vontade de vencer os obstáculos, a um alerta constante frente às adversidades, foram com certeza o que me mantiveram vivo por muitos anos.

Mas, se digo que concordo em partes com essa afirmativa desse meu professor é porque, lidando nesses anos com o difícil  universo da psiquiatria, da doença mental e do jogo das famílias, pude constatar que às vezes o conhecimento, a cultura e até mesmo a vontade de viver também podem ser roubáveis e, de repente, não resta nada que mantenha a pessoa viva.

Nos últimos anos, muitas transformações ocorreram na minha vida e mesmo as dificuldades que passei, como fome, trabalhar de madrugada e passar o dia inteiro na faculdade de medicina, andar horas a pé por não ter dinheiro para pagar o ônibus, sair de um apartamento de luxo em que morava com minha família para morar num casebre de fundos com goteiras e ratos e  muitas outras... e ainda assim consigo considerar tudo isso como passos de um caminho, como espinhos de uma rosa....é claro que na hora eu não pensava assim, e por várias vezes cheguei a pensar em desistir... da vida....mas hoje ,que vejo tudo superado e vejo muitas portas e oportunidades se abrindo, consigo considerá-las como pedras, obstáculos que transpus.

Não bastasse eu ter superado tantos obstáculos, eu ainda consegui, após muitos anos – praticamente minha vida inteira – eu consegui abrir uma porta que, nos tempos difíceis, nem acreditava existir: a porta da felicidade...eu nem sei exatamente dizer quando foi que eu saí de uma porta e passei por essa, mas tem certas coisas que acontecem na vida da gente e só sabemos o que são quando elas chegam. Então, mesmo ainda com muitos problemas, com muitas dificuldades, eu  pude constatar que um dia a felicidade chegou em minha vida e, mesmo que ela vá embora um dia, eu estarei contente porque eu a conheci. Só  posso comparar isso àquelas pessoas estarrecidas e perplexas quando têm aquelas visões ou aparições de santos e entidades: pode ter sido uma experiência única, mas capaz de mudar e reluzir por toda uma vida.... essa é a minha ilha do tesouro...eu encontrei, e mesmo que um dia ou mesmo que em alguns dias coisas estapafúrdias ocorram, não lamentarei, não me curvarei, porque a felicidade invadiu meu  intimo, meu espírito, minha essência e esse bem, esse tesouro não há quem consiga roubar. A  felicidade, se vista como estado de espírito, é efêmero e pode ir embora, pode passar ou pode, nesse mundo repleto de ladrões capazes de roubar absolutamente qualquer coisa, de fato pode ser roubado, mudado, esvaído. Mas  aqueles que souberem enxergar a felicidade como um presente que imprime no indivíduo uma marca perene, sutil, impalpável, quem de fato conseguir entender isso, saberá do que estou falando.

Recentemente  fui roubado mais uma vez. e, como muitas das outras vezes, não foi apenas um roubo físico, material;foi um roubo em que tomar para si algo físico e que não pertence ao ladrão tem impressa  a mensagem de desrespeito, amoralidade, agressão e ódio. Talvez todo roubo tenha em si alguma parcela desse código, pois apossar-se  de algo não-próprio coloca de fato o ladrão numa posição de desrespeitador.

Ao ladrão, fica a sensação de vitória, de vingança, de júbilo e regozijo. A  mim, ficou de inicio a sensação de perplexidade e impotência, comum a quase todos os “roubados”. Não havia uma arma apontada para minha cabeça, mas o fato de ter sido roubado por uma criatura conhecida, com quem reparti por alguns anos vida, intimidade,lutas, conquistas e pela qualidade do objeto roubado  que tinha impresso um marco de dificuldades vencidas, de paz, agravaram a sensação de dor e de morte que se abateram sobre mim. Digo  que essa foi a sensação inicial e confesso que parte dela perdura em minha mente e em meu coração. Mas  quando coloquei esse evento – que na ocasião parecia um imenso meteoro – na linha da minha vida; pude constatar que não se tratava de um meteoro ou do anúncio do final dos tempos...era apenas um ponto. Um  ponto negro, concordo, mas nada além de um ponto. Voltei  a olhar todos os pontos pelos quais passei na estrada da minha vida e quantos deles pareceram um meteoro e hoje nem mais pontos são, porque se apagaram com o tempo.

Foi  então que pensei na criatura, e conclui que na linha de sua vida, todos os seus pontos são assim: não há uma vida, há uma carreira criminosa cujos pontos – múltiplos – consistem em subtrair do outro e tomar para si como a única forma de obter a superação do estado anterior. Talvez  a tal criatura se veja invadida por um banho de riso sardônico que possa ser confundido com felicidade. Algo  parecido com o  que chamamos na psiquiatria “sensation seeking”, que no caso dessa criatura denota única e exclusivamente uma satisfação corrosiva de praticar o mal associado a um reflexo neurológico primitivo do selvagem ao conseguir liquidar a caça, não pela sensação de vitória, mas por atestar a garantia de que terá alimento nos próximos dias, que terá uma caverna para se esconder nos dias frios. E  pude então perceber que essa criatura jamais chegará a experimentar qualquer migalha do que chamo de felicidade. Um  ser vivo que nasceu do mal e cresceu nele, recebendo a varas de marmelo, correntes e cintas de couro a informação de que só dessa forma se sobrevive,caçando, arrancando pedaços e saindo correndo, engolindo rápido. Uma  criatura como essa não pode ter em si nenhum registro saudável do que se chama de felicidade. A  muitos olhos pode parecer que essa criatura seja regida pelo tal “principio do prazer”, mas eu acho que o principio que a rege é o da “dura realidade”  de uma sobrevivência selvagem, primitiva que nunca, nunca encontrará descanso.

Pode parecer que esteja dadivoso, clemente, indulgente com essa criatura. Não, não se enganem. Trata -se  apenas da constatação da natureza feroz de um ser inferior que poderá subir muitos degraus na escada financeira, corroendo como ácido os bolsos, as carteiras e os lares, mas de fato não haverá felicidade porque seu comportamento é como o das bactérias e outros seres inferiores quaisquer, comportamento esse que é carregado por gerações e gerações de seus bio-geradores, como a história da sua colônia (família jamais) tem demonstrado.

Não, não há como ter pena dessa criatura. Trata -se de um monstro com características “orobóricas” cuja única intersecção com o mundo externo é sugar do outro para não ter que comer das próprias fezes enquanto engole o próprio rabo.

E  a criatura já teve, pelas minhas mãos mesmo, e pelas mãos de outros, diversas chances de aprender uma nova programação de atitudes e conceitos, mas sem qualquer sucesso. E  isso jamais mudará. É  provável que um dia ela leia essa mensagem, mas é muito mais provável que ela entenda muito pouco do que concerne à profundidade desses conceitos. Talvez  ela consiga fazer vibrar alguma minúscula onda cerebral ao ler palavras como “roubo”, “ladrão”, “desrespeito”, não o suficiente para acometer-se de qualquer arrependimento,mas talvez o suficiente para excitar-se e desejar mais.

Portanto,finalizo essa mensagem com uma frase simples, nada metafórica, bem concreta, dirigida a essa criatura sem paz de espírito, cheia de requintes de esperteza a simularem uma certa inteligência, delinqüente, usurpadora, vampira: você pode ter roubado muitas coisas de mim, mas eu possuo algo que você sequer terá a sensação: eu sou feliz.