PETIT “BIGATÔ”

Era uma vez, num fabuloso e renomado hotel francês em São Paulo, à margem direita da Sena (Madureira...pra quem vai da 23 de Maio para a Domingos de Morais...)
Não, não é um conto de fadas. E de fábula, só o preço mesmo.
Domingo ensolarado e encalorado em São Paulo. E não temos o rio Sena para fazer piquenique. Nem temos Paris Plage. Paulistas entediados e recém chegados de férias fabulosas, resolvemos marcar um brunch para trocarmos abraços e beijinhos de Happy New Year. Como de costume, havíamos marcado o encontro no hotel do pai da Paris, mas como no Brasil tudo funciona pela metade, o restaurante estava fechado para reformas. Sim, eles ofereceram um “remedeio”: tomar brunch no balcão do bar... Talvez teria sido melhor.
Decidimos ir ao tal hotel francês. Amo a França. Amo aquele hotel e costumo ir frequentemente à pâtisserie deles para tomar café e comer croque monsieur. E, toda vez que entro no hotel, fico maravilhado com o tom austero e suntuoso da decoração e o cheiro de verbena espalhado pelo banheiro. Sim, o hotel todo cheira a L´Occitane. Mas nunca havia ido ao brunch. E tudo começou muito bem: muita champagne, ostras, camarões gigantes, pernil de cordeiro e capeletti de brie, alcachofras, mais champagne e... bigato!
Meu amigo pegou um lindo prato de salada com uma pêra recheada de verduras e legumes, toda espalhafatosa e aproveitou pra abusar das alcachofras. Pão com manteiga? Café com leite? Bolachas recheadas? Nada disso! O melhor desses brunchs é fazer “valer o preço” e comer tudo o que dá prejuízo!
Mas na salada do meu amigo tinha uma surpresa. Entre a pêra e a alcachofra, jazia um bigato. Sim, B-I-G-A-T-O! Aqueles bichos molengas que parecem minhocas, só que são mais nojentos. Quando crescem nas frutas, como o bicho-da-goiaba, chamamos de larvas; quando são aqueles que vão virar borboletas, chamamos de taturanas e quando se alojam no corpo nos animais no sítio, chamamos de “berni”.
No primeiro minutos, ficamos em dúvida: parecia o pedacinho final da perninha de um camarão. Mas minha amiga logo gritou: “Bigato! Garçom, tem um bigato na salada dele!”. E o esquadrão francês se aproximou em pânico. Sem pestanejar, catei o serzinho na ponta do dedo pra verificar. Era mesmo um bigato, mas faltava um pedaço dele. E meu amigo não sabia se já tinha comido ou não o resto.
O garçom perguntou se tinha vindo da salada ou da alcachofra. Puta que pariu! Que importa de onde veio? Importa para onde estava indo! Minha amiga informou que devia ter vindo da salada, pois “os bichinhos da alcachofra costumam ser pretos” e o garçom respondeu que “deve ter sido mesmo da salada, porque os da alcachofra eles já tinham tirado”. Puta que pariu again! Ele não devia estar lá! Então ele recolheu o prato, desculpou-se e se reuniu com o Maître.
Passados alguns minutos, veio educadamente oferecer se meu amigo queria um “outro prato”. Explicamos a ele que o mínimo que podiam fazer era não cobrar a conta da “vítima”. E logo veio outra “esquadrete” se desculpar e informar que ele não seria cobrado. Disse que estavam perplexos e que estavam mandando um email para a matriz na França, comunicando o ocorrido. Uma revolução francesa às beiras da Sena! Mas os únicos sacrificados foram meu amigo e o pobre bigatinho, o petit bigatô!
Sempre que isso acontece, surge uma reação defensiva e negatória de explicar que “ao menos o vegetal não tem agrotóxico”. Mas eu prefiro comer agrotóxicos, ficar cheio de toxinas do que comer um bigato. Muitos devem se perguntar qual a diferença, estamos lá comendo ostras e escargots. É como se eles fossem bigatos de smoking e gravata borboleta.
Creio que mesmo os mais aderidos e fissurados às ondas de comidas “orgânicas” (como se alguma comida fosse inorgânica) não devem curtir muito comer bigatos. Dizem que os cantoneses comem todo o tipo de cacarecos. Carrapatos, escorpiões, lesmas e bigatos. Mas eu não fui acostumado a comer bigatos.
A primeira vez que comi uma goiaba, um bigato saiu de dentro dela, esmagado pela faca. E o cheiro da goiaba, junto com a imagem do bigato esquartejado é tão forte na minha mente que basta eu sentir o cheiro de uma goiaba madura que já lembro “dele”. Virou uma assombração na minha memória. Engraçado é o quanto gosto de goiabada. Acho que por ter quase certeza que os bigatos estão todos cozidos e dissolvidos na meleca do doce. Tanto isso deve ser verdade que nunca encontrei um bigatinho sequer no meio de um Romeu e Julieta.
Eu sei que acidentes acontecem. Pode ser que o “laveur de légumes” (lavador de alfaces) não estivesse num bom dia. Brigou com a mulher, tomou um porre, dormiu mal, perdeu a hora. Cansado, chateado, refletindo sobre os impropérios que ouvira, nem percebeu aquele bigato que se escondeu no canto esquerdo da pequena folha de alface. Pode ser que ele tenha esquecido os óculos. Pode ser que ele tivesse ceratocone. Digo isso porque acredito que acidentes acontecem. Nem posso dizer que o evento estragou nosso brunch, porque todos nós continuamos na mesa, comendo e bebendo. Nem posso dizer que nunca mais voltarei ao hotel, tampouco ao brunch. E acho louvável quando a atitude profissional de alguém que atende as “vítimas”, sendo prestimoso e atencioso, faz toda a diferença.
Porque, por situações aparentemente menos graves, já deixei de frequentar “eternamente” certos lugares. Uma vez fui a uma famosa cantina italiana no Bixiga. Ela sempre foi muito boa, mas acho que decaiu e se transformou num “circo caro” a partir do momento em que a transformaram num enorme restaurante com funcionamento 24 horas. Queríamos comer polpetone. Quando vimos o cardápio, ficamos muito decepcionados, pois não havia o polpetone no cardápio. Além disso, os preços eram impraticáveis. E, durante quase meia hora que ficamos esperando e decidindo se comeríamos ou não lá e enquanto eu “animava” meus amigos a terem coragem de deixar a mesa, nenhum garçom se aproximou de nós.
Ao sairmos, o Maître veio atrás de nós e perguntou porque estávamos indo. Eu disse, educadamente, que o cardápio não havia agradado. Não queria reclamar, não queria discutir. Apenas deseja partir. E ele, fazendo um gesto com as duas mãos espaçadas, como se segurasse uma grande sanfona, perguntou: “O que não agradou foi o preço?”. E eu, no auge da minha putisse, agora deflagrada, fiz um gesto de “pinça”, com o indicador e o polegar, respondendo: “Não, foi a educação. E anote aí no seu caderninho que, por conta dessa indelicadeza, não volto nunca mais nessa espelunca!”
As falhas, assim como os problemas, vão sempre existir. O que importa mesmo, é como nos saímos deles. Outro dia um amigo publicou no Facebook uma frase cuja autoria é atribuída a Sarte: “O que você fez daquilo que te fizeram?”. É esse o lance. Transformar o “petit bigatô” num “bigatô d´Or”.
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