Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Monday, October 25, 2010

JERICO-AQUÁRIO


“Nóis ganha pouco, mas nóis se diverte.”
(Dito popular)

É isso aí. Férias “forçadas” por força maior: um congresso em Fortaleza. Passadinha básica em Jericoacoara. A princípio, quando cheguei, achei que não havia valido o sacrifício. Muitas horas de estrada “normal”, mais um tempão de estrada “anormal”, repleta de dunas de areia com risco de atolamento. Hotel bonito, mas sem ar-condicionado, com a desculpa de ser “eco-resort”. Estou escrevendo e continuo suando em bicas. Ao lado do hotel, a beira-mar, o último dia de uma festival de música que podia bem ter terminado no dia anterior. Mas não foi um grande problema: estava tão cansado da viagem que adormeci feito a Bela e com o príncipe já à espera. Nem consegui ficar acordado para ouvir a Sandra de Sá cantando “Retratos e Canções”...

Domingo cedo, acordo disposto a passar o dia na piscina do hotel, apreciando o mar, vendo o mundo se acabar. Mas meus amigos “locais” disseram que seria uma pena ficarmos aqui sem conhecer o melhor de Jeri... E lá fomos nós num buggie alugado, dirigido por Didi Mocó. Fomos na Lagoa Azul. Bonitinha, mas ordinária. Água quentinha, transparente, mas tendo que desviar o tempo todo dos barcos que levam turistas de um lado a outro pelo lago.

Agora, chegando na tal Lagoa do Paraíso, minha Jeri ficou “massa”, como dizem. Uma lagoa enorme, que mais parecia mar, cheia de ondas chacoalhadas pelo vento. Sem sal, sem pedrinhas espetando o pé e com uma rede no meio da água pra espreguiçar molhado. Foi lá onde eu fiquei a maior parte do tempo. Meu amigo perguntou o que eu preferia, se a Lagoa do Paraíso ou Paris. Disse a ele que é o tipo de coisa que não se pergunta, porque, naquele exato momento, teria que abandonar Paris, caso eu respondesse. E o Arquétipo de Odete Roitman jamais me perdoaria. Até porque a Lagoa tinha um quê de Paris: lotada de franceses, dava até pra ouvi-los conversando. Até o garçom falava francês. Lógico que um francês cearense, “catre poassons pur partager antre tu le persones” e por aí vai. Cheguei até a visualizar, a gente saindo da Lagoa de buggie e, virando a primeira esquina, após o vigésimo terceiro jegue, lá estava, bela e resplandecente a Notre Dame.


E por falar em jegues, nunca vi tantos. Alíás, acho que nunca tinha visto nenhum antes. Vi vários deles pelo caminho, inclusive um morto, estirado ao sol. Vi um casal de jegues fazendo a dança do acasalamento, com a “jega” dando coices no “jego” pra escapar da ferroada. Eu acho que faria o mesmo se fosse ela, porque sempre ouvi dizer que os jegues tem grandes ferramentas. Mas acabei concluindo que a vida humana é igual à vida selvagem, só que com motores e ar condicionado: é o homem, o tempo todo fazendo de tudo pra levar a mulher pra cama e a mulher correndo o tempo todo pra não ir pra cama, mas acaba indo no final. Pra que perder tanto tempo. Isso é da natureza humana, mas também jeguiana.


No caminho, vi uma outra coisa muito curiosa. Várias vacas pastando, no meio das dunas de areia. Longe de toda água possível. Como pode? Será que acabam todas como aquele jegue? Morrendo de sede? Esturricadas ao sol? Concluí psicoticamente que essas são as vacas que dão a carne seca e o queijo coalho. Sempre pensei que a carne seca era preparada em grandes terrenos áridos, cheia de sal. Nada disso. Elas devem beber um pouquinho de água do mar vez ou outra e depois, quando elas se perdem no meio das dunas, começam a comer areia. Taí a origem da tão gostosa carne seca que recheia nossos escondidinhos.

Todos os animais vivem num sossego só aqui. Cachorros e gatos ficam dormindo embaixo das mesas nos restaurantes ou na areia da praia. Chamei vários deles pra brincar. Eles vêm, lentamente, dão três abanadas de rabo, concluem que não vão ganhar comida, saem andando, com a mesma lentidão ou se jogam, desfalecidos, a dois passos de distância. Nenhum deles pula na sua perna e nem sai latindo atrás pelas ruas, muito menos morder alguém.

Mesmo não sendo cearense, ouvi um ditado de um amigo, uma espécie de cantada mambembe dito a uma moça na mesa do jantar, que combinou com o espírito local: “A gente da certinho, igual dedo no nariz; não sobra nem um espacinho”. Vale dizer que ele disse isso “encenando” o ditado... Mas achei simpático e carinhoso, bem cearense.

Nunca gostei de caju. Sempre achei uma coisa sem graça, “peguenta”, esquisita. Sempre achei que Deus inventou o caju para chamar a atenção na árvore para o homem ir buscar as castanhas. Mas Jericoacoara reformulou minhas opiniões. Catei uns cajus caídos no chão. Senti o cheiro, deu uma mordida. Então foi só começar. Comi um atrás do outro, sem parar, sem culpa, sem arrependimento. Nem sobrou pra fazer umas caipirinhas. Não resisti. Nunca gostei do tal “Caju amigo”, mas agora fiquei amigo dos cajus. Duro é pensar que o caju que comemos e o suco que tomamos é feito de restos dos restos.

Saí para dar umas bizoiadas no comercio local, para comprar umas encomendas para uma amiga. Chegando à loja, quase caí para trás ao ouvir o preço dos badulaques. Nisso, minha amiga “local” perguntou à vendedora: “Isso é preço pra turista, né? Quanto que é o preço pro pessoal daqui de Fortaleza?” E a moça respondeu: “Bem, se o pagamento for à vista, tem vinte por cento de desconto”. Adorei a tática. Não costumo pechinchar, mas realmente comecei a gostar da brincadeira.

Duro é o caminho ida-e-volta. Acho que deveria haver helicóptero a preços populares. Mas tem suas vantagens. A dificuldade de acesso talvez seja a única forma de preservar a natureza de um lugar tão especial, nesse país tão pouco civilizado.

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