Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Sunday, January 24, 2010

SINAIS FRATERNOS


Fiquei cerca de três semanas de férias. Estava mesmo precisando, pois vários sinais de “burnout” já se manifestavam: irritação, sono ruim, um perceptível aumento da calvície, cansaço excessivo... Nos primeiros dias, o meu corpo saiu de férias, mas a minha cabeça não.


Ficava tendo pesadelos com o ambiente de trabalho, chefes me perseguindo, pacientes fazendo escândalos. Até o meu avião caiu no sonho. Mas acho que esse não foi pesadelo. O avião caindo, seguido da inevitável morte , simbolizou, para mim, a “morte” da minha mente. Ela finalmente havia aterrissado para que eu usufruísse de corpo e mente das minhas merecidas férias.

Descansada, ela passou a operar numa outra vibração, em outra radiofrequência. Passei a ter sonhos esquisitos, alguns com pessoas e ambientes desconhecidos. O que terá sido? Viagem astral? Interferência de sonhos de outrém? Sei lá. Só sei dizer que acordava bem, descansado, relaxado, como se tivesse assistido um filme e adormecido com a TV ligada enquanto ele passava.

Chegando ao final da viagem. Tive um sonho estranho. Ambientes e pessoas conhecidas. Eu estava num velório de uma pessoa que gosto muito. Acordei perplexo e as imagens do sonho vinham em minha mente o tempo todo, como se sonhasse acordado. Nesse velório, explicava às pessoas o que tinha “dado errado” com o morto. Explicava que não era culpa de ninguém, que ele era um espírito sofredor, de “pouca luz e compreensão” e que não fomos capazes de desviá-lo desse caminho tortuoso.

Já fora do sonho, pouco tempo depois, soube que ele não havia morrido, mas que estava passando por problemas e havia sido internado. Será que, do mesmo jeito que a queda do meu “avião mental” significou uma aterrissagem pra um recomeço, essa morte e, consequente “enterro”, podem significar um início, um recomeço ou o final de um problema?

Quando voltava para o Brasil, comprei um livro pra ler durante o vôo. Procurei, procurei e, quando havia quase desistido, encontrei uma edição resumida da obra de Jung, chamada “The Portable Jung” (O Jung portátil). Portátil, mas não inútil. As palavras dele penetraram na minha mente e, logo no início,quando o autor falava sobre o momento de “revelação” que Jung teve ao descobrir que queria ser psiquiatra, tocaram a minha alma. Lembrei de quando “descobri” a psiquiatria em minha vida e de como tudo, inclusive ter estudado medicina, passou a fazer muito mais sentido. Faz tempo que tenho recebido os “chamados” de Jung. Pessoas à minha volta se “convertendo” para a psicologia analítica, a presença marcante dos símbolos espirituais em minha vida e a compreensão da relação dessas coisas acontecendo sincronicamente têm me chamado a atenção há tempos.

Uma das coisas que mais me chamou atenção nessa precoce leitura foi quando Jung se sente “perdido” com toda aquela informação sobre mitos e como ele faria para correlacionar tudo isso com os fenômenos da mente. Ele descreve que passa a se preocupar com o reflexo dessa confusão no atendimento de seus pacientes e passa a evitas as interpretações, deixando que seus pacientes livremente “construam” esse significado. Ele compara essa construção de significado aos bloquinhos de prédios com que brincava na infância e de como ele era livre para criar, construir o que bem entendesse.

Isso me lembrou duas coisas da infância: quando eu brincava com Playmobil e construía casas enormes, misturando peças do próprio brinquedo e peças de outros e quando meu avô me levava para comprar ferramentas com ele e, a cada peça que comprava, me presenteava com uma miniatura idêntica. Já em casa, ele ia me ensinando, com muita paciência e carinho, a consertar as coisas, usando as minhas ferramentas, dando nomes a cada uma delas.

Jung fala que passa então apenas a observar essa construção enquanto se perguntava “qual era o mito que ele próprio estava vivendo e o que esse mito estava querendo mostrar a ele”.

Ainda no avião de volta ao Brasil,assisti um filme que já tinha visto antes, chamado “Viagem para Darjeeling”. Nele, três irmãos embarcam num trem na Índia, o Darjeeling Limited, numa viagem tramada por um deles, numa tentativa de reconciliação, através da busca de alguma experiência mística ou reveladora. Da primeira vez havia gostado muito do filme, mas acho que não havia captado a sua profundidade e fiquei mais preso aos eventos “engraçados” da primeira parte do filme. Mas é a partir de certo ponto, exatamente onde o filme perde bastante do colorido humorístico e ganha uma sobriedade e consequente profundidade, que as coisas começam a ocorrer.

Enquanto assistia o filme, pensei nas palavras de Jung, lembrei do “Daemon” de James Hillmann, pensei no enterro da pessoa querida. Fiquei pensando em Jung, nos mitos, na ligação com o filme, com meus sonhos, com os ciclos de morrer e nascer que têm ocorrido ultimamente. Acho que através de Jung, tive uma daquelas revelações que Freud chamava de insights tardios....

E creio que esse filme já se encontrava dentro de todo um contexto, no qual minha mente já discutia o “Arquétipo Fraterno”. Eis que minha amiga-irmã me presenteia, nas porteiras para uma viagem arquetipicamente fraterna, o livro “O Irmão – Psicologia do Arquétipo Fraterno”, do analista junguiano Gustavo Barcellos.

Acho que as diversas coisas em minha vida têm convergido ultimamente para um “beco com saída” que me faça olhar para a fraternidade. Não nesse sentido de caridade ao qual facilmente associamos a palavra, mas a essa coisa “horizontal”, das relações que estão ao meu lado, meus amigos, meus irmãos, meus “pares”.

Nessa “viagem” da vida, passei por muitas paisagens, cidades, coisas. Tive momentos em que joguei muita coisa fora para poder seguir mais leve; para me ferir menos; para acreditar que a dor era menos dor; enfim, subterfúgios de sobrevivência.

Agora, como Paulo, na Epístola aos Coríntios, naquele momento, via em parte e, se acaso visse tudo, tampava os olhos. Hoje, que “não sou mais menino”, olho o mundo, as coisas e as pessoas de um modo diferente. Chegou o momento de catar as malas que larguei pelo caminho. São pesadas, mas são minhas.

Nesse momento estou em Salvador. Sincrônicas sincronicidades, estive a primeira vez aqui em 2003. Amei a cidade, o mar, o cheiro, as pessoas. E muita coisa boa aconteceu em minha vida depois de Salvador. E hoje escrevo à beira da varanda de um quarto de hotel, de número 2003, para lembrar que o tabuleiro da Bahia está sempre pronto a oferecer suas dádivas, seus presentes em minha vida.

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