Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Tuesday, February 26, 2013

NOTAS SOBRE O FALSO AMOR



Obrigado, Marina Abramovic. Estava meio sem inspiração essa semana para postar no blog. Eis que começam a aparecer, desde ontem, os compartilhamentos do vídeo do suposto “encontro casual” entre ela e seu ex-mancebo Ulay. Desculpe a minha ignorância, nunca ouvi falar nele.

O primeiro compartilhamento que recebi foi muito inteligente. Veio de uma amiga, que estava comigo no MOMA vendo a performance ridícula dessa “artista”. Digo inteligente porque ela não se emocionou com o vídeo. Ela riu. E riu porque rimos muito das pessoas observando a tal naquele dia. Tá bom, tá bom, já aprendi. Fez um peido, amarrou num saco de lixo e pendurou no teto, é arte. Eu até furtei um guarda-chuva, porque tinham roubado o meu e achei que fosse mais uma performance. Tá vendo? A arte pode estar em qualquer coisa e lugar. Mas eu não gostei. A única arte que vi naquele momento foram os estudantes de arte desenhando Abramovic enquanto ela ficava lá, imóvel, olhando os candidatos que se sentavam à sua frente no tal minuto de silêncio. Quando eu era criança, essa brincadeira se chamava “estátua” e ninguém chamava de arte. Talvez porque ninguém estava trajando um longo.

Mas daí começaram a chover postagens e compartilhamentos sobre o encontro. Pessoas inteligentes, várias, com capacidade crítica, falando sobre o amor, sobre o reencontro, quando Ulay aparece e faz uma cara de espanto digna dos atores da escola de teatro do Wolf Maia e ela, derrama sua “crocodile tear”. Não sei nada da vida passada dos dois. Provavelmente nem saberia quem era ela se não a tivesse visto no MOMA, naquela tarde chuvosa de março.

Gente inteligente vendo beleza nesse engodo, pra mim, é muito pior do que gente estúpida postando coisas estúpidas ou frases feitas atribuídas erroneamente a célebres autores. Gente estúpida é gente estúpida, nada há a fazer sobre eles. Meu medo está na estupidização do não-estúpido.

Eu super acredito no amor, na força do amor, na beleza dos encontros, na surpresa dos reencontros. Eu só não acreditei neste especificamente. E por quê? Pelo óbvio, creio eu. Ela está, sentada, plástica, mumificada. Ele é filmado e fotografado entrando, atravessando com cara esquisita o casal pelado, closes perfeitos dos dois trocando olhares. Eu prefiro a Odete Roitman chorando, com aquela gosma escorrendo do nariz da Beatriz Segall. Eu prefiro o reencontro de Paulo Gracindo e Yara Côrtes no Casarão.

E então eu me lembro do episódio do seriado House no qual uma atriz performática se interna fingindo estar doente só pra fazer performance. E depois eu lembro do episódio de Sex & the City onde Carrie conhece o artista russo Alexandr Petrovsky em meio a uma performance similar à de Abramovic e satiriza o fato dela ficar sem comer e aposta que ela sai de lá de madrugada para comer um Big Mac.

Estou azedo? Um pouco. Pós-plantão, cansado, um pouco mal-humorado. Não é motivo, mas sem dúvida motivou minha rebeldia. Me fez refletir sobre o quanto eu também possa estar sendo estupidizado sem perceber, gostando de invenções, dando “likes” em falsas frases. É como se de repente eu passasse a gostar de Paulo Coelho, dos Cinquenta Tons de Cinza e elegesse o Raul Gil para a Academia Brasileira de Letras, tudo isso de uma vez.

Acordem, amigos, antes que seja tarde. A coisa chata é que vou dar mais audiência para essa babaca.  

