OBRIGADO, IEMANJÁ.
Escrevi esse texto para - e - sobre uma amiga, para mim mesmo e para a nossa amizade.
Na
vida, a gente leva porrada de onde menos se espera. Não estou reclamando. Estou apenas
explicitando o imprevisível e inefável fenômeno VIDA. Estamos nela. Mas a melhor das porradas é aquela que nos faz crescer. Como
quando, na mitologia yorubana, Iemanjá pede ajuda a seu filho Xangô para tirar seu marido Okerê de sua frente para que ela
encontre o mar. E ele, com a força do raio, parte Okerê ao meio. Foi assim que me senti: como
Okerê,
partido ao meio. Mas foi por uma boa causa. Foi pelas mãos de Xangô que se quebrou um escudo, uma
muralha, para que Iemanjá pudesse ser liberada para ir de encontro ao mar, à profundidade, às origens.
Agora
eu entendo esse seu enredo, Iemanjá. Agora eu entendo sua presença, sua aproximação nesse momento da minha vida. E
como mãe de
Xangô, não haveria outra senão a senhora, em pessoa, a dizer
verdades duras para o filho teimoso. Quem além de sua própria mãe poderia desafiar o Rei de Oyó e lhe apontar um defeito?
Mas nós não somos donos da verdade. Nem eu,
nem ela. A verdade não é um bem que se tem. A verdade é energia, que muda de direção, de cor, de tamanho. A verdadeira
verdade não está ao alcance dos nossos olhos e ouvidos. Digo isso porque ela não estava certa ao dizer que não tenho amor por Iemanjá. Digo isso porque ninguém é capaz de dizer que eu não a compreendo.
E não há como ter raiva da mãe Iemanjá. Ela abriu o buraco no peito de
Xangô, como
quem cuida das feridas, removendo crostas, colocando remédios ardidos. E, como toda boa mãe, acariciando o filho depois. Isso
não fez
doer menos. Mas, somente depois de uma dor de dimensões enlouquecedoras, foi possível entender para que ela serviu.
Então agora eu compreendo que Iemanjá não foi a causadora. O vidro da poção mágica já havia sido quebrado; o rio já tinha nascido para ir de encontro
ao mar. E era por isso que Iemanjá já tinha chegado. Era por isso que ela falava comigo nos
búzios;
assumindo-se como minha mãe; era por isso que ela finalmente se desvelara ante
mim, outrora escondida pelos mantos da Oxum. Do mesmo jeito que Xangô nunca havia me abandonado; era
somente eu que havia dele me distanciado. Iemanjá é a mãe zelosa que esteve sempre por
perto esperando o momento de dizer o que devia ser dito.
Eu
ainda estou ferido. Eu ainda sinto uma dor, bem lá no fundo da alma. Mas desse
caminho que se abriu para dar vazão a essas águas todas, não há mais volta. E nem eu quero voltar.
1 Comments:
Obrigada, obrigada, obrigada. À vida, à mãe, ao mar. E muito especialmente à você!
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