NOTAS SOBRE O FALSO AMOR
Obrigado, Marina Abramovic. Estava meio sem inspiração essa semana para
postar no blog. Eis que começam a aparecer, desde ontem, os compartilhamentos
do vídeo do suposto “encontro casual” entre ela e seu ex-mancebo Ulay. Desculpe a minha ignorância,
nunca ouvi falar nele.
O primeiro compartilhamento que recebi foi muito inteligente. Veio de uma
amiga, que estava comigo no MOMA vendo a performance ridícula dessa “artista”. Digo
inteligente porque ela não se emocionou com o vídeo. Ela riu. E riu porque rimos
muito das pessoas observando a tal naquele dia. Tá bom, tá bom, já aprendi. Fez
um peido, amarrou num saco de lixo e pendurou no teto, é arte. Eu até furtei um
guarda-chuva, porque tinham roubado o meu e achei que fosse mais uma
performance. Tá vendo? A arte pode estar em qualquer coisa e lugar. Mas eu não
gostei. A única arte que vi naquele momento foram os estudantes de arte
desenhando Abramovic enquanto ela ficava lá, imóvel, olhando os candidatos que
se sentavam à sua frente no tal minuto de silêncio. Quando eu era criança, essa
brincadeira se chamava “estátua” e ninguém chamava de arte. Talvez porque
ninguém estava trajando um longo.
Mas daí começaram a chover postagens e compartilhamentos sobre o
encontro. Pessoas inteligentes, várias, com capacidade crítica, falando sobre o
amor, sobre o reencontro, quando Ulay aparece e faz uma cara de espanto digna
dos atores da escola de teatro do Wolf Maia e ela, derrama sua “crocodile
tear”. Não sei nada da vida passada dos dois. Provavelmente nem saberia quem
era ela se não a tivesse visto no MOMA, naquela tarde chuvosa de março.
Gente inteligente vendo beleza nesse engodo, pra mim, é muito pior do que
gente estúpida postando coisas estúpidas ou frases feitas atribuídas erroneamente
a célebres autores. Gente estúpida é gente estúpida, nada há a fazer sobre
eles. Meu medo está na estupidização do não-estúpido.
Eu super acredito no amor, na força do amor, na beleza dos encontros, na
surpresa dos reencontros. Eu só não acreditei neste especificamente. E por quê?
Pelo óbvio, creio eu. Ela está, sentada, plástica, mumificada. Ele é filmado e
fotografado entrando, atravessando com cara esquisita o casal pelado, closes
perfeitos dos dois trocando olhares. Eu prefiro a Odete Roitman chorando, com
aquela gosma escorrendo do nariz da Beatriz Segall. Eu prefiro o reencontro de
Paulo Gracindo e Yara Côrtes no Casarão.
E então eu me lembro do episódio do seriado House no qual uma atriz
performática se interna fingindo estar doente só pra fazer performance. E
depois eu lembro do episódio de Sex & the City onde Carrie conhece o
artista russo Alexandr Petrovsky em meio a uma performance similar à de
Abramovic e satiriza o fato dela ficar sem comer e aposta que ela sai de lá de
madrugada para comer um Big Mac.
Estou azedo? Um pouco. Pós-plantão, cansado, um pouco mal-humorado. Não é
motivo, mas sem dúvida motivou minha rebeldia. Me fez refletir sobre o quanto
eu também possa estar sendo estupidizado sem perceber, gostando de invenções,
dando “likes” em falsas frases. É como se de repente eu passasse a gostar de
Paulo Coelho, dos Cinquenta Tons de Cinza e elegesse o Raul Gil para a Academia
Brasileira de Letras, tudo isso de uma vez.
Acordem, amigos, antes que seja tarde. A coisa chata é que vou dar mais audiência para essa babaca.
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