Saturday, February 23, 2013

CONVITES DE YEMANJÁ



Olha eu, de novo, encantado com a Bahia. Em minha última baiana jornada, em pleno dois de fevereiro da baianíssima Yemanjá, eu recebi um presente: fui com uma amiga ao teatro, ver “Mar Morto Revivido”, uma linda peça de formatura da escola livre de teatro da Universidade Federal da Bahia, inspirada na obra quase homônima do venerado Jorge Amado. Confesso que pirei. Linda montagem, revivida e não revisitada, fiel à alma da obra. Em tempos de homenagear a deusa Janaína, uma enxurrada de louvores, cantigas, macumbarias, danças e profundos conhecimentos sobre a simbologia de Yemanjá em nossas vidas.

Já falei várias vezes dela em meus escritos, já louvei, já declarei meu amor e, mais que tudo, metamorfoseei minha visão e meu coração sobre essa mãe. Volto a falar dela porque, desde a peça e depois a festa, voltei “encantado” pela deusa. E encantado no sentido de encantamento, de feitiço, de magia. Estou hipnotizado pelo canto da sereia, que me leva para o fundo do mar. Hoje, sentado na sala do meu analista, falei sobre isso. E como acontece quase toda vez que recebo essa “visita” de Yemanjá em meus pensamentos, demoro a compreender seus significados. Sou capaz de sentir a profundidade, mas demoro a entender suas mensagens.

Estou choroso, sentimental, melancólico. Não a melancolia da depressão, da “des-vontade”. Estou cercado pelas profundas águas de Dona Janaína, chorando ao ouvir como é doce morrer no mar ou que quem vem pra beira do mar nunca mais quer voltar. Estou saudoso. Pensando nas pessoas que amo, nas pessoas que perdi, naqueles que reencontrei  e, principalmente, naquelas que não desejo perder nunca.

E decidi escrever sobre isso porque Yemanjá sempre me faz refletir sobre essas amigas-irmãs-mães que tive em meu caminho. Com suas idas e vindas, com algumas partidas, sempre tive ao meu lado uma doce filha de Janaína em minha vida, para cuidar, dar carinho, atenção proteção. Ainda mais hoje, que aconteceu algo tão lindo e curioso. Conversando com um paciente em meu consultório, ele de repente olhou para mim e começou a falar que estava sentindo “fortes presenças espirituais” naquele ambiente. Logo depois ele descreveu uma mulher, dizendo que era como se fosse “um tipo de Janaína, uma cabocla do mar”. Era a verdade saindo da boca de um quase-estranho, que pouco sabe sobe minha vida e meu percurso espiritual. Yemanjá, Janaína, Dandalunda, Yara, Inaê, Marabô, Princesa de Iaocá. Seja qual for o seu nome, ela estava lá, comigo.


Lendo Jorge Amado, cantando as cantigas de Caymmi e de tantos outros cantores e cantoras que se aventuram pelos mares da deusa com suas cantigas têm estado mais do que nunca me embalando por essas águas. É o canto da sereia, me convidando para um passeio profundo pelo seu reino, pela sua sabedoria. O que faço? Vou de encontro a ela? Mergulho na profundidade dessas águas? Me perco nessa imensidão azul. Tarde demais para ter dúvida. Já entrei e me afundei nesse azul imenso.

Monday, February 11, 2013

ADEUS, PAPA BENTO, ADEUS, A SUA CORJA LHE CHAMA...



Mal acordou minha alma, leio a notícia da renúncia do Papa Bento XVI. Seria verdade? Sim, é verdade. E por que será que ele renunciou? Eu quero acreditar que seja porque a Igreja Católica decidiu deixar de ser hipócrita e acompanhar a evolução do mundo: apoiar o aborto, estimular o uso do sexo seguro e consciente, aceitar a homossexualidade como uma das variações normais da existência humana e permitir, àqueles que desejem, unirem-se diante Deus. Menos, menos. Ficaria satisfeito em crer que colocarão um papa avançado, que queira mudar tudo, que revele e expulse seus padres pedófilos ao invés de acobertá-los. Menos, muito menos. Acho que já ficaria contente em saber que, num jogo de estratégia mercadológica face à perda de fiéis e frente à impopularidade de Bento-não-bento, sua intolerância e intransigência, tão opostas à atitude amorosa e carismática de João Paulo II, decidiram colocar alguém com um pouco de amor para dar.

