JUNGUIANISMOS...

Estou lendo a recém-chegada edição brasileira da obra-prima de James Hillman: “Re-vendo a psicologia”. Estou tentando ser junguiano. Curioso é que descobri que, ao mesmo tempo em que me sinto longe de ser um junguiano, pelo tanto que devo aprender e apreender, sou muito mais junguiano que psicanalista nas minhas práticas. Isso porque o símbolo, a sincronicidade, os arquétipos e toda essa parafernália mitológica invadem, o tempo todo, a minha existência. Mal comecei a ler o livro e sinto uma afinidade, um conforto literário e, muito mais que isso, um re-conforto psicológico.
Sim, sou também um órfão psicológico. Reproduzi a orfandade da alma, sozinho, aprendendo e desaprendendo, sem um chão, uma terra natal. Navego pela psicanálise, fucei lacanês, estudei a linha cognitiva e outras cheiradas pelo caminho. Mas é na psicologia análitica que encontrei berço.
Apaixonei-me pela idéia do “cultivo de almas”. E não me apaixonei por acaso. Disse hoje a uma amiga que minha “soul-maker machine” está ligada na potência máxima. Acho que estava plantando, colhendo, regando, carpindo, derrubando, adubando, tudo ao mesmo tempo. E ainda fazia queimadas. O resultado disso era uma grande confusão, com a eterna sensação de enxugar gelo. Hoje sinto um lance diferente. É uma fase bagunçada, como quando eu decido arrumar o guarda-roupa: adoro jogar tudo fora das gavetas e prateleiras primeiro e ir compondo, limpando, escolhendo, ordenando. Obviamente que o resultado é melhor. Mas o início da coisa toda, é uma alergia só. A poeira levanta, a vida parece se desorganizar, como num salto de paraquedas, onde os primeiros momentos são desarmônicos, caóticos e leva um tempo para se organizar e curtir o vôo.
Das coisas que li de Jung, umas delas me impressionou muito. É uma frase simples, que pode ser vista por muitos até como tola, banal: “A vida não existe sem problemas” (ou coisa parecida....) . De fato não é nenhuma novidade. Mas quando fui capaz de ouvir com a minha alma o que ele quis dizer com isso, acho que esse foi um verdadeiro “turning point” na minha jornada. Ele me ensinou que eu não posso lamentar os problemas e que muitos deles vêm e voltam, como regurgitações, “gorfadas” infantis para que eu resolva, eliminando ou aceitando. Sem essa de ficar reclamando e ensaiando marcar um dia em que esses problemas serão resolvidos.
E ao tentar alinhavar arquétipos com as minhas experiências místicas atuais, vejo que existe uma conexão entre os acontecimentos espirituais e psicológicos em minha vida. É a primeira vez que sinto essa simultaneidade, essa completude entre coisas que amo tanto. Acho que é isso que tem feito me sentir tão inteiro. Depois de anos de análise, ocultando, escondendo ou negando minha religiosidade, minha espiritualidade, como algo que não tivesse ligação com meu universo mental ou, pior, que tivesse apenas uma simples ligação “psicológica” na pior acepção do termo, sendo interpretável, analisável e até “curável”. Sim, era assim que eu me sentia. Tinha medo de dividir a experiência da espiritualidade com meus analistas por medo de vê-la destrinchada como um carne de porco sendo preparada para virar linguiça. Agora entendo meu ateísmo temporário. Tratei de esconder uma coisa que amava muito para que ela não fosse aviltada em sessões psicológicas conservadoras e reparadoras. Do esconderijo à “interpretose”, minhas parcas experiências em tentar integrar o “humano” ao “espiritual” foram sempre frustrantes.
No esconderijo, tudo era tratado como se fosse um nada, como se não fizesse parte do meu racionalismo visível, em constante refazimento e evolução. Foi nesse momento que o pseudo-ateísmo protetor se configurou, protegendo meu tesouro como a casca dura dos queijos amarelos protegem seu sabor, sua essência.
Na “interpretose”, fenômeno tão conhecido (e pouco reconhecido) dos sábios psicanalistas, esse rico universo de experiências ficou resumido a um “significado psicológico”. Lembro-me que quando resolvi, com muita dificuldade, contar para minha úlitma analista sobre meu retornos às coisas espirituais.... A dificuldade surgiu em função de eu já saber o que levar: uma interpretação. Bonita, profunda, poética, mas que compartimentalizava uma experiência muito mais rica que a própria psicanálise, num negócio psicanalítico.
Não, psicanalistas, não se irritem, não se melindrem, não se matem. Eu não tenho nada contra a psicanálise e os psicanalistas. Pelo contrário. Acho que ela pode ser uma excelente ferramenta de trabalho e a base para o entendimento de muitos fenômenos da vida, e me serviu por muitos anos para que eu melhorasse minha vida. Mas hoje, no momento em que me encontro, ela não serve, não funciona mais, não oferece o que eu preciso.
2 Comments:
Como meus pensamentos e sentimentos a respeito da minha vivenciada religiosidade fugiam do escopo dogmático da religião freudiana, ganhei uma interpretação e um rótulo de resistente de minha analista.
Sim, minha analista... eu confesso:
Cansei de interpretar Deus.
É Gabriel, é isso aí....Também cansei dessa retórica! Virei o disco!
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