Na sexta-feira, dia 25 de janeiro, fui à Catedral da Sé em São Paulo assistir à cantata “Diário de Anne Frank”. Vou dizer que fiquei surpreso. Num demoradíssimo ato ecumênico (zzzzzzzzzz.....), católicos, judeus e árabes subiram juntos no altar para falar sobre a necessidade de respeitarmos e propagarmos a liberdade religiosa. Fiquei triste de não ver as outras religiões no altar; seria demais para eles. Fizeram questão de afirmar uma certa supremacia das religiões “abrâmicas”; mas eles estavam lá. Duas mães-de-santo, um monge budista, um engravatado que poderia ser um evangélico. Durante o ato, foram lidos trechos de antigos concílios que versavam sobre a necessidade de se respeitar as outras religiões, posto que eram todas irmãs e cultuadoras de um Deus comum.

Eu gostaria muito de crer num mundo melhor. Num mundo onde fossem aceitas e respeitadas todas as religiões e não-religiões, todos os credos e não-credos. Eu não sou ateu; já fiquei ateu uns anos por decepções e questionamentos, mas minha alma é fundamentalmente religiosa, mística. Eu sinto necessidade de entrar em contato com o “sagrado”, como diria um certo antropólogo. Mas não desprezo nem desconsidero os ateus. Acho que um ateu honesto, digno, portador de princípios, respeitador do ser humano, vale dez mil “crentes” ou deístas. Se ele vai para o céu ou não, problema dele. Mas acredito que um ateu que pratica boas obras deve ir parar em lugares muito mais avançados do que um crente maldizente.

Todos os dias, jovens homossexuais se suicidam ou se envolvem com drogas porque não são aceitos pela sociedade, pela família, pela sua igreja e, por contiguidade de tal ignorância, são levados a acreditar que não são aceitos por Deus. E mais: nesse temeroso levante da hipocrisia das indústrias-igreja, que arregimentam exércitos de fiéis preconceituosos, ignorantes e intolerantes, temo pelas vidas de inúmeros jovens que são levados a acreditar que são doentes ou pecadores por desejos que não escolheram e que poderiam ser vividos de uma forma plena, saudável e feliz se bem aceitos.


Eu nasci todo errado. Errado para aqueles pais que me colocaram no mundo. Errado para aquela igreja que frequentei durante a infância, igreja que casou meus pais, que “abençoou”  aquela união tão errada, tão desarmônica. Errado naquele bairro – como quase todos os bairros de todas as cidades, que edificam e “concretam” o preconceito e a intolerância. Errado naquela escola nazista de professores que concediam ou não a dádiva de deixar um aluno ir ao banheiro, de acordo com seus humores. Errado no meio de uma família, como tantas outras famílias, que fazem chacota ao perceberem que têm um elemento homossexual em seu seio. Cresci me acreditando errado. Foram necessários anos de psicoterapia para curar tantas feridas, feridas essas que me fariam um ser frágil, inseguro, negador de mim mesmo.
Sobraram cicatrizes. Várias. E faço questão de mostrá-las, contando e recontando os passos da minha história, para que tantos outros jovens possam ter a oportunidade de conhecer a verdade. Não a verdade dos padres, dos papas, das igrejas, dos pastores, dos hipócritas; mas a verdade da própria alma, a verdade da singular existência.

É por isso que estou emocionado ao saber que um representante dessa massa podre da sociedade se despede de um cargo de extrema projeção e capaz de influenciar lares, famílias, culturas. Numa segunda-feira de carnaval, uma festa pagã, profana, popular, nas melhores acepções dos termos, Bento se despede. Nem quero pensar no que virá, o que será. Quero apenas sonhar que a Igreja Católica fecha suas portas, constrita, reservada, pensativa, durante a quaresma, a percorrer um calvário de morte e renascimento.